Paz Temporária - Chama Imortal escrita por HellFromHeaven


Capítulo 23
Encerrando o assunto




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Parti daquele vilarejo determinada a por um fim na guerra que eu mesma havia começado. Não havia mais névoa pairando sobre meus pensamentos ou escuridão ao meu redor. Meu objetivo estava claro para minha mente e eu podia ver claramente qual era o caminho certo a se seguir e quanto eu tinha me desviado dele. Isso foi uma revelação desagradável, mas a conversa com os dois espíritos elevados me deixou mais aliviada. Foi bom saber que ainda existia esperança, mesmo que eu quase a tivesse destruído completamente com minhas próprias mãos. Mas como nunca fui de fugir de meus erros ou colocar a culpa de tê-los cometido em outras pessoas, seriam essas mesmas mãos que reverteriam a situação.

Cheguei à cidade onde estava hospedada e arranjei um transporte que me levasse até nossa base central. A viagem demorou algumas horas e quando cheguei lá tudo parecia “tranquilo”. Era uma cidade de médio porte que estava totalmente sobre nosso controle e, sendo assim, era normal que a movimentação de soldados por lá fosse constante. Logo, minha chegada até o prédio onde os outros comandantes se encontravam (ou pelo menos deveriam estar) foi atrasada em cerca de vinte minutos por causa deste maldito fluxo absurdo de pessoas... E o pior é que realmente estava “tranquilo” (normalmente eu demoraria pouco mais de uma hora para atravessar a cidade).

Assim que pude, adentrei o prédio e fui até a sala central, onde ocorriam as reuniões. Era uma sala muito espaçosa com uma grande mesa redonda ao centro, onde dez pessoas poderiam se acomodar (éramos apenas quatro, mas Roward gostou do móvel). No meio dela, havia um mapa de Harvyre que servia de ponto de referência para nossas discussões estratégicas. Ao adentrar este ambiente, encontrei Sayumi sentada em uma das cadeiras olhando fixamente para o mapa. Sua expressão dizia que ela não estava em um dia bom, o que se tornou algo comum depois do início da guerra.

– Boa tarde, Sayumi.

– Tsuya? Pensei que estivesse resolvendo alguns assuntos importantes por aí.

– Estava, mas isso não importa mais.

Ela me olhou confusa e olhou para o teto por alguns segundos, depois disse quase sussurrando :

– Eu achava que tinha entendido o que se passa pela sua cabeça...

– O que disse?

– Anh? Nada... Apenas... O que houve?

– Então... Onde estão os outros dois? Tenho um assunto urgente para discutir com vocês.

– Ronmanoth está negociando suprimentos militares com um comerciante do mercado negro de Cherland e Roward deveria estar aqui há uma hora. Aquele infeliz disse que tinha uma notícia ótima para me dar e se atrasa assim, sem nem ao menos dar uma explicação.

– Acho que eu sei do que se trata, mas é melhor deixar que ele fale. Afinal, posso estar enganada.

– Bem, então junte-se a mim nessa espera de tempo indeterminado.

– Com prazer.

– Isso não será necessário! – exclamou Roward.

– Desde quando você está aí? – perguntou Sayumi, irritada.

– Acabei de chegar... Bem... Desculpe pela demora, mas tive que dar uma passada na companhia de interrogação. Aliás... Eu tenho que falar com você, Tsuya.

– Está enganado. Sou eu quem tem que falar com vocês. O ideal seria se o padre também estivesse presente, mas creio que eu possa relevar isto devido à natureza do assunto. Então... Sente-se.

– Tudo bem, senhorita sacerdotisa.

Ele sentou-se ao lado de Sayumi e ambos ficaram me encarando. A mulher estava visivelmente confusa e provavelmente estava verificando em sua memória se estava se esquecendo de algo importante. Já nosso “líder supremo” me olhava desconfiado.

– Agora que estão acomodados e calados, preciso, primeiramente, dizer que estamos fazendo tudo errado.

