You make me feel wrong escrita por Lyssia


Capítulo 5
Cough Syrup


Notas iniciais do capítulo

A música do título é de Young the Giant e eu juro que tentei não usar ela aqui, mas.... bem -q



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A água quente que deixava a ducha batia contra sua nuca e sua cabeça, escorrendo por todo o restante do corpo, grudando os cabelos negros no rosto e enchendo seus cílios com as gotículas que respingavam. Ele mantinha os olhos azuis fechados, respirando tranquilamente, inspirando pelo nariz e expirando pela boca, deixando a música alta que vinha da sala inundar seus ouvidos e inebriar seus pensamentos, fazendo-o sorrir de leve.

Tinha noção que estava ali havia mais tempo que era necessário para um banho, mas chuveiros a gás, com sua água mais quente que o normal, a pressão mais forte da ducha e a música eram uma combinação deliciosa, que eliminava completamente qualquer tipo de pensamento negativo de sua mente e o deixava sem vontade de morder os próprios lábios ou com as mãos tão agitadas que simplesmente precisava movê-las. Não tinha muitos momentos de paz verdadeira como aquele, e não queria abandoná-lo assim tão fácil.

Mas, por fim, sair se fez necessário, e ele abriu os olhos vagarosamente, vendo o vapor circular ao seu redor, camuflando o banheiro ainda mais, como se houvesse soltado alguma magia de névoa, o que fez o canto de seus lábios se erguerem um pouco mais alto. Virou-se, sentindo a água quente tocar seu rosto e empurrar os cabelos para trás, tendo de cerrar novamente as pálpebras, voltando a abri-las quando girou a torneira e desligou a ducha.

Estendeu a mão para a toalha pendurada na porta de vidro do box, puxando-a para começar a passá-la pelo corpo e esfregando-a nos cabelos, secando-os, assim que retirou a maior parte dos resquícios de água da pele, parando em frente ao espelho e desejando que não estivesse tão embaçado, para que pudesse ver se havia marcas em seu pescoço. Ele pedira a Niall para não fazê-lo, que se quisesse marcar que pelo menos fosse em algum lugar mais discreto, como nas clavículas, porque era sempre um saco ter de se preocupar com isso depois, mas algumas vezes parecia que ele não ouvia.

Enrolou a toalha na cintura antes de deixar o banheiro, indo até a poltrona no canto do quarto-suíte e pondo suas roupas, o casaco de moletom com bolsos de canguru e a calça jeans um número maior que o deixava confortável, calçando as meias também e pondo o celular no bolso direito do casaco e os headphones no esquerdo, antes de deixar o cômodo e seguir o som da música alta até chegar à sala, não vendo Niall em lugar algum e indo até o rádio desligá-lo, pois havia sido ele a colocar a música.

Passou os dedos pelos botões e voltas do rádio, deixando-os escorregar para baixo, sentindo a textura, com a mente divagando distraidamente. Então alguém lhe envolveu em um meio abraço e ele saltou para o outro lado, cambaleando para trás, sentindo a respiração se agitar um pouco e virando agitadamente, pronto para agarrar algo e se defender e lutar por sua vida e chutar onde quer que fosse e foda-se a ética masculina porque—

Bem, era Niall, e ele gargalhou, perguntando-lhe o que estava fazendo. Santini tentou mudar a expressão, fazer os olhos voltarem ao tamanho normal e controlar a respiração, escondendo as mãos levemente trêmulas atrás das costas e engolindo em seco antes de soltar uma risadinha pequena e nervosa, respirar fundo e então rir apropriadamente, acompanhando o outro garoto.

— Vem tomar café. — o mais velho chamou, tirando os cabelos castanho-escuros do rosto avermelhado pela risada e indo em sua direção para puxá-lo pela cintura, afundando em um beijo que o impediu de responder, onde ondulavam as línguas com lentidão, porque mal chegara o horário do almoço e não é como se a noite anterior houvesse sido muito tranquila.

