Call Again escrita por Clara Luar


Capítulo 5
Corte, pinte e lute.


Notas iniciais do capítulo

Olá! Uma nota especial para agradecer a todos que comentam e têm paciência de esperar cada novo capítulo (sei que demoro) - Obrigada!
Boa leitura :)



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A febre foi farejada facilmente pela minha mãe. Empurrou-me para baixo do meu cobertor e impediu-me de sair da cama. Minha imunidade não é a das mais altas, adoeço com certa facilidade. Por isso, meus pais muito preocupados, guardam um estoque considerável de remédios e analgésicos. Obrigaram-me a engolir uma capsula vermelha e branca. E uma longa noite de sono cuidou do resto, afugentando a febre e os sonhos.

Acordei mais disposta e durante o café da manhã questionaram o que fui fazer na casa dos Baker. Driblei a pergunta com uma desculpa esfarrapada. Eles entenderam como “efeito colateral de ser adolescente” e me deixaram em paz.

Em minha cidade o clima é confuso. Os dias mais comuns são de intenso calor pela manhã e rigorosa chuva à noite; quando as nuvens decidem chegar mais cedo, as primeiras gotas caem e rapidamente preenchem a tarde com a atmosfera úmida de pré-tempestade. No meio do mês passado, uma tenebrosa chuva alagou a minha escola, que fora construída num vale. Assim, o Colégio determinou recesso de um mês para limpeza e reestruturação – podem pensar que é pouco tempo para tal, mas o lugar, já acostumado com os comuns acidentes naturais, sabia lidar muito bem com eles.

Os últimos dias de recesso não acabavam nunca. Há quatro dias que afirmei o meu amor e declarei guerra à teimosia de Isac. Desde então não paro de procurar no celular alguma nova mensagem de Zack, ou até mesmo uma chamada perdida. Porém, nada. Não juntava coragem para bater à sua porta, outra vez. Isto significava que eu só poderia vê-lo quando as aulas recomeçassem. A espera era agonizante. O que me tirava do transe eram os eventos em família inventados pelos meus pais – uma surpresa cada dia – e as visitas da minha melhor amiga.

Entretanto, Lince logo cansou de aturar-me, visto que quatro de cada seis palavras que eu mencionava era sobre Zack e o nosso problema. Ela pareceu ter arranjado os próprios problemas amorosos. Percebi isto, porque, minha amiga não parava de olhar para o seu próprio celular e resmungar algo para si. Não quis falar deles comigo.

Joguei irritada o iPhone na cama – como podem ver, eu tenho essa mania. Se ficasse apenas pensando não chegaria a lugar algum. Minha mente, inundada igual à paisagem pintada na janela, pesava e as têmporas doíam. E o batuque constante do outro lado da parede, vindo do quarto do Carlinhos - agora adorando brincar com o pandeiro que ganhara - aumentava o estresse.

Deitada na cama, passei a observar as pontas duplas das minhas mechas foscas. O cabelo era algo importante, o referencial para toda a mudança que passei desde que dei os primeiros passos para a descoberta do amor. Deixei a tinta desgastar e agora era uma mancha preta e azul. Recordei o toque contido do meu melhor amigo nos fios. Também ouvia, pela milésima vez, todo o seu argumento para negar o que sente por mim. Até comecei a duvidar. Será que realmente não existia mais nada em seu coração? Aquele amor que confessou há tempos evaporou tão de repente? Não, eu não deveria pensar isso. A certeza de que Zack sente, sim, algo por mim, era o que me dava esperança.

– Chega! Assim, não consigo. – desafogo-me dos pensamentos cada vez mais negativos.

Ergo-me da cama numa cambalhota. Pego meu guarda-chuva roxo, sempre a posto na maçaneta da porta. Não esqueço o celular, já que, da última vez, quase matei meus pais de preocupação.

Descendo a escada, encontro-os na cozinha. Mamãe lava-os pratos sujos do almoço, enquanto meu pai seca e guarda. Mesmo após vinte anos de casados, agiam feito dois enamorados completamente apaixonados. Faziam quase tudo juntos: o almoço, o jantar, lavar a louça. Vejo-os afetuosos um com o outro desde pequena, e talvez isso explique meu desejo insaciável por um amor perfeito. Perfeito não é bem a palavra, mas sim, Verdadeiro.

– Vou visitar Brian. – aviso-os do corredor, a mão pronta para abrir a porta e ganhar a rua.

– Ele deve estar trabalhando agora. – informa meu pai, posso vê-lo guardando um prato no armário.

– Está chovendo, não deve ter ninguém lá. – argumento.

Brian é o meu irmão mais velho e é para o abraço dele que corro quando estou confusa. Sempre foi assim. É ele quem me ajuda a ver os meus problemas, que parecem bichos de sete cabeças, com mais clareza. Nunca sugere soluções para elas, porque, isto, segundo Brian, cabe apenas a mim.

– Leve o guarda-chuva! – aconselha mamãe, encerrando a conversa.