Dei uma pequena pausa proposital par que eles pudessem ficar indignados e tentasse dizer algo. Tudo pelo prazer de interrompê-los (isso era um sinal de que eu estava de bom humor, só para constar).

– Antes que digam qualquer coisa. Vou lhes explicar o porquê de eu estar dizendo isso. Daí vocês poderão se queixar o quanto quiserem.

Levei algumas horas, mas consegui explicar detalhadamente o motivo de termos nos perdido, quando isso ocorreu e porque ainda existia uma chance de consertar tudo. Admito que foi uma tarefa muito difícil e complicada, pois tive que recorrer aos princípios que me foram ensinados por T’eemu. E convencer um “revolucionário” e uma veterana de guerra que o melhor caminho a se seguir é aquele onde não há violência é algo muito complicado.

No fim, todo meu esforço foi recompensado e meu trabalho como sacerdotisa foi concluído com sucesso. A parte triste disso é que deixei duas pessoas com remorso, mas isso passaria com o tempo. Logo após meu comunicado, Roward revelou que os interrogadores tinha conseguido descobrir onde o líder dos Fallen Ones estava escondido e esta era a oportunidade que eu estava esperando. Pedi para que os dois espalhassem minhas palavras para o restante da Organização e fui ao encontro de nosso inimigo.

O esconderijo dele estava localizado em uma pequena cidade próxima à fronteira com Gran Alma. Levei alguns dias para chegar lá e meus bons amigos já haviam providenciado suporte para mim. Nosso exército estava cercando o local em um número absurdo de pessoas. Isso nos dava a vantagem que eu precisava para concluir meu objetivo. Então rapidamente adentrei a cidade com um grupo formado por meus melhores homens para garantir que nossos inimigos não tentariam nada. Ameacei os soldados Fallen Ones dizendo que se acontecesse algo conosco, bombardearíamos a cidade até que não sobrasse um tijolo em pé. Logo, eles “gentilmente” cederam e me deixaram ir até seu líder.

Ele estava na igreja da cidade, cuja grandeza contrastava com o nível de pobreza do restante da cidade. Isso teria me irritado profundamente se eu tivesse visitado aquele local alguns dias antes, mas como já estava “normal” novamente, apenas um sentimento de tristeza percorreu meu corpo. Tentei ignorar isso e adentrei o local. Pedi para que meus homens ficassem do lado de fora, pois não queria intimidar meu inimigo. Meu plano envolvia algo muito mais pacifista. Havia um grande número de civis ocupando praticamente todos os bancos que existiam naquele templo religioso (que, por sinal, era muito mais luxuoso por dentro). Todos pareciam abatidos e alguns aparentavam sinais de fome e doença. Era uma visão muito ruim, principalmente porque eles pareciam ter medo da minha presença... E isso era minha culpa e de mais ninguém.

Do centro do salão de orações, era possível ver uma figura muito velha, com robes feitos com um tecido aparentemente caro com detalhes feitos em ouro e um grande chapéu pontudo com pequenos detalhes também de ouro. Ele segurava um cetro adornado com várias pedras preciosas e... Era feito de ouro (acho que eles tinham alguma obsessão com aquele metal). Estava no segundo andar, sentado em um trono majestoso atrás de uma janela de vidro. Os fiéis mal podiam vê-lo, o que deveria simbolizar a diferença entre ele e os pobres coitados. Porém, eu nunca fui de me intimidar, muito menos pela nobreza, então fui diretamente em direção a ele. Alguns civis tentaram me impedir, mas apenas me esquivei, enquanto prosseguia.

Depois de passar pela multidão, foi extremamente fácil passar pelos guardas e entrar na sala do líder, uma vez que todos já estavam cientes da situação em que se encontravam. O esconderijo de meu “maior inimigo” conseguia ser ainda mais luxuoso do que todo aquele prédio, algo que me incomodava muito. Porém, eu não estava ali para discutir sobre decoração, e sim para acabar com a guerra. Assim que dei alguns passos em sua direção, o velho levantou-se e se virou para mim. Estava estranhamente calmo e mantinha um ar de imponência. Ficamos apenas nos encarando por um tempo. Foram só alguns segundos, mas era o suficiente para notar que éramos totalmente diferentes. Ignorei isso e iniciei a etapa final de meu plano:

– Bom dia, senhor sacerdote.