— Não, eu já tenho que ir. — respondeu quando se separaram, após soltar um breve ofego. — Minha mãe ligou quando eu tava lá no banheiro. Ela está preocupada, você sabe como é. — mentiu, abrindo um meio sorriso compreensivo. Isso pareceu deixar o outro decepcionado, e Santini puxou-o pela nuca para um novo beijo assim que notou que as mãos haviam se estabilizado, dando um ritmo mais intenso neste, para distraí-lo um pouco. O outro rapaz mordiscou seu lábio inferior quando se separaram, quase o fazendo gemer, pois realmente adorava a sensação de dentes deslizando por seus lábios, e quando eram os de outra pessoa isso apenas se tornava melhor.

— Garotinhos do Ensino Médio. — Niall falou, ainda perto de sua boca, quando quebraram o contato, em um tom melancólico fingido, antes de rir um pouco.

— É, é uma merda. — concordou, dando de ombros.

— Você vai adorar a faculdade, Santie. — ele comentou, como fazia toda vez que se encontravam.

— Não sei, não tenho papai pra me bancar uma casa e me comprar um home theater. — cantarolou, fazendo o outro rir de leve e soltá-lo, indo na direção do sofá, jogando-se lá e se acomodando.

— Vai adorar não dar satisfação de nada a ninguém, de qualquer jeito. E poder ir dormir na casa de qualquer um que você quiser, quando quiser, voltar só se der vontade... — listou, dando de ombros e ligando a TV, começando a procurar algo digno de ser visto na programação.

— É, isso soa maravilhoso, mesmo. — concordou, embora a ideia não lhe atraísse tanto assim. — Vou rezar pela sua alma quando seu pai souber que você vai repetir matéria, por sinal. — Niall resmungou alguma coisa qualquer, remexendo-se no sofá, parecendo repentinamente desconfortável. — Então, cara, eu acho mesmo que é melhor eu ir, agora.

— Ah, sério? — ele soltou, novamente com uma expressão entristecida. — Eu não marquei nada pra fazer essa tarde por sua causa, meu sábado vai ser um saco.

— Foi mal. — murmurou, mordiscando o lábio de leve. — Mães.

— Não quer ficar mais um pouco e aí eu te dou carona?

— Tá doido? E se ela ou alguém da vizinhança vir a sua fuça de universitário? Já pensou no tamanho da confusão?

— Droga. — ele rezingou, cruzando os braços, com o cenho franzido. — Então vai lá, Santie.

— Tá bom. — acenou para ele com uma das mãos, sorrindo e indo até a porta, abaixando-se para calçar os tênis e se virando para ele com interesse quando se pôs de pé. — A gente vai se ver de novo na sexta que vem?

— Ih, não vai dar, não. — respondeu, abrindo um largo sorriso, deixando o outro confuso. — O pessoal marcou num bar e um cara do time de atletismo da faculdade que eu tô faz uns meses querendo comer finalmente aceitou meu convite pra ir.

— Ah. — Santini riu, tão intensamente que seus ombros tremeram. — Boa sorte, então!

— Se não der em nada posso te ligar?

— Hmmm... olha, você pode tentar. — se virou, ficando de costas para a porta e dramaticamente pondo uma mão sobre o peito. — Mas como trocou a minha adorável pessoa por um carinha qualquer da faculdade só porque ele provavelmente tem músculos — Niall riu, fazendo-o perder um pouco da pose e abrir um sorriso de lado antes de terminar. — eu vou tentar sair com os meus amigos.

— Poxa, tá solitário, heim. Se eu não estiver contigo não tem nenhum ficante pra passar a noite de sexta, não? — o mais novo revirou os olhos, soltando uma breve risadinha depois.

— Tchau, Niall. Boa sorte com seu sábado entediante.

— Tchau, Santie!

Ele virou as costas para a sala, abrindo a porta e fechando-a novamente antes de atravessar o quintal e deixar a casa, ganhando a rua, sempre se lembrando de manter os olhos a frente e dar passadas firmes, pois havia visto em algum lugar, alguma vez, que pessoas que andavam de cabeça baixa e acanhadas eram presas mais fáceis.

O céu estava bonito naquele dia, por sinal. Um nublado cinzento com riscos dourados, que davam uma luz interessante à cidade e o fazia sentir dentro de algum filme épico, em busca de alguma princesa fofinha. Ele encaixou os headphones na cabeça e pôs Anette Olzon para cantar The Siren, deixando-a gritar em seus ouvidos e respirando fundo enquanto involuntariamente levava os dentes ao lábio inferior, sentindo o ar daquela manhã cheia de nuvens e com um climinha gelado entrar em seus pulmões e tentando se sentir revigorado com isso.

