You make me feel wrong escrita por Lyssia


Capítulo 7
Sun Skip


Notas iniciais do capítulo

A música que dá título ao capítulo é de Lindsey Stirling. É uma música instrumental (dubstep no violino, eu acho~), na verdade, mas eu tenho a mesma sensação ouvindo ela que de quando eu tava escrevendo esse capítulo, então...



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O ar que escapava por entre seus lábios formava nuvenzinhas brancas que sumiam e desapareciam em frente de seu rosto em uma cadência calma. Seu corpo estremecia de leve toda vez que um vento mais forte o assolava, embora estivesse bem protegido debaixo de suas roupas quentes de inverno. A neve caia dos céus de uma forma lenta, ondulando levemente com os poucos ventos e enchendo a rua com o branco puro que logo acabaria corrompido por poeira e lama.

Era um fim de tarde frio de 23 de dezembro, e as ruas estavam cheias ao redor da rodoviária em que ele esperava que sua avó finalmente descesse do ônibus, embora o clima estivesse longe de estar ameno. Ele não parava de receber mensagens de Niall, que insistia em chamá-lo para uma festa qualquer em um lugar com ótimo aquecedor e piscina térmica, à qual ele teria adorado ir, mas entre buscar os avós na rodoviária e seu ficante ocasional, nunca o escolheria.

Seus pais, ao seu lado, permaneciam a maior parte do tempo em silêncio, vez ou outra comentando algo um com o outro, mas nunca se dirigindo diretamente a ele, por isso pôs seus headphones no ouvido, por sobre a touca, por mais que sempre ficasse com a irritante sensação de que eles escorreriam a qualquer momento quando o fazia, pois não havia possibilidade de deixar a cabeça destampada com aquele tempo.

Mesmo assim, foi o primeiro a ver a avó descendo de um dos ônibus, estendendo a mão para ajudar o avô que vinha de muletas, pois quebrara a perna novamente ao ir pescar com os amigos pouco antes de começar a temporada de neve. Levantou-se rapidamente, pausando a música e indo até lá correndo, escorregando de leve em algum ponto, mas não parando até chegar à senhora, que já abria os braços para ele, oferecendo um abraço que ele nem hesitou em aceitar.

— Senti tanto a sua falta, vó... — sussurrou, enquanto a apertava contra seu corpo, até soltá-la e ela sorrir, abaixando os headphones e ajeitando sua touca e seus cabelos.

— Eu também, Santini, eu também... — ela sussurrou, puxando-o para outro abraço apertado, porém mais breve. — Como tem estado?

— Bem, bem. E vocês? — respondeu, abrindo um sorriso largo e então partindo para abraçar o avô, que soltou uma das muletas para lhe dar tapinhas nas costas.

— Não posso nem abraçar meu neto direito por causa dessas porcarias. — ele se queixou, irritado.

— Não tem problema, não, vô. — garantiu, sem nunca deixar de sorrir.

— Eu te falei pra não ir, não falei? Disse que as pedras deviam estar muito úmidas por causa da geada.

— Você sempre diz esse tipo de coisa quando eu saio pra pescar, mulher! Como é que eu vou saber quando é pra te ouvir?!

— Devia me ouvir sempre! Não sei nem pra que diabos você vai se nunca trás peixe nenhum pra casa!

— Que mentira! — ele retrucou, cheio de indignação, e se virou para Santini, que apenas os observava prendendo o riso. — Sempre pego um monte de—

Pega nada! — ela contradisse antes que ele pudesse terminar. — Só trás umas fotos bonitas, mesmo!

— Eu peguei aquele peixão imenso que a gente dividiu e deu pra dois dias, não peguei?!

Aquilo? Aposto que foi comprado.

— Não foi nada! Você tem ideia de quanto custaria um peixe daquele tamanho, mulher?!

— Oh, é verdade: foi caro, vou fingir que acredito pra não ser desperdício total.

— Sua bruxa de...

— Dona Lea, seu Albert. — seu pai cumprimentou, chegando bem a tempo de interrompê-los, com um sorriso nos lábios que Santini não tinha certeza do quão verdadeiro era. — Querem que eu carregue as malas de vocês? — ele perguntou, e sua avó imediatamente virou-se para olhá-lo, abrindo um pequeno sorriso agradecido.