– Bom dia, senhorita assassina. Aliás, não me chame por um nome tão antiquado como esse. Sou o Mensageiro Divino.

– Sei... Vou apenas chama-lo de senhor, então.

– Faça como quiser. Não esperava mesmo respeito vindo de você.

– Igualmente.

– O que pretende vindo falar comigo? Não seria mais fácil matar todos nós, como vem fazendo?

– Sim, seria muito mais fácil. Porém geralmente o caminho da verdade é o mais turbulento e cheio de obstáculos.

– É engraçado ouvir isso da boca de uma assassina como você.

– Não que você possa dizer alguma coisa, certo?

– O que está insinuando?

– Como líderes, ambos somos responsáveis por nossos subordinados, o que o faz tão assassino quanto eu. A diferença é que você sujou as mãos de outros ao invés das suas.

Senti a tensão subindo no ambiente e percebi que ele quis me xingar de todos os nomes possíveis, mas, felizmente, se contentou com um olhar de desprezo.

– Enfim, não vim aqui para julgar a forma como você comanda esta instituição religiosa, e sim para pôr um fim nesta guerra que criamos.

– Suas palavras são confusas. Por mais que odeie admitir isso, a presença de seu exército ao redor deste meu refúgio é um claro sinal da derrota dos Fallen Ones.

– Como disse anteriormente, realmente seria muito mais fácil enterrar todos vocês nos escombros desta cidade, mas este não é meu objetivo. Entrei para a Organização, pois queria evitar uma segunda Reforma Cética, mas acabei gerando algo parecido. Então quero consertar estes meus erros e seguir meus ensinamentos.

– E como você pretende fazer isso? Não há como alterar o passado.

– Eu sei disso, mas a guerra ainda não acabou.

– Não entendo aonde quer chegar.

– Tudo bem, deixe-me ser mais clara. Estou ciente de que não poderei reverter a morte de todos os inocentes que sofreram por nossos conflitos, e também sei que a batalha está praticamente vencida. Porém, se simplesmente matarmos vocês aqui, seremos tão ruins quanto nossos inimigos e plantaremos o ódio no coração dos fiéis que sobreviveram. Isso gerará um novo conflito muito parecido com este no futuro e eu não quero ser responsável por tal catástrofe.

– Entendi o que quer dizer, mas o que pretende fazer?

– Os Fallen Ones não podem deixar de existir. Como sacerdotisa, repudio seus métodos. Mas isso não é motivo o suficiente para acabar com vocês. O objetivo inicial era diminuir sua influência no país e garantir a liberdade para o povo, então a destruição da sua crença seria uma grande hipocrisia.

– Realmente. Admito que somos duros e que a corrupção se espalhou como uma praga dentro de nossas catedrais e isso me inclui, obviamente. Mas esses anos de lutas incontáveis me fez ter mais contato com o povo. E ver que ainda há pessoas dispostas a lutar por nossa fé me faz pensar que não falhamos totalmente.

– É bom saber que pensa assim. Enfim, o que proponho é o seguinte: um acordo de paz.

– Conte-me mais.

– Quero fazer uma transmissão nacional onde nós selamos um acordo de paz para que todos os habitantes de Harvyre estejam cientes disso. A Organização já foi informada dessas intenções, então seria mais para informar o restante das pessoas.

– Entendo.

– Porém, é claro que temos algumas condições.

– Imaginei.

– Você deve retirar todas a opressão que está relacionada à sua crença. Assim não haverá motivos para futuros conflitos.

– A população não mudará seu jeito de pensar da noite pro dia.

– Eu sei, mas como foram vocês quem fizeram esta merda. Então será dever do clero consertar.

– Não é como se eu tivesse uma escolha, certo?