~o~

Ele queria receber perguntas quando chegasse em casa.

Talvez isso soasse ridículo, infantil e muito bobo. Talvez a maior parte das pessoas desejasse exatamente o contrário. Mas ele só queria receber perguntas quando chegasse em casa. Não era nada absurdo, certo? Ele só queria que ela parasse de tomar café por um segundo e virasse o rosto em sua direção, que parecesse preocupada e dissesse algo como “Menino, onde você estava? Com quem você passou a noite? Nem pra me avisar que horas ia voltar!”.

Ela não disse nada.

— Bom-dia! — exclamou, abrindo um sorriso, cravando as unhas da mão direita nas costas da esquerda, remexendo os dedos dos pés nervosamente. — Onde está o papai?

— Dormindo. — ela respondeu, em um tom indiferente, e estendeu a mão para agarrar um dos pães, puxando a faca para abri-lo.

— Eu queria saber se ele vai precisar de mim hoje, porque já vou sair de novo... ah, porque o Sash, eu acho que você conhece, o ruivinho, sabe? Então, ele quer— começou baixinho, ganhando um pouco mais de volume enquanto falava, e ela bufou, finalmente olhando-o de soslaio.

— Vá lá acordá-lo e pergunte.

— Ah. Certo. Certo... é, eu vou lá. Ok. Ok. Ok...

— Para com isso. — ela exigiu, em um tom cansado, e ele engoliu em seco, levando os dentes aos lábios antes de soltar uma risadinha.

— Tá bom. Foi mal. — respondeu, apressando o passo até a porta entreaberta do quarto dos pais e respirando fundo antes de entrar, acendendo a luz na parede ao lado e sorrindo de leve para a figura embolada do pai adormecido em meio às cobertas, extremamente silencioso. — Pai? — chamou, se aproximando da cama e se sentando na borda desta. — Ei, pai! — repetiu, sacudindo-o de leve pelo ombro, ouvindo-o resmungar um pouco e abrir os olhos lentamente.

— Santini? — ele murmurou, se sentando na cama, bocejando e coçando o pescoço, olhando-o com o cenho franzido. — Que horas são?

— Hmm... — o adolescente puxou o celular do bolso, apertando o botão central e fazendo a tela se acender. — Nove e meia. — respondeu, guardando novamente o objeto, e o pai estreitou um pouco os olhos em sua direção.

— Você chegou agora?

— Aham. — contestou, abrindo um sorriso pequeno. — Mas tá tranquilo, porque eu não tava na rua, nem nada. Dormi na casa de outra pessoa e tal.

— Ah, mas... — ele se interrompeu, parecendo um pouco incomodado, e o garoto se inclinou um pouco para frente, quase expectante. — Bem... certo. — completou, balançando a cabeça negativamente, e Santini mordeu o lábio, movendo os dentes de um lado para o outro em busca de dor extra. — Precisa de alguma coisa, então?

— Ah... ah, sim. — sorriu, largando um pouco os lábios, embora não se sentisse para nada satisfeito. — Queria saber se vai precisar de mim pra alguma coisa hoje, porque eu vou só trocar de roupa e vou sair de novo.

Ele pôde ler a pergunta muda, aquele “de novo? Já?” quase indignado na expressão do pai, mas o homem escolheu se manter em silêncio (é claro que ele escolheu) e apenas sorriu um pouco, encolhendo os ombros.

— Acho que não, filho.

— Tá bom, então. Qualquer coisa é só me ligar, tá? — questionou, já se levantando, e o pai se espreguiçou preguiçosamente.

— Você vai voltar para o almoço?

— Hmm... não, acho que não. — o homem crispou os lábios, como se insatisfeito, mas como não parecia disposto a protestar verbalmente, o filho apenas seguiu caminho, cravando o canino direito no canto do lábio com um pouco mais de força que deveria, tendo de conter um suspiro de dor e movendo a língua para lamber o sangue que começava a brotar.

— Santini? — o homem o chamou, quando já quase alcançava a porta para sair, fazendo-o virar-se com curiosidade.

— O que?