— Seria bom, obrigada. — ela respondeu, em um tom aveludado, e seu pai imediatamente se deslocou para onde algumas pessoas esperavam que o motorista retirasse suas malas, na lateral do ônibus.

— Eu vou ajudar. — Santini apressou-se em dizer, correndo até lá e parando ao lado do pai. — Ah, aquela é dela. — indicou assim que pararam de andar, apontando para a mala que já estava no chão, e o pai foi até lá, segurando-a com uma das mãos.

— Isso parece chumbo. — ele comentou, olhando para a bagagem com estranhamento. O adolescente riu, dando de ombros.

— Fazer o que, né? — brincou, se aproximando mais de uma outra mala recém-posta para fora. — Acho que é dela também... — murmurou, virando a cabeça para encontrar a avó, que continuava o observando, embora o marido estivesse falando com sua mãe, e apontar a bagagem, vendo-a estreitar os olhos para tentar enxergar antes de assentir e fazer um sinal com a mão o chamando. Ele tornou ao pai, abrindo um sorriso para ele. — Vamos, acho que já foi.

O homem apenas assentiu, erguendo a mala com algo de dificuldade para colocá-la sobre o ombro e começando a andar, com o filho logo ao lado.

~o~

A casa estava agradavelmente morna, com o cheiro do ganso recheado e dos bolinhos de batata pairando no ar, e não havia nada mais maravilho que estar sentado no tapete da sala, com as cortinas que normalmente cobriam a porta dupla de vidro da sala afastas e deixando visível a neve despencando do céu noturno, um copo de refrigerante na mão, enquanto ouvia a avó rir e lhe contar as coisas que vinha fazendo, os cursos de pintura e crochê, as aulas de yoga e o trabalho voluntário, pois ela não conseguiria simplesmente passar todo o dia trancada em casa, o que ele realmente conseguia entender.

E é claro que já havia ouvido tudo aquilo, mas quem se importa, sinceramente? Conversas ao telefone nunca se equiparavam às pessoalmente. Não sabia como era suposto que não puxasse o assunto quando estava de frente para aquela que era o seu lar, com seu rosto enrugado, olhos azuis iguais aos seus e cabelos pintados de castanho-claro; a “cereja do bolo de sua vida”, como havia escrito em um cartão de aniversário que entregou a ela meses atrasado, mas tirou fotos e enviou por e-mail no dia certo, quando tinha lá para seus sete ou oito anos.

O mágico da coisa é que ela ainda tinha o cartão.

Isso sempre seria incrivelmente reconfortante, por mais que não pudesse explicar exatamente por que.

— E Daniel e Sarosh? — ela questionou após algum tempo, assim que terminaram de rir de um pequeno acidente que uma mulher havia sofrido com os potinhos de tinta, na aula de pintura. — Como estão?

— Ah, você conhece o Danny. — ele respondeu, dando de ombros e tomando um gole do refrigerante antes de continuar. — Está por aí com total ausência de raiva e cheio de vontade de fazer as pessoas ao redor dele feliz. — ela sorriu de um jeito suave, com os olhos mergulhados em nostalgia.

— Daniel é um ótimo garoto, é verdade... — sussurrou com certo carinho. — Tenho algo para ele, por sinal. Um enfeite de dragão que eu acho que ele vai gostar.

— Ah, ele vai, provavelmente. — então encolheu os ombros, arrastando os dentes pelos lábios bem de leve. — Mas ele viajou ontem de noite pra Bélgica com a mãe dele e a Amorinha e só vai voltar no dia primeiro, porque vai passar o Natal e o Ano Novo com um tio dele.

— Oh... bem, eu ainda devo estar aqui pelo dia primeiro, então acho que ainda vai dar tempo de vê-lo. — ele sorriu largamente, assentindo. Daniel certamente adoraria isso. — E Sarosh?

— Hmmm... — ele resmungou, pensativo. Falara pouco com o amigo, assim como com Shey, desde que o calendário de provas fora divulgado, com ambos passando os horários de almoço na biblioteca e querendo ir para casa o mais rápido possível. No último dia de aula eles tinham olheiras e pareciam exausto, mas as notas estavam ridiculamente altas, como era de se esperar. Ele não conseguia evitar que sua alma se dividisse entre orgulho e preocupação para com aqueles dois, sinceramente. — Andou meio ocupado e provavelmente dormiu o dia inteiro hoje pra compensar o desespero das provas, — ela riu, balançando a cabeça. — mas está bem, eu acho.