Ao contrário do que imaginava da janela, do lado de fora, as gotículas d’água caíam serenas e não muito dispostas a despencarem de vez das nuvens cinza. Abro o guarda-chuva sob mais um dia de precipitada chuva.

Cantando sob a proteção da chuva, alcanço a calçada do salão de beleza onde meu irmão trabalha; ele é cabeleireiro. Mesmo a ameaça de uma tempestade não impediu que algumas mulheres fossem ao salão, por tanto, nem todas as cadeiras estavam vazias. É difícil encontrar horários vagos desde que abriu. Brian foi uma ótima aquisição; é excelente no que faz. Capaz de realçar com o corte e a tintura – ou simplesmente palavras de apoio – o melhor de cada cliente. Seu único problema é ser muito seletivo. Por exemplo, odeia quem chegam pedindo o corte igual ao de certa atriz. Para ele, que faz a transformação perfeita, se o motivo não o convence, um penteado novo não mudaria absolutamente nada.

Reconhecendo-me de imediato e corre para abraçar-me. É caloroso, seu afeto me aquece instantaneamente.

– Oi, maninho. – tento sorrir, mas algo sai errado.

O que houve? – ele advinha no mesmo instante.

Leva-me a uma das cadeiras de salão vazia.

– Você está péssima. – é a primeira declaração.

Frente ao grande espelho, vejo o quanto meu atual penteado não combina em nada comigo. Fins de namoro deixam garotas literalmente “derrubadas”, mas não pensei que estivesse tão ruim. Deveria ter cuidado dessas mechas, dessa mistura de cor e desses desfiados assim que superei a tristeza do término com o Jean. Os pensamentos negativos diminuíram minha autoestima. Contudo, quem visse esse mesmo reflexo, não acharia tão feio.

– O que quer que eu faça?

Eu devo ser a única pessoa para quem Brian faz esse tipo de pergunta. Normalmente, corta ao modo que deseja, e as clientes saem satisfeitas. Deve ser porque sou sua irmã.

– Como quiser. - dou de ombros.

– O.K. – passa os dedos para desembaraçar minhas mechas. - Não sabe o quanto me aborrecia esse seu cabelo desleixado, tendo eu sempre disponível para cuidá-lo por você.

– Desculpa. Acontecerem umas coisas... – não sabia por onde começar. – Eu quero deixar minha cabeça mais leve para o que terei de enfrentar.

Cobre meu corpo com um manto cinza. Borrifa água por todo o meu cabelo.

– Outra brincadeira com o cupido? – quis me ajudar a desenvolver, sem desconcentrar-se do trabalho.

O comentário sugestivo me intriga.

– Não é brincadeira – giro o pescoço a fim de conseguir enxerga-lo nos olhos. - Eu gosto mesmo dele. Quero tê-lo a todo o momento por perto. Eu estou apaixonada.

Com o meu movimento, ele retira de imediato as mãos da minha cabeça desorientado. Eu atrapalhei o seu trabalho. Perdera o penteado que imaginara para mim em meio à névoa do seu subconsciente. Ajeita minha postura e ergue meu queixo com os polegares, para então recomeçar.

– Nunca te ouvi dizer tão convicta. – pega a tesoura e posso senti-lo separando-me da cascata de chocolate que deixei formar pelo Ben.

– Posso repetir se quiser: eu gosto do Zack.

A presença de Brian acalmava os meus nervosos e trazia com facilidade assuntos que entalavam em minha garganta. Era fácil conversar com ele sobre qualquer coisa.

– Zack, seu amigo? Eu sabia que ele gostava de você... – pergunta olhando-me pelo espelho: Desde quando estão namorando?

Com os olhos no meu reflexo, posso ver as bochechas enrubescerem.

–Não. Não estamos... – volto-me aos meus dedos enlaçando as mechas caídas no tecido cinza. - Ele não gosta mais de mim

Brian interrompe-se, mostrando sua expressão de perplexidade ao espelho. Chacoalha com desdém a mão que não segura a tesoura.

– Não precisa se preocupar. Diga-me: como é que ele gosta do seu cabelo? Ainda dá tempo, só havia cortado as pontas duplas e...

– Não! – rejeito. - Eu não estou fazendo isso por ele. É por mim. Eu quero voltar a ser eu, sabe? Nenhuma influência dos namorados.

Ele ergue uma das sobrancelhas.

Provavelmente, entendeu que eu criticava o trabalho que fizera no meu cabelo para os dois namoros. Não era assim que ele deveria entender a minha fala. Amei cada penteado que fizera para mim. Porém, fiz para agradar um garoto e não eu. Agora, adoraria qualquer penteado que ele criasse se feito para agradar a mim, e ninguém mais.

– Me deixe bonita, maninho – sorrio para os nossos reflexos.

– Você já é bonita... Ainda mais com essa carinha de apaixonada.

Retribui o sorriso. Em suas bochechas, formam-se covinhas atraentes de implicância fraternal.


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Notas finais do capítulo

Obrigada por ler.
Até o próximo (>.O)



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