– Exatamente. Assim que fizermos esta transmissão, a Organização se encarregará de reparar os danos causados pela guerra. Isso inclui reconstrução de cidades e assistência aos civis. Afinal, fizemos uma bela bagunça nesse país.

– Com certeza.

– Então, o que me diz? Vamos encerrar esse conflito do jeito certo?

– Não há como eu concordar totalmente com o que me propõe, mas não quero piorar as coisas ainda mais. Então aceitarei este acordo pelo bem dos Fallen Ones.

Com o acordo firmado, logo começamos a nos movimentar para concretizá-lo. Já tínhamos providenciado todo o equipamento necessário para realizar a transmissão, então rapidamente a fizemos. Depois disso, começou o árduo trabalho de limpar a bagunça, uma segunda “operação de limpeza” (desta vez, no bom sentido da palavra). Seria uma tarefa que duraria meses ou até anos, então existia algo que eu precisava fazer antes de vestir minha roupa de faxina.

Fiz algumas viagens e cheguei até um local familiar: o templo de T’eemu. Havia diversas pessoas se refugiando lá com o meu consentimento, porém meu objetivo ali era muito “específico”. Andei pelo local procurando alguém, e encontrei essa pessoa na sala onde a espada de minha velha mentora se encontrava. Era uma garota de aproximadamente dezoito anos de estatura mediana, com cabelos negros presos em um rabo de cavalo, pele morena e olhos também negros. Ela estava ajoelhada em frente à espada e parecia estar desejando ou agradecendo algo ao espírito guardião do objeto. Aproximei-me sorrateiramente dela e a abracei com força por trás. Isso a assustou, mas quando virou seu rosto para verificar quem a havia surpreendido, seu espanto logo transformou-se em alegria.

– Tia Tsuya! – gritou a garota, soltando-se de meus braços para logo após pular sobre mim, fazendo com que caíssemos no chão.

– Olá, pequena que já não é mais tão pequena. Eu estava com saudades.

– Eu que o diga! Nunca mais faça isso de novo! Cansei de pedir pra T’eemu terminar logo com essa guerra para poder te ver e... Bem... Parece que deu certo.

– Sim, pode ter certeza disso.

– O Jim disse que você salvou a pele dele. Aquele idiota... Falei que ele não tinha jeito para esse tipo de coisa, mas fazer o quê?

– Pois é, mas ele parecia estar se virando... Razoavelmente. Aliás, me desculpe por não ter te visitado naquela época.

– Não tem problema, digo... Eu fiquei um pouco chateada, mas Jim falou que você não parecia muito bem, então eu deixei pra lá. Deve ter sido difícil pra você.

– Sim... Mas está tudo bem agora e é isso o que importa.

– Ah! Eu vi você na televisão com o velhote dos Fallen Ones. E pensar que ele era amigo do meu avô.

– Sério?

– Sim, meu avô foi o líder dos Fallen Ones na época da ditadura. Tem até uma estátua dele em algum lugar por aí. Ficava em Olgden Ville, mas a essa altura eu já nem sei mais o que houve com ela.

– Entendo. Bem, vou tirar uma semana de folga antes de pegar firme na reconstrução do país, então até lá ficarei por aqui. Aliás... Está com quantos anos?

– Continua sem noção do tempo, não é?

– Isso é algo que eu não posso evitar.

– Estou com vinte e um anos.

– Sério? Nossa... Então já se passou todo esse tempo...

– Pois é. As pessoas falam que eu não tenho cara de vinte e um... Fazer o quê.

– Você realmente parece mais nova. Ah... – disse enquanto tirava a faixa de cabelo que ela havia me dado. – Eu nem sequer me lembro de qual era a cor disto, mas acabou ficando vermelho escuro graças à quantidade de sangue que eu derramei...

– Não tem problema. Ele é seu e você poderia pintar ele das cores do arco-íris se quisesse. Sem falar que... Acho que você fica bem de vermelho.

– Heh. Tenho que concordar com isso.


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