— E aquela menina loirinha e o garoto que você mencionou ao telefone?

— A Helena está empolgada como de costume e... você quer dizer o Shey?

— Hmm... é, sim, este mesmo.

— Ah... ele está bem... eu acho. — franziu um pouco o cenho, suspirando e abrindo um sorriso em seguida. — Parece o Sarosh durante as provas, se você quer saber. Completamente workaholic, ou seja lá qual for a variante estudantil disso.

— Você ao menos estudou para as suas provas, Santini? — ela perguntou repentinamente, arqueando uma sobrancelha em sua direção, e ele sorriu de lado, encolhendo os ombros.

— Eu li os questionários de revisão e assisti Danny entrar em pânico. — respondeu, vendo-a revirar os olhos. — Sou um professor incrível.

— Oh, claro, perceptível.

— Mas ele conseguiu a média em tudo, em minha defesa. Provavelmente porque dormiu na casa do Sarosh durante a semana de provas. Mas conseguiu.

— E você?

— Acho que o menor foi um C-? Algo assim. Eu... meio que esqueci, pra ser sincero. — ela negou com a cabeça, embora parecesse um pouco divertida.

— A atenção continua difícil de manter? — questionou, parecendo um pouco mais séria, quase preocupada, e então tomou mais um gole de seu suco de pêssego, sem deixar de observá-lo.

— Hn, ah, sim. — franziu o cenho, desviando o olhar. — Mas é só na aula, mesmo. Eu consigo me concentrar quando estou sozinho. Ficar com um C- é completamente minha culpa.

— Bem, pelo menos não é um F.

— Ou um D.

— Pois é.

— Eu devia estudar mais, não é? — ela fez uma pausa, soltando um longo suspiro em seguida.

— Só faça o seu melhor, Santie. De qualquer forma, você está na média, certo? Não está bom?

— Eu tenho uma boa noção que faria melhor se me esforçasse um pouco mais...

— Ah, bem... — ela sorriu, arqueando uma sobrancelha para ele. — Então se esforce? — ele assentiu, terminando o refrigerante e encolhendo os ombros em seguida, erguendo as palmas para o alto, com os cotovelos flexionados.

— Eu tenho dois A+, seja como for.

— Matemática?

— Sim. E Física. — cantarolou em reposta, ouvindo-a rir novamente.

— E o seu C- foi em que? Filosofia? — sugeriu, em um tom divertido, e ele abaixo as mãos, olhando-a com uma expressão conformada.

— Redação.

— Ah Céus. — ela resmungou, caindo em risadas, e ele revirou os olhos, embora não estivesse minimamente irritado. — Como isso é possível? Você fala demais! O que é escrever umas linhas, para você?

— Esse é o ponto. — retrucou, cruzando os braços, com o meio sorriso ainda nos lábios. — Me perdi no assunto.

— Você sequer revisou o que escreveu?

— Parecia completamente coerente. Em pensar que a professora até pôs pontos de interrogação na folha. Isso é tão cruel.

Ela continuou rindo, negando com a cabeça, até o som da porta do banheiro se abrindo ser ouvido e eles se virarem para ver o avô sair de lá após o banho, já com as roupas que escolhera para passar o Natal no corpo e apoiando-se nas muletas para ir até a sala, sentando-se ao sofá e soltando resmungos sobre o quanto queria se ver livre da bota imobilizadora. Santini se levantou do tapete e sentou-se ao lado dele, perguntando a localização exata da fratura e quanto tempo demoraria para que pudesse andar normalmente, compreendendo a agonia do avô, já que tivera sua dose de gessos e botas imobilizadoras quando criança.

Seus pais logo surgiram pelo corredor, o pai com uma simples camisa com mangas e calça jeans e a mãe usando um vestido azul com o qual jamais poderia ir à rua com aquele tempo, pois ia até os joelhos e não tinha sequer meia mangas, com uma maquiagem bastante suave realçando os olhos do mesmo azul que da mãe e do filho, com o rosto do qual Santini herdara a grande maioria de seus traços formando uma expressão de leve indiferença.