— Pra onde você está indo? — o garoto sentiu o coração dar um salto um pouco patético, entreabrindo os lábios de surpresa por um segundo, abrindo um sorriso sem graça em seguida.

— Hm, na casa do Sarosh.

— Sarosh? — ele ergueu a mão até os lábios, repuxando um pouco o inferior e apertando a ponta da unha nele, sem saber ao certo como agir.

— Um amigo. Ele é, hmm... ruivo e, hm, baixinho e, hã... inteligente. E foi nosso vizinho, não sei se você se lembra.

— Ah, sim. Vocês ainda são amigos, então?

— É. — respondeu, abrindo um sorriso mais largo.

— Bem, então divirta-se.

— Valeu, pai!

Ele deixou o quarto e fechou a porta atrás de si, estranhamente se sentindo mais sólido, enquanto alguma coisa apertava e aquecia seu peito ao mesmo tempo. Foi para seu próprio quarto, o logo ao lado, encontrando aquele ambiente impessoal de quarto de hospedes, com paredes brancas, cama forrada com lençóis lisos azuis, seu armário branco com portas negras e a estante pequena com poucos livros, tudo sem porta-retratos ou itens de decoração real.

Aquele quarto não era seu refúgio ou qualquer coisa do tipo, de qualquer forma, então não via mal em mantê-lo assim, quase monocromático, insosso e pobre. E porque a ideia de qualquer um dos pais entrando em um lugar em que traduzira sua alma, com as coisas de que gostava em exposição, fotos de seu amigo para lá e para cá, o deixava trêmulo.

Ele odiava tanto aquela casa, tanto, que algumas vezes, quando estava ali dentro, ele só queria sumir.

Não desta vez, disse a si mesmo em pensamento, respirando fundo e começando a retirar o casaco, ele até te perguntou para onde você está indo. Ele se importa. Com certeza. Ele se importa, sim. Inspirou e expirou com força, fechando os olhos e sentindo as pálpebras tremerem.

Ele pensou em Shey Völkers e na forma como ele recebia telefonemas quase todos os dias quando estava de saída da escola, e em como o irmão dele parecia uma boa pessoa. Tentou se convencer de que a mãe dele era daquela forma também e sorriu leve para a ideia, contente com o pensamento de que aquele loiro problemático e muito interessante estava recebendo a ajuda que devia. Mesmo que o dito cujo aparentemente repudiasse a ideia de chamá-lo para jantar e talvez estivesse comendo menos que devia.

Ele estava feliz que não precisaria convencer o loiro de que existia esperança sozinho, como Sarosh fizera consigo.

E ele não o abandonaria até que o garoto parecesse melhor. Na verdade, talvez não o abandonasse nem depois disso.

Sorriu de leve, abaixando a calça jeans e abrindo a porta do armário para buscar uma nova muda de roupas.

~o~

Sarosh não foi lhe receber quando chegou a seu portão. No lugar disso, logo depois de Santini tocar a campainha com constância possivelmente irritante e formando um ritmo, ele lhe enviou uma mensagem de “Pula o portão e entra aí, Santie, a porta tá aberta” pelo Whatsapp. Foi o que ele fez, então. O quintal era uma coisa fofa de se ver, com plantas agora desfolhadas, mas que nas outras estações estavam sempre cheia de flores em sua maioria cor de rosa, grama verdinha bem-aparada, e um banquinho branco de dois lugares perto de uma árvore pequena de caule fino, no cantinho.

A varanda também era fofinha, com jardineiras e uma mesinha branca de ferro com cadeiras acolchoadas e um vasinho em formato de bicicleta com flores na cestinha, além dos burrinhos de cerâmica pintados tão graciosamente e colocados em pontos estratégicos, com as flores fofas ainda resistindo bravamente ao clima cada vez mais frio.

Adentrou a casa, vendo a cozinha que lembrava o interior e o conjunto de chá e o outro de xicrinhas de café que sempre ficavam sobre a pia e depois seguiu para a sala, passando pela mesa de jantar com padrões de ondas nas pontas do vidro e o caminho de pano bordado ao centro, finalmente encontrando Sarosh, sentado no tapete marrom felpudo, escrevendo algo no caderno sobre a mesa de centro, assim como várias outros materiais escolares.

— Saaash! — gritou, correndo para se jogar nele imediatamente, fazendo-o tombar um pouco no tapete, ouvindo-o rir levemente.

