Call Again escrita por Clara Luar


Capítulo 7
No escuro.


Notas iniciais do capítulo

Olá! A Burger Queen é uma lanchonete de minha imaginação. Para construir uma filial na sua cidade fictícia, peça permissão; se quiser visitá-la, faça uma reserva antecipada.
Boa leitura :)



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/562088/chapter/7

Lince veio me buscar exatamente vinte minutos após o fim do meu telefonema. Estava radiante com uma regata prateada sob seu casaco preto preferido e uma calça escura justa delineando as curvas de sua silhueta. Seu cabelo louro curto brilhava mais que as primeiras estrelas que se acenderam no céu.

– Está uma gatinha, hein, Blair? – insinua enquanto cumprimenta com um abraço.

– Vindo de você parece até que está zombando, Lince – digo, porque a achei deslumbrante.

– Que bobagem! Isac vai adorar! – pisca o cílio curvado enegrecido com rímel.

– Eu adorei; isso é o que importa – murmuro, quase inaudível.

– Vamos, então. Não quero chegar atrasada. – puxa-me pelo pulso para fora da minha casa. – Pontualidade é tudo!

Lince é extremamente pontual. Nunca chega atrasada e se ela chegar cinco minutos adiantada, aguarda no carro até seu relógio de pulso acertar a hora. Antes quando éramos convidados a festas, os amigos ficavam intrigados, porém, acostumaram-se. Ela vive no seu próprio ritmo, independente de qualquer fator externo, como se o mundo a pertencesse. É uma das coisas que admiro nela.

Chegamos ao Burger Queen na hora combinada, nem um minuto antes ou depois. Adolescentes e grupos de famílias se aglomeravam na porta de entrada. Burger Queen é uma lanchonete de fast-foods de muito sucesso que existe somente na nossa cidade. Até pessoas de outras cidades vêm comprar o seu jantar rápido de final de semana. No centro, há no mínimo quatro das filiais: Burger Queen Burger, Burger Queen Pizza, Hot Burger Queen – com uma variedade incrível de salsichas e batatas – e Burger Queen Pasta. Os quatro lotam nas noites de quinta, sexta, sábado e domingo. Há quem faz reservas.

– Espero que você tenha feito alguma reserva, Lince... – sussurro a puxando pelo braço.

– Claro, linda. Contatos é tudo. – diz com sua falsa voz de patricinha.

A família de Lince é bastante renomada, a lista de contatos no celular é extensa. Aproveitando disso, ela segue a corrente do “conheço-um-cara-que-conhece-outro-que-é-amigo-de-fulano-que-conhece-alguém-importante”. E assim consegue marcar reservas, ganhar ingressos, encontrar pessoas famosas. Ela me arrasta para tudo quanto é evento que com certeza a filha de uma família de classe média não deveria ser convidada.

O interior da lanchonete é decorado com tons de ketchup e maionese. Bancos acolchoados e mesas quadradas de plástico são dispostos de forma que o encosto de uma sempre fica de costas para a outra, oferecendo um mínimo de privacidade. Há tantas pessoas e tantos burburinhos que é difícil distinguir o que estou pensando do que outros clientes estão dizendo. Apesar da multidão, consigo encontrar facilmente a silhueta alta e os cabelos escuros de Zack sentado num canto direito. É a primeira vez que distingui alguém, já que costumo ficar absorta em multidões, e isto faz surgir um sorriso em minha face. Ando até ele, Lince logo atrás, e, como se pressentisse, Zack vira-se antes de eu alcança-lo e nossos olhos se encontram. Desvio o olhar sem jeito para um ponto atrás dele (aquele é o Charlie?). Contudo, aquele segundo que o vi fitando-me pareceu uma pequena eternidade.

Os dois bancos vermelhos lustrosos são cada um para duas pessoas. Como Lince senta-se ao lado de Charlie, sou obrigada a colocar-me ao lado de Isac. Enquanto eles sentam-se muito próximos, nós parecemos estar separados por um enorme e grosso Muro de Berlim. Zack passa os olhos pelo cardápio e eu me contenho a observar a palma das mãos. Isso não está saindo como planejei. Eu planejara algo? Chacoalho-me discretamente, afastando qualquer pensamento. Deveria agir normalmente. Ergo o rosto e encontro o de Charlie analisando-me. Suas orelhas estão vermelhas por pura timidez. O cotovelo de Lince encostado ao seu deve tê-lo deixado sem jeito. Noto os punhos cerrados escondidos sob a mesa, o olhar fixo dentre a armação Geek dos seus óculos em algo atrás de mim. Até então não tinha reparado como ele era masculinamente fofo. Nem sabia que isso era possível. A camiseta de dois tons era descolada e o conjunto de finas correntes prateadas tentava criar um visual bad boy, mas sua cara amedrontada e estranhamente jovial mostrava o quanto poderia ser gentil. Ele me pareceu um cara legal. Sorri. Charlie correspondeu com um aceno de cabeça.