Eles apenas se sentaram em cantos separados após um cumprimento rápido e Santini pôs-se a abrir nozes com o velho quebra-nozes de Papai Noel, às quais dividia com a avó e com o avô enquanto contava a eles sobre coisas desimportantes aleatórias e ouvia o avô dividir com ele pequenos causos de sua adolescência e do início do namoro com aquela que viria a ser sua esposa por anos e anos, até o despertador tocar anunciando meia-noite e eles fazerem uma breve prece silenciosa antes de se levantar e começar a trocar cumprimentos.

Seu avô deu tapinhas em suas costas com um pouco mais de força que na rodoviária, quando se afastaram, e a avó sussurrou “Feliz Natal, Santini” em seu ouvido, o que ele tratou de retribuir, e ao se separarem o olhou por um instante e ajeitou suas roupas antes de seguir para o próximo. Ele se aproximou um pouco mais da mesa e consequentemente do pai, um pouco incerto, e foi puxado para um abraço por ele assim que sua avó o soltou e exclamou um “Oh, Anette, minha filha”, indo na direção dela.

Ele olhou ao redor quando o pai o largou, com um sorriso, e viu seu celular tocando sobre a bancada, indo até lá buscá-lo, lançando uma breve olhadela para a mãe, que já começava a servir o vinho e não se virou para procurar por ele por um mísero segundo, apenas para confirmar de que não era suposto que fosse até ela.

Respirou fundo, mordiscando o lábio antes de exclamar um “Já volto”, atender o celular e pôr um casaco, abrindo a porta enquanto cumprimentava Sarosh e lhe desejava feliz Natal, indo até a varanda para continuar com a conversa breve que logo foi interrompida pela mãe do ruivinho, e tratando de gravar uma mensagem de voz para Helena, e depois para Daniel, na qual fez questão de citar Tia Jay e Amorinha, uma escrita para um trio de colegas de sala, e então uma longa (e cheia de “o/” e “~”) SMS para Shey, pois ele não tinha Whatsapp.

Voltou para dentro de casa assim que terminou, satisfeito e trêmulo de frio, abrindo e fechando a porta o mais rápido possível e desfazendo-se do casaco, suspirando alegremente para a temperatura do interior da casa e deixando o celular novamente sobre a bancada. Sua avó lhe indicou um prato já posto e uma taça com apenas dois dedos de vinho, sobre a mesa, perto do ganso recheado, e ele sorriu antes de se sentar para começar a comer junto com todos, agradecendo a ela e preparando a primeira garfada sem protestos pela quantidade um pouco exagerada de ganso no prato, pois avós adoravam mimar seus netinhos, e ele não era louco de reclamar.

~o~

 

Havia sons de riso e gritinhos divertidos de criança por todo o parque, e a neve finalmente havia dado uma trégua, após cair quase incessante de 23 de dezembro a 3 de janeiro, mas as praças e os jardins seguiam cobertos de branco por todo lado, e as crianças estavam mais que felizes em aproveitar o clima para transformar mais um dia em aventura, e é claro que Santini não perdeu tempo em convidar-se para ir brincar com Amorinha e aquela menininha Namie, que era vizinha dela, assim que Daniel comentou no Whatsapp que estava indo.

Não é como se houvesse algum mal nisso, certo? Ele e as meninas haviam conseguido construir um boneco de neve depois de algum esforço, e Daniel até mesmo trouxera cenouras, botões e um cachecol velho e tiraram fotos com o dito boneco para mostrar para Tia Jay, e então Daniel fez coelhinhos (dos quais também tiraram fotos, como era de se esperar) com orelhinhas de folhas, e então... então...

Bem, é claro que virou guerra.

Ele tomou cinco segundos para dizer a si mesmo que não era mais criança e que, por favor, ele tinha um amante, saíra com um número mediano de garotos (e algumas garotas), ia a festas cheias de bebida e tinha de recusar drogas ocasionalmente. Daniel estava apenas sentado no banco rindo delas, por favor. Bem, no sexto segundo ele havia terminado de formar sua bola de neve e a jogou contra o topo da cabeça de Amorinha.

Durou apenas quinze minutos, e ele não tinha certeza de quem estava ganhando, mas as menininhas haviam decidido se unir contra ele, e estava, por algum motivo, soltando sons de monstro que as fazia gritar e rir divertidas toda vez que as atacada. Então Daniel se levantou e começou a abanar as mãos para chamar a atenção deles, mostrando as palmas em rendição quando o olharam ainda com suas “armas” em mãos.

