A parte mais sombria escrita por Branca de Neve da Escuridão


Capítulo 8
Capítulo 8




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Morgana não conseguiu dormir aquela noite. Pelo menos não teria novos pesadelos, embora já vivesse seu próprio pesadelo acordada. Tudo o que estava acontecendo era inacreditável, aqueles dois assassinatos… as coisas pareciam fora de controle. Ela se perguntava se tudo ia dar certo no final, se conseguiria sair dali logo com Peterson, se o culpado seria encontrado.

Quando o detetive Riley a questionara no último interrogatório, Morgana não escondera nada, inclusive desabafara seus piores medos. Contara suas suspeitas em relação ao seu amigo Gregory, do modo insano como ele falava de tudo ao seu redor. Ela até mesmo contou chorando como era perseguida por um serial killer desde a morte de sua família e como tinha certeza de que era o Robert Connor, até descobrir que ele também estava morto.

Talvez ter contado tanta coisa assim ao detetive pudesse trazer problemas, mas ela sentia que podia confiar nele. De algum modo, ele transmitia uma tranquilidade no modo calmo como falava com ela e no jeito gentil que olhava em seus olhos. Além disso, quando segurara suas mãos, fora como se o medo tivesse ido embora por um segundo. Ela quase se sentiu boba por estar tão preocupada com as coisas.

Na manhã seguinte, tudo estava nebuloso. O clima no centro de tratamento era pesado, funcionários e pacientes flutuavam lentamente sobre o chão, como se fossem névoa. Morgana tentou avistar Gregory, como sempre, no refeitório, mas ele não estava lá.

—   Bom dia, Teresa - Morgana falou com a enfermeira mais próxima - Viu o Greg por aí hoje?

—   Morgana, querida, o Gregory foi mandado para a Ala Restrita.

—   O que? Como assim?!

—   Parece que alguém deu um depoimento e ele foi considerado suspeito pelos assassinatos.

Morgana não conseguiu falar mais nada, apenas saiu para o jardim aturdida. O que  ela havia feito com Greg? Seu amigo, um amigo maluco, mas ainda era seu amigo. Será que seus medos haviam passado dos limites? Será que fizera mal a Gregory? Talvez não, a Ala Restrita era como qualquer parte do centro de tratamento, exceto que era um lugar isolado, onde ele ficaria seguro caso não fosse o assassino, e onde ele não poderia fazer mal a ninguém caso fosse.

—   Srta. Stewart?

Ela virou-se abruptamente, assustando-se ao ver o detetive Riley tão próximo. Não esperava vê-lo logo, sua presença foi uma surpresa, mas até que uma surpresa boa.

—   Detetive! O que faz aqui tão cedo? - Morgana pôs a mão sobre a testa, tentando sombrear os olhos por causa da luz do sol.

—   Vim verificar se o suspeito estava mesmo isolado e se o lugar era seguro. O diretor tomou essa precaução. Também vim pegar cópia de alguns registros da clínica, vai ajudar na investigação, sabe?

Morgana assentiu, ainda protegendo-se do sol.

—   Eu nem deveria estar contando essas coisas a você, na verdade - ele deu um risinho tímido.

Morgana ficou em silêncio, apenas retribuiu o sorriso.

—   Eu não quero ser intrometido, espero que não fique chateada, mas enquanto eu tirava cópia dos registros, vi na sua ficha que você terá alta mês que vem.

—   Sim - ela sorriu - Graças aos tratamentos que recebi aqui estou curada e logo poderei viver uma nova vida.

—   Olha, eu acho isso fantástico. Da primeira vez que conversamos tive a impressão que você não era desse lugar mesmo, que era tão saudável que não  havia motivos para continuar aqui.

—   Obrigada - Morgana respondeu tímida, pondo uma mecha do cabelo atrás da orelha.

Ficaram alguns segundos em silêncio, sem saber como continuar aquela conversa. Morgana podia sentir muito bem o olhar do detetive sobre ela, de um jeito que só o Peter podia olhar.

—   O que pretende fazer depois que sair?

—   Não sei - ela sabia muito bem - talvez mudar de cidade, arrumar um emprego, estudar, viver uma vida comum.

—   Pensa em se apaixonar?

Ela levantou os olhos para ele, constrangida demais pela pergunta.

—   Desculpa, desculpa, foi uma pergunta inconveniente.

—   Tudo bem, não precisa se desculpar - ela fez uma pausa - Acredito que se apaixonar não é algo que se planeja, isso acontece quando menos esperamos. Mas respondendo sua pergunta… é, eu penso em me apaixonar, casar, ter filhos… O normal.

—   Claro, claro. Você merece ter toda normalidade de uma vida. Ainda mais depois desses últimos dias.

—   É .

Os dois permaneceram olhando um para o outro: ela, esperando que ele dissesse mais alguma coisa, e ele, apenas tentando entender como alguém como Morgana fora parar naquele lugar, apesar de já ter lido seu registro e saber exatamente como. Morgana não sabia porque estava sentindo seu coração acelerar, talvez porque os olhos de Riley fossem muito azuis.

Ele estendeu um pedaço de papel para Morgana.

—   Se precisar de um amigo normal quando sair daqui, pode me ligar. Esse é meu contato particular.

Morgana apanhou o papel, mas encarou o detetive por um momento tentando decifrá-lo. Aquilo parecia um flerte? Ou era somente um gesto amigável? Ela não saberia dizer mais. A última vez que lidou com um cara bacana assim antes fora no ensino médio, e ele só queria levá-la para cama. E teve o Peter também, mas os dois se conheceram em circunstâncias peculiares e nesse caso, foi ela quem deu a iniciativa, quando percebeu que estava apaixonada por ele.

—   Só para amigos? - ela perguntou com um sorriso divertido.

—   Só para quem eu gosto - ele respondeu com uma piscadela.

Quando Morgana estava prestes a colocar uma mecha do seu cabelo atrás da orelha, o detetive Riley estendeu sua mão, alcançou seu cabelo e fez esse favor para ela de um modo tão delicado, tão doce, tão gentil, que Morgana sentiu os pelos dos seus braços se eriçarem e uma corrente elétrica percorrer sua medula espinhal.

Ela abriu a boca para falar, mas voltou a fechá-la sem nada para dizer.  O que aquele homem estava fazendo com ela? Seu coração era de Peter, somente dele.

—   Essa é minha deixa. Nos vemos em breve, Morgana.

O detetive sorriu, virou as costas e foi embora, deixando uma Morgana estarrecida no gramado do jardim. O coração a mil por hora, e o rosto quente, como se subisse um fogo ardente pela garganta.

Do outro lado do jardim, pela janela empoeirada da sala de medicamentos, Peterson a observava com um charuto queimando na mão. Do alto, a sala ficava no terceiro andar, ele conseguia ver o tal do detetive bonitão saindo pela guarita com seu carro e tomando a longa estrada de cascalhos.

A ponta do charuto queimou mais um pouco enquanto Peterson soltava baforadas de fumaça em direção a Morgana. A loira deslumbrante parecia tão fora de contexto ao lado do prédio desbotado do centro de tratamento, quanto um peixe em Marte. Era estranho pensar que, olhando para aquele corpo, conhecia cada parte dele, cada marca de nascença, cada cicatriz.

O psiquiatra virou-se para a estante de medicamentos e pegou um frasco escuro de vidro, tirou a etiqueta e guardou no bolso do jaleco. Peterson deu uma última olhada para o jardim, Morgana já havia desaparecido. Então, apagou seu charuto e saiu da sala, estava na hora de preparar sua sessão diária com a paciente Morgana Stewart.


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