– É impressão minha ou vocês estão conversando com telepatia? – Lince intromete-se com seu senso de humor.

Ambos negamos com um lento balanço. Estávamos numa estranha sintonia nesse encontro.

– Vou lá fazer o pedido – Zack oferece-se.

– Ah, eu ainda não escolhi o meu... – digo tocando o cardápio pela primeira vez.

Zack sorri. Se antes da briga o seu sorriso cantado fazia meu peito formigar, agora eu seria capaz de derreter. Era como se todo esse tempo ele quisesse que eu falasse primeiro. Pelo visto, ambos estávamos querendo ter certeza de que estávamos bem na companhia um do outro. Bem, ele poderia ter dado o primeiro passo..

Havaian Soda é novo? Acho que nunca vi antes. – aponto para o desenho de um drink colorido com um abacaxi no topo. Parece tão delicioso quanto o nome. E estava na promoção do kit de lanche de frango. – Eu quero esse!

– Achei que você ia mesmo querer esse – Zack concorda. – Também pedi. É bom experimentar coisas novas.

– Sim! – respondo com exagerada empolgação.

Estávamos agindo como antes, o que me deu certo alívio.

Fez-se o pedido. A comida chegou muitos minutos depois. Enquanto comíamos, aproveitei para conhecer melhor o Charlie, tentando deixa-lo mais a vontade. Terminada a rápida refeição, seguimos para o cinema.

A sessão das nove começou um pouco mais cedo, ou seja, estávamos atrasados dois minutos, o que deixou Lince frustrada. Tentei acalmá-la enquanto os meninos compravam pipoca, mas não adiantou muito. Entramos na sala de filme. Fiquei intrigada com Zack puxando o tecido de minha blusa plissada enquanto transitávamos entre as pessoas. Lince desabou na cadeira confortável com os braços cruzados, ainda mal humorada. Charlie sussurrou algo no seu ouvido que a fez sorrir. Ainda passava os trailers, que achei um pouco assustadores. Uma fisgada na minha cintura, à minha direita, me fez virar bruscamente e encontrar os olhos castanhos de Zack cintilantes na escuridão do cinema.

– Está tudo bem com o filme? – perguntou-me.

Arqueei uma sobrancelha, questionando-o. Do que diabos ele estava falando?

– Não sei. Foi a Lince que escolheu.

– Você não tem nem ideia do que se trata? – sussurrou de volta.

Minhas bochechas queimaram com o ar de sua respiração tão próximo do meu.

– Não...

De súbito suas pupilas dilatam-se surpresas. Prendi a respiração por reflexo. Tinha alguma coisa errada no filme que eu não estava sabendo...

– É um filme de terror, Blair. – sua voz é cortante.

Viro-me para o título jorrando na tela com uma chuva de sangue.

Ah, não...

Procuro Lince na escuridão. Ela está entretida em outra piada do Charlie e não percebe meu olhar inquisitivo.

Ela sabe que eu odeio filme de terror. Que fico apavorada vendo sangue. Para mim, nada na escuridão é confiável. E a mocinha sempre vai para a escuridão. Eu seria expulsa de tanto gritar na hora do suspense. Teria pesadelos à noite toda.

Respira fundo, Blair... Você não é mais uma garotinha de dez anos. Pense positivo: os piores filmes de terror só passam na sessão das onze. Deve ser algo mais leve. Sim. Está na hora de enfrentar esse seu medo. Será que eu posso sair da sala agora?

Arrepio-me quando sinto algo sobrepondo na minha mão. Olho pasma para a mão de Zack segurando a minha. Não sei se meu coração pula no peito por medo ou ansiedade. Minha palma estava suando e isto não é um bom sinal.

– Calma. Qualquer coisa é só fechar os olhos. – sugere olhando-me de modo carinhoso. Eu poderia morrer feliz só de estar refletida nesse olhar, pensei. Mesmo baixando a voz, suas palavras são melódicas e conseguem me acalmar. – Vou estar do seu lado o tempo todo. Confia em mim?

– Confio.

Ele vira-se para a tela gigante onde o filme já começava. Faço o mesmo, embora tudo o que eu queria no momento era me perder nas cores douradas de suas íris.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Obrigada por ler.
Aguardem ansiosamente pelo próximo capítulo (*u*)/



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Call Again" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.