— Já ficamos muito tempo na neve. — ele disse, com um tom de lamento. — Vocês estão ficando azuis. Vamos pra casa, ok? — as menininhas resmungaram, mas imediatamente soltaram as bolas de neve que ainda estavam formando e bateram as mãos enluvadas. — E eu vou fazer chocolate quente pra gente, e vai ficar muito bom. — ele acrescentou, fazendo-as parecerem um pouco mais animadas, indo até elas e abaixando-se para arrumar seus casacos e toucas e enrolando os cachecóis que carregava nos braços até então, o de Amorinha lilás com gatinhos roxos e o de Namie rosa bebê com ondinhas rosa-choque.

— Eu posso ir também? — questionou, em um tom zombeteiro, e o amigo riu enquanto se levantava, jogando o último casaco em seu braço, o azul-marinho de lã, para o outro, que imediatamente o enrolou no pescoço, logo antes de ter os ombros envoltos em um meio abraço e ser empurrado para começar a andar, seguindo pelo mesmo caminho que os outros com uma risada contente.

— Obrigado por vir me ajudar a cuidar delas, eu acho. — Daniel soltou, em um tom suave, e o de olhos azuis deixou escapar uma risada nasal, olhando para as meninas que iam à frente, conversando sobre suas escolas e suas “tias” e coleguinhas de classe.

— Não é incrível como eu estou me tornando um adulto responsável? — Daniel encolheu os ombros, ainda com uma expressão bem-humorada.

— Você até que está, do seu jeito. — ele negou com a cabeça, rindo de leve e então encarando o amigo com uma sobrancelha arqueada.

— Você está só sendo gentil.

— Não estou, não. E por sinal você me ajudou mesmo a tomar conta das meninas, porque se não estivesse aqui pra manter elas ocupada talvez eu estivesse tendo que tirar elas de alguma fonte congelada, ou qualquer coisa assim.

— Ah, vamos lá! — ele pediu, batendo com o ombro na lateral do corpo de Daniel de forma fraca. — Isso não ia rolar, as meninas te respeitam. É assim que eu sei que você estava sendo gentil, viu? — Daniel bufou baixinho e deixou os ombros caírem, fazendo uma expressão insatisfeita.

— Você é muito chato. — ele resmungou. — E eu nem te vejo como imaturo, de verdade. — Santini dignou-se a rir, assentindo e então, enquanto o amigo tornava a fitar as meninas, olhou ao redor em busca de perigo iminente, congelando por um segundo, abrindo um sorriso largo em seguida.

— Shey. — avisou a Daniel, ouvindo-o soltar um som de desentendimento antes de começar a correr na direção do loiro de cabelos encaracolados e roupas escuras sentado em um banquinho, com ar entediado. — Sheeeey! — gritou, agitando uma mão no ar, e os olhos negros logo se ergueram para fitá-lo, com a expressão confusa do garoto adquirindo um tom suave de rosa por um segundo.

Santini parou bem a frente dele, com a respiração um pouco alterada por ter brincado com as meninas e baixando a mão gradativamente, para então sentir-se repentinamente inseguro e dar alguns passos para trás, sentindo as orelhas arderem um pouco, embora até poucos segundos atrás estivessem bem geladas, e abrindo um sorriso sem graça enquanto o outro garoto o fitava. Caso fosse Sarosh, Daniel, Helena ou até mesmo Niall, ele não teria dúvidas e saltaria para um abraço apertado e um “Feliz Ano Novo!” atrasado, mas era Shey, e ele não tinha certeza se podia tomar esse tipo de liberdade com o loiro.

— Oi. — soltou, notando que posicionara as mãos inconscientemente em frente ao tronco e abaixando-as, colocando-as para trás do corpo.

— Oi... — o loiro respondeu, parecendo um pouco duvidoso, e Santini virou para trás, vendo Daniel ir até eles, junto com as meninas, com passos tranquilos, se virando novamente um pouco mais aliviado.

Uma mulher com luzes no cabelo castanho-claro e que devia ter lá para seus quarenta anos levantou-se de onde estava a montar um boneco de neve com um garotinho de cabelos loiro-claros e todo vestido de azul e foi até ele, com um sorriso curioso no rosto.

