Presas do Amanhã escrita por Araque Writer


Capítulo 2
Capítulo 2 – A noite das meninas


Notas iniciais do capítulo

É, eu sei que disse que postaria um capítulo por semana, mas não me aguentei. -q De agora em diante, tentarei seguir o cronograma certinho. Obrigado a todos pela presença, espero que gostem e boa leitura!



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CAPÍTULO 2
A NOITE DAS MENINAS


Sexta-feira. Nem sinal de Gustavo. Encerrei o expediente no antiquário e fui me arrumar. Fiquei de ir à casa de Lisa para depois irmos juntas ao show do Engenheiros do Hawaii, que ia ter no centro. Éramos adultas, mas, qual é! Não dizem que a vida só começa mesmo depois dos trinta? Ainda tínhamos alguns anos pela frente para sermos imaturas. Podíamos ter ranço de adolescentes e ir ao show das bandas que ouvíamos em nossos MP3, na época do ginásio, sem qualquer restrição.

Pus um modelito preto básico e passei alguma maquiagem, nada muito chamativo. Desci as escadas, me despedi dos meus pais e corri em disparada para encontrar minha amiga. Antes de passar pela porta, meu avô chamou minha atenção:

— Você não vai se encontrar com aquele Presa de Nêmesis, não é, Rosa? — ele me chamava de Rosa desde quando eu era criança, com aquela mesma voz rouca da idade. Aliás, revivendo minhas memórias: era impressão minha ou meu avô sempre foi velho? Credo.

Ele arregalou um dos olhos, me obrigando a cortar aquelas reflexões tão importantes e úteis. Eu me virei e respondi:

— Não, vovô. Já não vejo Gustavo há dias — daquela vez, era verdade. Gustavo estava há semanas sem me dar notícias. Aquele babaca. —Vou sair com Lisa. Por isso, tranque tudo porque voltarei tarde, ?

Senti como se ele quisesse me fazer mais perguntas ou me dizer alguma coisa; aquele papo de "no meu tempo, os jovens não faziam isso" e blá blá blá — meu avô era um pouco ranzinza. Provavemente desistiu após ver minhas costas. Ele acenou em despedida, levemente contrariado, e eu fui embora.

A cidade estava bem movimentada. Afinal de contas, sexta-feira! Muita gente, muito barulho, muita luz piscante, pulsante, cegante, irritante; eu já falei piscante? Muito engarrafamento, também. Eu estava juntando dinheiro para comprar um carro, mas as economias não andavam muito boas, então… o jeito era sofrer no transporte público.

Alguém poderia vir e dizer coisas como: "ah, Rosana! Mas dá no mesmo, Rosana! Você não ia sair do lugar, Rosana! Porque está tudo congestionado, Rosana!"… E eu mandaria essa mesma pessoa ir se foder, porque ela provavemente nunca sentiu o calor satânico que faz no Sudeste. Ah, como um ar-condicionado fazia falta!

Acabei pegando o metrô. Não gostava de pegá-lo àquela hora da noite por ser mais perigoso, mas era mais rápido. E, qual é! Eu namorava um vampiro, cara. Pagaria para ver o rosto do sujeito que tantasse a sorte comigo. Se bem que… A julgar pelos últimos dias, Gustavo não me acudiria. Comprei a passagem, entrei no vagão e não demorou até chegar à estação próxima à casa de Lisa.

Lisa morava num bairro bem residêncial. A diferença era gritante quando em comparação com o meu bairro. Eu conseguia ouvir meus pensamentos! Sem contar que me livrar daquelas luzes todas, meu deus, foi um alívio. E era bem arborizado, também. Andei alguns metros, identifiquei o muro cor-de-tijolo típico, parei em frente à porta e toquei a campainha. Do outro lado, pude ouvir a mãe de Lisa gritar:

— Lisandra, tô vendo minha novela! Atende a porta! — seguido de um "tô indo, mãe!" da parte dela.

Trincas e mais trincas — céus, para que tanta proteção? — e Lisa deu as caras:

— Rosa — é, ela também me chamava assim. —, finalmente! Vamos logo, antes que minha mãe me enlouqueça… Tchau, mãe! — ela berrou e fechou a porta.

Mesmo já bem distantes da casa, ainda dava para ouvir as vozes dos atores vazando de lá.

— Ela realmente assiste a novela, hein — comentei.

Lisa riu. O trajeto até o show foi tranquilo. Pegamos o ônibus, enfrentamos um pouco — bastante — de engarrafamento, e fomos praticamente as últimas na fila de ingresso. Quando entramos, pelo menos foi tudo mil maravilhas. Nos esperava um vocalista lindo e talentoso, letras envolventes, guitarras cantando, plateia vibrando, gente suada me encostando e pisando no meu pé. É. Não foi lá tanta maravilha assim. E, não, eu não era fresca, mas havia acabado de me lembrar de o porquê de eu não ir a shows desde nova: eu odiava shows. Não o show em si, mas o que compunha ele. Tipo pessoas. Principalmente as suadas. E que pisavam no meu pé.

O espetáculo — qual é! Nem todo show podia ser chamado de espetáculo, mas um do Engenheiros do Hawaii não era qualquer show — durou umas duas horas. Saímos um pouco antes, para evitarmos o risco de morrermos pisoteadas por toda aquela aglomeração. Nós não queríamos ir para casa, então resolvemos matar algum tempo num barzinho, em outro bairro. Jogaríamos comida para dentro — eu estava morrendo de fome —, encheríamos a cara — eu queria tanto ficar bêbada —, e, de quebra, faríamos o que há muito não fazíamos: jogaríamos conversa fora.