— Você sempre tem que me cumprimentar desse jeito, né? — ele questionou, soando bem-humorado e apoiando os cotovelos no chão enquanto Santini se afastava um pouco, sentando-se confortavelmente ao seu lado.

— Logicamente! — respondeu, abrindo um sorriso de lado, e o ruivinho riu mais antes de se sentar direito e voltar para os cadernos. — Sua mãe tá em casa?

— Não, mas acho que vai chegar mais cedo hoje. — contestou, em um tom distraído. — Ligou pra ver que sabor de pizza eu quero pro jantar, então acho que vamos comer juntos e tal.

— Legal. Você escolheu o quê?

— Disse que tanto faz.

— Ah, você não sabe aproveitar a vida, Sash.

— É, acho que não. — ele comentou com humor, em seguida erguendo o caderno e empurrando na direção de Santini. — Você acha que o Danny vai entender com isso? — questionou, e o amigo fitou a página pautada, toda escrita com uma letra bonita, intercalada por gráficos aqui ou ali.

— Você tem letra de professora de primário.

Sarosh revirou seus olhos castanhos, abrindo um sorriso doce assim que o fitou novamente.

— Tudo bem, você vive dizendo isso. Mas o que acha?

— Parece bom, cara. Você só vai ter que explicar pro Danny do mesmo jeito. — Sarosh suspirou cansado, mas ainda parecia mais aliviado e feliz que qualquer outra coisa quando tomou o caderno de volta.

— Não tem problema, ele precisa de reforço, mesmo... e não é como se você pudesse me ajudar com isso.

— Eu me esforço! — retrucou, fingindo indignação, e o amigo riu novamente, assentindo.

— É, eu sei, relaxa. — então parou, repousando o objeto na mesa e fitando-o com atenção, lançando um olhar longo para seus lábios. — Está um pouco machucado no cantinho.

— Hmmm...

— Aconteceu alguma coisa?

— Ah, nada não... você sabe... o de sempre.

— Já tomou café?

— Não. É mesmo, não tomei não. Posso catar alguma coisa na sua geladeira?

— Pode, é claro. — ele respondeu, em um tom preocupado, e o seguiu quando levantou-se para ir para a cozinha. — Por que você não tomou café?

— Você sabe... — começou, abrindo um armário e vasculhando entre os pacotes, em busca de pão de forma para pôr na torradeira.

— Não sei, não. Você brigou com a sua mãe de novo? — perguntou, um pouco aflito, e havia um tom de desprezo no fim da frase que Santini teve de se esforçar para ignorar e erguer o pacote de pão em um gesto vitorioso.

— Eu só não gosto de ficar naquela casa. — respondeu, indo até a pia e afastando um pouco os adoráveis conjuntos de xícara para puxar a torradeira mais para o centro, encaixando duas fatias de pão nela.

— E por que não comeu com Niall? — o moreno hesitou, franzindo o cenho, sem ter certeza do que responder.

— Sei lá. Não estava com fome? Que coisa, Sarosh.

— Você saiu correndo da casa dele porque levou susto com alguma besteira, não foi?

— Quê? Claro que não.

— Foi isso, sim.

— Tô dizendo que não foi!

— Então por que tá todo nervoso?

— Não estou nervoso!

Eles se encararam por alguns segundos, com o moreno mordendo o lábio insistentemente sem sequer sentir, passando a unha do dedão por cima das outras em um gesto nervoso, torcendo os dedos dos pés dentro dos tênis. O barulho de algo metálico se movendo rápido e parecendo saltar encheu seus ouvidos e ele pulou para trás, quase tropeçando nos próprios pés, e bateu em um dos armários, levando as mãos às costas e se apoiando neste, antes de notar que era a torradeira.

Droga.

— Então... — Sarosh começou, com uma das sobrancelhas arqueadas. — O que aconteceu?

— Eu não sei, tá? Não faço ideia! — exclamou, quase em um grito, então foi de cabeça baixa até a geladeira, ouvindo o ruivo suspirar e escolhendo a geleia de morango que estava em um canto.