— Oi! — Santini exclamou, acenando para ela. — É sua mãe, Shey? E eu não sabia que você tinha um irmão mais novo.

— Minha madrasta. — ele respondeu, em um tom cansado, e fungou, desviando o olhar. — E é meio-irmão.

Ops. Bem, acontece.

— Ele veio passar o ano novo na nossa casa. — a mulher explicou, em um tom simpático. — Melanie. — ela se apresentou, estendendo a mão, e ele imediatamente a apertou com a dele, sorrindo.

— Santini. Prazer em te conhecer. — um súbito som de neve caindo fez a mulher se virar e o moreno virar um pouco a cabeça para ver o que havia acontecido, encontrando o garotinho de azul de pé, encarando com frustração uma pilha de neve que antes estava formando um boneco.

— Nick, por que você fez isso? — ela perguntou, em um tom um pouco irritado, e ele levantou os olhos, parecendo sinceramente indignado.

— Foi sem querer, mãe. — Melanie suspirou, tornando a se virar para Santini e reabrindo a expressão amigável.

— Shey nunca apresentou um amigo dele pra mim e pro meu marido — ela comentou, parecendo um pouco empolgada. — e eu gosto de finalmente ver um. Principalmente porque você parece um bom garoto. — ele viu o garotinho, Nick, começar a formar uma bola de neve às costas da mãe, erguendo o braço e parecendo mirar em Shey, que encarou de volta, estreitando os olhos com um olhar demoníaco que fez o irmãozinho engolir em seco e abrir a mão para deixar a neve cair por entre os dedos.

— Ah... obrigado... — soltou, um pouco incerto, tentando voltar a prestar atenção na mulher, em prol da boa educação.

— Hey, Shey. — ele ouviu a voz do amigo atrás de si, contendo um suspiro aliviado e virando para vê-lo sorrir para o garoto ainda sentado no banco.

— Hm... oi...

— Quer ir lá em casa com a gente? Vamos assistir Frozen, tomar chocolate quente e comer biscoitos.

— Você disse biscoitos? — Santini questionou, subitamente empolgado mais uma vez.

— Claro. — o mais alto respondeu, e então se virou novamente pra o loiro. — E depois vamos obrigar o Santini a cantar Let It Go.

— Espera, o que?

— É sempre engraçado, cara. — ele garantiu, com uma voz risonha, como se não houvesse o escutado. — Quer vir? — Shey hesitou por um segundo, encolhendo um pouco os ombros e lançando uma breve olhadela à madrasta, que o observava com suavidade.

— Pode ir, é claro. — ela respondeu, embora ele não houvesse pronunciado nada. — Só volte para o jantar, tudo bem?

— Certo... — ele resmungou, se levantando, parecendo um pouco sem jeito com a situação, e esperando Santini se despedir e Daniel cumprimentar brevemente a madrasta e o irmãozinho do loiro, antes de soltar algo para a mulher em um tom baixo que não permitiu que ninguém mais entendesse o que era e começar a seguir os outros dois adolescentes sem olhar novamente para Nick.

 

 

~o~

Ele não sabia exatamente como acabara dormindo no início do filme, pois na verdade gostava de Frozen, mas talvez, para alguém como ele, que era capaz de cair adormecido em qualquer lugar minimamente confortável em menos de cinco minutos, estar naquele sofá daquela casa já com uma temperatura agradável, enrolado em cobertas e após tomar chocolate quente, com aquele cheirinho dos biscoitos recém-assados da Tia Jay pairando no ar, fosse paz demais.

O pondo é que quando acordou, o filme já havia acabado e a televisão mostrava dois personagens de Mortal Kombat ensanguentados e tentando se matar, podia ouvir Daniel rir e passar instruções de botões de comando para alguém, e estava deitado no sofá, com a cabeça apoiada no braço deste, as pernas encolhidas, quase pressionadas contra seu peito, e um biscoito mordido ainda seguro em uma das mãos.

Uma imagem muito digna de respeito, indubitavelmente.

Sentou-se enquanto Sub-Zero executava um agressivo Fatality e Daniel ria mais, parecendo muito mais divertido que vitorioso, e terminou de comer o biscoito, tendo plena noção que estava com os cabelos mais desgrenhados que o normal e a cara amassada, com os outros dois garotos, o seu amigo de longa data, que parecia completamente natural ao seu cochilo súbito, e Shey, que arqueou muito discretamente uma sobrancelha em sua direção, se virando para olhá-lo.