Entramos no bar e o garçom nos guiou até uma mesa qualquer, no centro do estabelecimento. Nos acomodamos, fizemos nosso pedido — chope, acompanhado de carne seca com aipim —, e Lisa começou a falar. Eu nem prestei atenção em muita coisa. Estava preocupada demais com Gustavo. Claro que Lisa falou, falou e falou por todo o tempo. Nosso pedido foi rapidamente atendido, e eu também precisava dizer alguma coisa com a mesma agilidade, para não deixar o clima chato. Esperei por uma brecha de assunto, e ela veio:

— Adorei o show! Humberto Gessinger é demais, né?

— Sim, ele é incrível — eu respondi, devorando um pedação de carne seca.

"Incrível"? — ela suspendeu a sobrancelha. — Só isso? O que houve com o "genial, formidável, eloquente, lindo, gostoso, tesudo…"? Ih, Rosa! Aconteceu alguma coisa?

— Claro que não! Deixa de ser boba, Lisa.

— Se fosse qualquer outra pessoa, tudo bem. Mas você, que é vidrada no Humberto, falar que ele é só "incrível" não é algo que você normalmente faria. Além do mais, você está toda calada aí.

Maldita percepção feminina.

— Eu já disse que não é nada.

— Eu te conheço há quantos anos para saber quando você está mentindo?

Novamente: maldita percepção feminina. E pior: agora acompanhada de um pouco do que eu chamo de "apelo à chantagem da amizade".

Ok. Aconteceram umas coisas…

! Eu Sabia! Quem é o cara?

Cuspi a cerveja para o lado.

— Oi? Quem disse que eu tô namorando?!

! É assim que se pega um passarinho pela asa! — ?! O que demônios ela quis dizer com aquilo? — Quer dizer então que está namorando?! — neguei com a cabeça da forma mais mentirosa e desajeitada possível. — Rosa! — Lisa me pressionou. Já que eu me entreguei, não tive mais o que esconder.

bom, bom! Eunamorando. Mas… não é bem um cara.

? Começou a se interessar por garotas, agora?

— Não! — gritei e tive a impressão de que todo mundo no bar olhou para mim. Nunca agradeci tanto por ser branca e por não ficar vermelha com facilidade. Quando os olhares se acalmaram e eu recobrei parte da compostura, reafirmei: — Definitivamente, não! É só que… Sei lá, Lisa. Ele não é o tipo de cara normal com quem se acostuma a sair por aí.

Lisa olhou para mim e então gargalhou, como se aquela fosse a melhor piada do mundo.

— Querida, nenhum cara é normal. Um mais louco que o outro. A gente só sai com eles e pronto. Não sei de onde tirou essa ideia — quem gargalhou agora fui eu. Ela prosseguiu: — Mas me fala mais sobre esse cara estranho com quem você anda saindo.

Nunca toquei no assunto "Gustavo" com Lisa. Achei que ela surtaria, então sempre mantive tudo bem escondido. Mas… Ela era minha melhor amiga. E eu já estava com o babaca há anos! Cedo ou tarde ela saberia, não? Talvez eu pudesse lhe contar algumas coisas, omitindo os detalhes óbvios. Resolvi tentar:

— Então. O nome dele é Gustavo. Ele me tira do sério às vezes, sabe? Mas eu gosto dele. É só que… Sei lá, ele é mais incomum do que você pode imaginar e do que eu vou saber te contar.

— E você gosta? Desse lado incomum dele.

— Gosto. Quer dizer… Eu não sei. Foi isso o que me atraiu nele no início, mas agora está tornando as coisas mais complicadas para a gente. Se eu pudesse, eu o mudaria, porque acho que seríamos mais felizes assim. Mas isso não é possível.

— Bem… Você o conheceu assim e mesmo assim se envolveu. Não pode culpá-lo por ser o que é, sendo que você também sabia e o aceitou.

— Eu sei, é só que… Ah, sei lá. Eu gosto mesmo daquele babaca, mas-

"Babaca"?! — Lisa me interrompeu. — Quer dizer então que já estão na fase dos apelidinhos românticos e a senhorita nem me contou?! — ela gargalhou e eu ri junto. Aproveitei para beber um gole do chope.

— É, pois é. Babaca. É assim que geralmente me refiro a ele, mas ele nem liga. Ele sabe que é um babaca — Lisa riu, e eu prossegui: — Eu gosto dele, mas… É o tipo de coisa que… Sei la… é só que-

— Bem — ela me interrompeu outra vez. — Deixe estar e vamos curtir. Essa é ou não é a noite das meninas?!

Não era à toa que Lisa era minha melhor amiga. Ela fazia aquilo tão naturalmente… Eu precisava da compreensão, da sensibilidade dela para seguir a diante nos meus problemas, e ela sempre estava presente. O "deixe estar", o "não toque no assunto", o "não precisa falar, se te incomoda" eram todas expressões curtas, mas, quando ditas por Lisa, ganhavam todo um significado especial. Ela já me ajudou tantas vezes com aquelas palavras, que não deve nem ser capaz de imaginar o quanto. Eu me senti na obrigação de agradecer:

— Lisa. Muito obrigada.

Ela me olhou de um jeito estranho, provavelmente sem entender, e me sorriu. Eu retribuí e continuamos a dar vida à nossa "noite das meninas", enchendo a cara e falando inutilidades. No melhor estilo "Rosana e Lisandra". Afinal, aquele era o nosso momento. Já Gustavo, bem… Esse era assunto para outra ocasião.


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