— Sabe o que eu acho? — ele começou, esperando até que Santini pudesse o pote de vidro na pia e abrisse uma gaveta para procurar uma faca. — Que isso é acúmulo de estresse, porque você está tentando fazer amizade com aquel—

— Sabe o que eu acho? — ele interrompeu, e então abriu um sorriso largo, virando o rosto para o amigo. — Que faz muito tempo desde que eu, você e Danny saímos juntos. Vamos em algum lugar na sexta de noite.

— Pensei que as sextas fossem do Niall. — ele comentou, estranhado, e Santini deu de ombros, começando a passar a geleia em uma das torradas.

— Ele vai perseguir um carinha da faculdade.

— Oh... — Sarosh franziu um pouco o cenho, parecendo preocupado.

— Mas então, a gente pode ir numa pizzaria, ou numa lanchonete legal, ou no boliche. Sabe que tem anos que eu não vou no boliche? Vai ser bacana.

— Por mim tudo bem, mas, hm, Santie, você tá legal?

— E a gente podia chamar o Shey também.

O que?!

— Ué, o que tem demais? Nós somos amigos, agora.

— Eu não sou amigo dele! — ele retrucou com indignação, assumindo uma pose defensiva. — E você também não devia ficar tentando ser!

— Por quê? — questionou tranquilamente, dando a primeira mordida na torrada e sentindo o gosto doce da geleia dançar em sua língua (tão bom~).

— Porque ele é um poço de problemas, é por isso!

— E daí? Eu não posso fazer amizade com alguém só porque essa pessoa não é feliz?

— Não é esse o ponto! — ele protestou, cruzando os braços. — E você sabe muito bem disso! O ponto é que você está começando essa amizade porque ele é problemático e isso é ridículo!

Ele se apoiou na pia, virando o olhar para a parede, e continuou mordiscando a torrada distraidamente, sentindo as palavras de Sarosh se afundarem nele.

— O que aconteceu no dia que vocês — o ruivo fez sinal de aspas com as mãos, arqueando uma sobrancelha. — “se encontraram na praça e tomaram sorvete”? A sua boca estava destruída! Se isso fica te deixando tão ansioso assim e você já tem problemas com isso, pelo amor de Deus, se coloca em primeiro lugar!

— Olha, — começou, em um tom indiferente. — eu vou chamar.

Santini!

— E eu não estou falando com ele só porque ele é problemático, pra sua informação. Ele é muito legal.

— Não, ele não é, não!

— Ele é, sim. Você que não sabe de nada porque não para pra falar com ele feito gente civilizada. Você também é muito legal e aposto que o Shey nem imagina isso.

— Santie, por favor. — ele pediu, em uma voz desolada. — Para com isso de ficar se metendo nos problemas dos outros.

— Não.

— Que saco! — ele exclamou, irado, e Santini sorriu de leve, largando a comida e se virando para olhá-lo melhor.

— Ficar amigo dele não está me fazendo mal, eu juro. — o ruivo vacilou um pouco, encarando-o com estranheza.

— Tem certeza? — perguntou, em uma voz incerta.

— Tenho, sim.

— Eu não quero que você continue se mordendo desse jeito.

— Eu sei. Desculpa. — então sorriu um pouco, de forma pequena e quase carinhosa. — Você sabe que isso nem é culpa do Shey.

— Mas ele pode... piorar a situação.

— Vai ficar tudo bem, tá? Eu prometo que te conto caso esteja começando a ficar mal de novo. — pronunciou, alargando um pouco mais o sorriso. — Agora você me promete que vai ser o Sash de verdade perto do Shey, também. Porque eu mal te reconheço quando vocês estão juntos. — o ruivinho hesitou, desviando os olhos por um segundo e crispando os lábios.

— Tá, eu vou ver. — Santini saltou para abraçá-lo, ouvindo-o resmungar um pouco antes de soltar uma de suas risadinhas bobas.

— ‘Brigado, Sash.

~o~

Ele estava brincando de tentar acertar os pés de Helena por debaixo da mesa, com a garota tratando de revidar, quando Shey apareceu no refeitório, pondo sua marmita na mesa e timidamente se sentando com a cabeça baixa, soltando um cumprimento qualquer que ninguém conseguiu entender muito bem qual era. Santini sorriu para ele, vendo-o assentir com a cabeça, como se em outra saudação, e então abaixar os olhos para a marmita, começando a abri-la.