— Shey é uma falha completa em jogos, eu juro. — Daniel comentou, risonho. — E o pior é que eu tô pegando leve! Tipo, muito leve! — o loiro abaixou o olhar para o controle em suas mãos, soltando um resmungo um pouco longo que fez Santini ter de prender uma risada, pois ainda estava terminando de mastigar. — Aliás, tem baba na sua cara, Santie.

O de olhos azuis levou uma das mãos à bochecha que estava apoiada no sofá até então, corando de leve e assentindo, imediatamente se levantando para ir até o banheiro lavar o rosto. Os outros dois haviam iniciado uma nova partida, quando voltou à sala, e ele podia facilmente reconhecer o personagem de Daniel, que defendia e rolava, raramente atacando, pois o de Shey pulava todo o tempo, atacando erroneamente e de forma estranha, sob os comandos desastrados de seu “mestre”, que apertava os botões e fitava a tela com o cenho franzido.

— Eu dormi muito? — questionou, pulando para cima do sofá novamente e se enrolando alegremente nas cobertas.

— Umas duas horas, por aí. — Daniel respondeu, sem olhá-lo. — Shey ainda não tinha visto Frozen. Ele ficou surpreso que não terminou com “beijo de amor verdadeiro” e essas coisas. Né, Shey?

— Uhum... — loiro resmungou, ainda concentrado.

— E eu tô surpreso que ele ainda não tinha visto Frozen. Tipo, como assim? — questionou, arqueando as sobrancelhas para a nuca do loiro, que era o mais próximo de seu rosto que conseguia ver.

— Ah... — ele soltou, como se fosse começar a explicar, e então teve um sobressalto, enquanto seu personagem executava uma ação especial. — Ah!

— É, boa! — Daniel concordou, como se o outro houvesse dito uma frase real. — Você lembra como fez? — o loiro negou com a cabeça de forma enfática, fazendo os cachos balançarem um pouco.

— E agora? — o loiro perguntou, voltando-se para Daniel com dúvida no rosto, e o mais alto sorriu, encolhendo os ombros.

— Ah, agora já era, né. — ele respondeu, sorrindo quase que com compaixão. — Mas foi boa, do mesmo jeito. — Shey assentiu, voltando-se para o jogo com sua típica expressão séria, o que levou um sorriso leve e involuntário aos lábios de Santini, e eles voltaram a lutar.

— Você sabe, — ele sussurrou, deitando-se no sofá, com a cabeça próxima da de Shey, quando Daniel ganhou uma vez mais. — devíamos fazer uma maratona desses últimos filmes de animação. Tipo, Como Treinar o Seu Dragão, Valente, Rapunzel, a Origem dos Guardiões... Spirit...

— Spirit não é recente. — Daniel soltou, arqueando uma sobrancelha na direção dele.

— Shhhh. É sim. Que coisa. — retrucou, revirando os olhos, embora o amigo provavelmente não pudesse ver. — Ah, aliás, podíamos ir juntos ao cinema ver Big Hero 6, Shey! — exclamou, animado, e percebeu os ombros do loiro se tornarem repentinamente tensos, franzindo um pouco o cenho e então virando para observar Daniel, que arqueara uma das sobrancelhas em sua direção. Ops. — Com, hum, o Danny e o Sash e a Helena e todo mundo, e tal! — apressou-se em completar, vendo o loiro relaxar um pouco a postura e arregalando os olhos para Daniel, que apenas prendeu uma risada e se voltou para frente.

Os dois continuaram jogando por tempo suficiente para ele começar a balançar a perna esquerda que apoiou no braço do sofá, deixando-a um pouco flexionada, e quase dormir novamente enquanto olhava para o teto, com mil coisas na cabeça e não pensando exatamente sobre nenhuma delas. Então Shey se levantou repentinamente, resmungando algo sobre o horário e precisar ir para casa, e ele soava um pouco ansioso, o que acabou fazendo Santini se sentar no sofá, olhando-o com o cenho franzido.

— Você quer que eu te leve? — questionou assim que o outro terminou de resmungar sua explicação, vendo-o hesitar um pouco e abaixar a cabeça de leve, negando logo em seguida. — Tem certeza?

