Call Again escrita por Clara Luar


Capítulo 1
Afaste-se um pouco e sentirão sua falta.


Notas iniciais do capítulo

Olá, Boa leitura.



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Quando eu estava no último ano do ensino fundamental um garoto se declarou para mim.

Isac, (pensei ter ouvido Zack, e acabei o apelidando assim), era da sala ao lado. Moreno, corpo esguio e sorriso cantado nos lábios, sua beleza era simplória e comum. Pelos seus gestos contidos, não se destacava na roda de amigos. Entretanto, onde quer que chegue, tornava a atmosfera mais leve, quase confortável, e atraía as pessoas facilmente. Passeava pelos corredores assoviando, subia os degraus de dois em dois e, no intervalo, comia um pão de cobertura visivelmente deliciosa. Sua família era dona de uma conhecida padaria, onde reservava algumas horas do dia e ajudava os pais. Por isso cheirava a limão e açúcar, da torta de limão, o carro chefe da loja. Sua mania quando nervoso era passar a mão na franja para tirá-la dos olhos, castanhos muito claros, mas ela voltava a ondular-se sobre sua testa.

Foi o que descobri depois de sua confissão. Ele foi paciente na espera pela minha resposta. Sua companhia era agradável, porém rejeitei-o, o mais educadamente possível (se é que uma rejeição consegue ser gentil). Isac não despertou nada em mim, a não ser simpatia. Talvez ainda fosse cedo demais, não estava pronta para um relacionamento, que na época acreditava ser reservado apenas para os adultos. Ele entendeu, sem sombra de decepção no semblante, o que tornou o fato menos doloroso tanto para mim quanto para o garoto. Isac não se afastou. Passamos a nos esbarrar frequentemente pelos corredores, a conversar mais e, às vezes, ele trazia dois pães idênticos e me convidava para comermos juntos. A cobertura era realmente deliciosa: não muito doce e o miolo ainda quentinho parecia recém-saído do forno. Viramos amigos. Melhores amigos. E cada um se conformou com o lugar que tinha no coração um do outro. Bem, eu acreditei.

Minha vida amorosa iniciou no primeiro ano do ensino médio; Ben tornou-se meu primeiro namorado. Todo domingo ele jogava basquete na quadra em frente a minha casa. Via-o de relance acertar as bolas na cesta e ir embora de skate. Trocamos o primeiro “Oi” por causa do meu irmãozinho, Carlinhos, que insistiu querer brincar com os garotos maiores da quadra, não parou de chorar para tal. Eu fui obrigada a leva-lo e “negociar” com os rapazes um modo de ele ser café-com-leite num dos times. Foi Ben quem convenceu os outros e cuidou do Carlinhos com o zelo de um irmão mais velho. Em três dias, aquele roubou meu primeiro beijo, andávamos de mãos dadas e por fim o bairro já nos considerava “namorados”. Descobri que, apesar do seu estilo relaxado, do interesse pelos esportes radicais e de viver com o joelho esfolado e arranhões nos braços, gostava de meninas fofas, delicadas e com cabelos compridos. Logo, adquiri uma incrível coleção de saias, coloridas e femininas; parei de cortar meu cabelo, que, por consequência, parecia uma cascata de chocolate em minhas costas; e tratei-o com exagerada afetuosidade. Mas não estava verdadeiramente apaixonada por ele para tanto. Um problema.

Há um mês terminei com o meu segundo namorado, Jean, um roqueiro, vocalista da própria banda de garagem. Sua voz rouca vibrava no microfone, seus movimentos eram confiantes e as músicas que compunha eram de uma sensibilidade profunda. Aos meus olhos, ele brilhava quando cantava. No entanto, ele tinha uma parte negra que muitas vezes escondia esse brilho como um manto solitário. Seus pais eram divorciados e brigavam na justiça, não pela sua guarda, muito mais pela pensão. Não se importavam quando o filho saia e voltava apenas no outro dia. Jean dormia no apartamento do irmão, que estando bêbado batia nele. Mesmo assim, ele disse, gostava do irmão. Quando sóbrio, o irmão lhe ensinava a tocar guitarra e discutia a complicada filosofia que estudava. Comecei a preferir vestir roupas pretas ou brancas para combinar com o namorado, e quase sempre o casaco de couro que Lince, minha melhor amiga, me deu de presente. Ela mesma não gostou de ter me dado. Jean convenceu-me a pintar o meu cabelo de azul profundo, dar cor das asas da borboleta, e ganhei um verdadeiro riacho na cabeça. Ele amou. Já eu, achei diferente (que é uma forma gentil de dizer “gostei, mas não faria no meu”, mas eu tinha feito no meu), não desgostei. Um problema. Pensei que por amor era capaz de estar ao seu lado nos altos e baixos de sua vida, porém estava enganada. Porque eu não o amava; meus sentimentos em relação a Jean era um misto de admiração pela sua parte brilhante e pena, pela sua face obscura. Outro problema.