— Ei, vamos sair sexta que vem? — propôs, vendo Sarosh inflar um pouco as bochechas e desviar o olhar para a bandeja com comida da escola, insatisfeito.

— Vamos! — concordou Daniel, quase que imediatamente, em um tom animado. — Tem um restaurante de comida japonesa lá perto da minha casa que vende uma barca dessa tamanho. — demonstrou com as mãos. — E é muito bom e meio barato. Que tal?

— Mas você me levou lá em todos os nossos últimos encontros. — Helena reclamou, quase com um bico.

— Ah, mas agora vai todo mundo e vai ser legal. — ele insistiu, com um sorriso empolgado que, Santini sabia, desarmava a loira.

— Bem, eu vou pra qualquer lugar. — o moreno mais baixo pronunciou, tomando um gole de sua latinha de refrigerante. — Então, Sash?

— Ah... — ele lançou um rápido olhar, quase nervoso, na direção do garoto de cabelos loiros e cacheados que remexia na comida com desanimo. — Por mim pode ser, sei lá.

— Tá, então. — soltou, revirando um pouco os olhos para a atitude pouco natural do amigoo. — E você, Shey? — o nomeado levantou a cabeça, com os olhos um pouco arregalados.

— E-eu?

— É, você quer vir com a gente? — questionou, sorrindo para ele, tentando deixá-lo um pouco mais confortável.

— Eu... — ele hesitou e Santini reparou que remexia um pouco nas mãos, como parecia sempre fazer quando não sabia o que responder. — Vocês querem que eu vá? — perguntou de volta, tão baixo que o outro quase não ouviu.

— Claro que sim, chamei todo mundo aqui. — replicou, mantendo o sorriso intacto. — Então?

— Eu vou, então... só não vou... comer, se vocês não se importam. — todos os outros à mesa franziram o cenho, encarando-o com estranhamento.

— Ué? — soltou Daniel, em um tom completamente perdido, e Santini passou a mão pelo rosto, tentando não rir.

— Tá, então você não gosta de comida japonesa. — concluiu, com uma voz risonha. — Alguma sugestão de lugar?

— Não... por mim, pode ser em algum restaurante japonês mesmo, não tem problema.

— Você não pode sair com seus amigos pra comer e não comer! — exclamou Helena, em um quase berro, o encarando com indignação. Santini notou os olhos negros do loiro se arregalarem quando ela pronunciou “amigos”, entretanto apenas deixou estar, mordendo um pedaço de seu pão recheado e ainda contendo-se para não se desmanchar em risadas.

— Por que a gente não vai numa praça de alimentação que tem perto de um parque lá pro Centro? — Sarosh sugeriu, quase timidamente. — Cada um escolhe uma coisa e a gente se junta pra comer depois. — completou, parecendo se esforçar para soar como o Sarosh de sempre. Santini moveu os lábios em um agradecimento mudo para ele, com um orgulho desconexo inundando seu peito.

— Pode ser, porque eu também não aguento mais comer sushi! — concordou Helena, em um tom exasperado, e abriu um sorriso quando Daniel a encarou com ares ofendidos.

— Pelo menos você vai poder comer comida japonesa de qualquer jeito, Danny. — Santini pronunciou, sem ter certeza se tratava de amenizar a situação ou provocá-lo. Viu Shey voltar a remexer na comida como quem a despreza, em um desanimo palpável. Depois ele precisava tentar se informar mais sobre isso.

Eles se perderam em planejamentos do que fariam pelo restante do horário de almoço, sobre quem passaria na casa de quem para irem juntos, ficando decidido que, como a casa de Daniel era pelo caminho, Santini passaria para pegar Sarosh, então os dois iriam até Helena, seguiram até a casa de Shey e finalmente iriam até a de Daniel. Ele tratou de reafirmar a ideia no horário da saída, vendo o loiro assentir daquele jeito hesitante e dizer que falaria com a mãe e com Leon.

Ele sabia que o garoto estava nervoso, mas mesmo assim lhe parecera um grande avanço, e por isso, porque estava feliz de estar fazendo as coisas evoluírem um pouco do jeito certo, bagunçou os cabelos de Sarosh e o parabenizou, no meio do caminho, quando já haviam se separado havia muito dos outros, ignorando a forma como ele resmungou antes de sorrir.


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