— Tenho, obrigado. — sussurrou, dando alguns passos para trás e soltando algo incompreensível que soou como uma despedida.

— Tchau, Shey! — Daniel exclamou, e Santini tratou de imitá-lo, antes que o loiro sumisse pelo corredor, e eles ouviram a porta abrindo e fechando após um tempo. — Entãao... — o mais alto começou, largando o controle no tapete e arqueando uma sobrancelha na direção do amigo. — Como começou o seu caso com o Niall, mesmo?

— Eu estava bêbado e triste em uma festa que entrei de penetra e não lembro de quase merda nenhuma, mas acordei na casa dele. — respondeu, em um tom cansado, apoiando o antebraço na testa e fitando o teto. Daniel assobiou, soltando uma breve risada em seguida.

— Você é esse tipo de bêbado, ok.

— Hey, você tem um problema com isso, coleguinha?

— Tenho um problema com a possibilidade de um dos meus melhores amigos ser assassinado por um serial killer, usado em um ritual satânico ou perder um órgão pro pessoal do mercado negro, mas fora isso, nada não. — Santini se contorceu involuntariamente, tampando os olhos com os braços, sentindo-se arrepiar-se diante da perspectiva. — Você realmente fica nervoso com essas coisas meio difíceis de rolar, né?

— Eu nunca mais vou ficar bêbado na minha vida. — ele resmungou, irrequieto, mordicando o lábio inferior, e Daniel riu de leve, batendo em seu joelho como que de forma compreensiva. — Mas... mas por que diabos você perguntou isso do nada? — questionou, tentando tirar a cabeça do assunto, e o outro soltou uma breve risada de deboche antes de responder.

— Estava vendo se você começa sempre do mesmo jeito com os seus ficantes.

— Hn?

— Isso é um pouco tenso, porque Shey não parece gay, você sabe.

— Ah, que merda! — exclamou, se sentando subitamente e retirando a mão do rosto. — Do que você tá falando?!

— De você chamando ele pra um encontro e depois tentando concertar a merda, é claro!

— Eu não fiz isso! Foi completamente acidental!

— A parte suspeita não foi nem chamar, sabe?

— Cara, eu sinceramente não estava nem—

— Porque eu tava só pensando “Como assim o Santie vai deixar todo mundo de fora?”, mas aí você fez questão de corrigir desesperadamente e alguma coisa fez clique na minha cabeça sobre o porque de você não ter simplesmente pulado nele como faz com praticamente todo mundo, e tal.

— Você tá brincando, né? — questionou, franzindo um pouco as sobrancelhas e tornando a enterrar os dentes no lábio, e Daniel riu, dando de ombros.

— Mais ou menos, é.

Ele voltou a deitar, olhando o teto novamente e torcendo os lábios para o nada, um pouco perdido em pensamentos.

— Eu gosto do cabelo, de qualquer forma. — soltou, em um tom estranhamente pensativo, e a sala ficou em silêncio por alguns segundos antes dele literalmente ouvir Daniel se virando, provavelmente para olhá-lo.

— Isso não soa muito saudável, porque o Shey não me parece gay, Santie. — ele comentou, cheio de hesitação, e Santini abriu um meio sorriso.

— Eu não acho que eu goste dele, nem nada. — retrucou, e não sentia como se estivesse mentindo, o que lhe dava um pouco de alívio. — O cabelo é legal, só isso.

— Você vai me dizer caso sinta que isso vai acabar dando merda, não vai?

— Claro, Danny.

O mais alto suspirou, voltando a fitar a TV e dando o comando para que a bandeja do Xbox se abrisse. Santini espreguiçou-se confortavelmente, sentindo que poderia passar o resto de sua vida jogado naquele sofá, e sua mente estava vagando por entre molas e os movimentos que elas executavam, com as onomatopeias que os desenhos animados e os quadrinhos costumam escolher para elas se repetindo em sua cabeça seguidas vezes, antes que caísse no sono novamente.


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Notas finais do capítulo

Oi.
Esse demorou um pouco, eu acho. Foi mal.
Eu não sou muito boa nesses capítulos "temáticos", com Natal, Ano Novo ou coisas do tipo, por isso não sei bem o que pensar desse aqui.
Espero que esteja bom.



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