Nesse período, mais que Lince, Isac foi meu confidente. Ele me ajudou a compreender um pouco a mente dos garotos, ouviu minhas preocupações e ofereceu conselhos. Eu começava a relação por vontade própria, no entanto, pedia sua opinião para leva-la a diante, ou para encerrá-la. Fiquei tão absorta em meus problemas amorosos que não notei Zack se afastando de mim. Aos poucos meu amigo desaparecia e, quando finalmente dei conta, ele já não estava mais ao meu lado.

Deitada na cama, minhas costas mergulhadas em travesseiros, os pés erguidos para a parede, tento conter as lágrimas, que há tempos deixam rastros molhados nas minhas bochechas. Aperto firme o celular na mão direita, aguardando minha salva-vidas. Tentava entender a nossa briga. Na última vez que nos falamos, ele não gritou, nem enfureceu, mas seus olhos, que aprendi a ler, estavam angustiados como uma raiva silenciosa. E não o vejo há uma semana.

O iPhone vibra. Atendo de imediato.

- Cheguei de viagem agora. Quer explicar porque minha caixa de mensagem está cheia de pedidos de socorro? – Lince ironiza, preocupada.

Esforço-me a conter os soluços.

- Zack brigou comigo...

- Achei que isso fizesse parte da lista de coisas impossíveis de acontecer. – diz pausadamente, percebendo meu emocional abalado do outro lado da linha. – O que ele disse?

- Que eu pisava nos sentimentos dele. Que não deveríamos nos falar. Nunca mais. – concentro em não deixar as lágrimas caírem, mas não adianta.

O silêncio dela me enforca.

- É verdade – diz enfim.

- O que? Que não devo falar com ele?

- Não. Que você pisa nos sentimentos dele. – consigo imaginá-la revirar os olhos ao dizer, como se fosse óbvio.

- Como assim?

Sento-me, enxugo com a manga fina da blusa verde-menta para limpar o resquício das gotas de água em meus olhos.

- Na boa, Blair, sei que conta mais coisas a ele que para mim. Mas você sabia que Isac gosta de você e, mesmo assim, o fez como seu confidente amoroso. Isso é doloroso para qualquer garoto. E aposto que nem notou como estava negligenciando os sentimentos dele. – é dura ao explicar, lançando dolorosas flechas em mim com cada palavra.

Lágrimas brotaram e não pude impedi-las, pois o que minha amiga dizia era a mais pura verdade. Só agora notei o quanto fui estúpida, cruel e egoísta. Naquele instante, senti ser a pior do mundo. Fico tonta com tanto bombardeio de verdades.

- O que pretende fazer a respeito? – questiona.

- Não sei. – não conseguia pensar em nada agora.

- Algo me diz que Isac não vai voltar a trás. Tudo bem para você? Talvez nunca mais se falem. É isso o que você quer, Blair?

Suas perguntas interrompem meu pranto. Agarro com a mão livre do telefone a blusa que cobre o peito. Minhas unhas arranham o tecido bem em cima da região do coração. Esse coração sentia o vazio que Isac deixou. Os pulmões arfavam com saudade do aroma de padaria impregnado nele. E todo o corpo reclamava a falta que fazia os abraços dele. A sensação do término nos dois namoros não foi tão intensa e desesperadora quanto a que me dominava nesse momento. Pela primeira vez, desde que a briga transformou meus sentimentos e pensamentos em tornados, algo ficou claro: ele era importante para mim. Odiei-me por descobrir isto somente quando a nossa relação estava prestes a acabar.

- Tchau – digo, levanto-me a procura de um sapato.

- O que? – Lince estava confusa. – Vai mesmo desistir dele?

- Nunca. – balanço a cabeça convicta do meu desejo. – Eu preciso vê-lo. Agora!

- Yey, amiga! Vai lá! – anima-se ao desejar boa sorte.

Desligo e largo o celular para a cama. Calço o par de All Star, o primeiro que vi. Observei a janela e soube que estaria frio lá fora, visto que o céu estava nublado e o dia muito escuro. Não tinha, entretanto, tempo para procurar o guarda-chuva ou um casaco. Deixei passar uma semana, por tanto, um minuto a mais ou a menos faria sim, muita diferença para a reconciliação. Saio do quarto. Deixo a casa sem avisar aos meus pais aonde iria. Ganhando a rua, corro. Os pompons nas alças do capuz saltitam a minha frente. Passo por avenidas e mais avenidas, lojas e mais lojas, cada vez mais rápido. Precisava encontrar Isac o quanto antes. Dizer-lhe o que esse curto período afastada dele me fez perceber: que precisava dele na minha vida, na minha rotina. Ele não podia desaparecer.

Não paro até avistar sua casa.


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Notas finais do capítulo

Obrigada por ler. Até a próxima :)



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