You make me feel wrong escrita por Lyssia


Capítulo 13
Break the World


Notas iniciais do capítulo

A música do título é da banda Nine Lashes.



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Aloá sentia as mãos tremerem e suarem enquanto apertava o volante entre os dedos, forçando-se a se concentrar na sua. Ela respirou tremulamente pelos lábios, olhando de relance para as calçadas, tentando localizar o filho mais novo, até parar em um sinal vermelho e finalmente virar-se para Leon, que procurava o irmão pelas ruas com os olhos, seu aparelho celular pressionado no ouvido e o da mãe repousado na coxa direta.

— E então? — questionou, ansiosa, e Leon a encarou com olhos um pouco arregalados.

— Ainda não atendeu, mas calma. — ele pediu, mesmo que não soasse calmo ele mesmo, e tirou o celular do ouvido, apertando o botão para repetir a chamada anterior e voltando-o ao lugar.

— E Santini?

— Não disse mais nada.

O sinal tornou a ficar verde e ela acelerou, voltando a dirigir pelas ruas, tendo de optar por uma velocidade mais baixa que o normal tanto para poderem olhar melhor as calçadas quanto pelo nervosismo, pois não queria atropelar ninguém ou causar qualquer acidente. Por que Santini não havia dito mais nada? Ele costumava demorar no máximo dois ou três minutos para responder mensagens, e justamente após a que mandara… ele devia saber que estavam quase arrancando os cabelos de preocupação. Por que ele não dizia mais nada?!

— Shey! — Leon gritou ao seu lado, pulando no banco, e a mulher encostou o carro, tendo de olhar o filho para notar que ele falava ao celular. — Onde você está?! — ele fez uma breve pausa, umedecendo os lábios, e Aloá puxou o freio de mão. — Não, não, não, não desliga! Não faz isso! Fica onde você está! Parado! — ele deixou de falar novamente, ouvindo o outro lado da linha, e fechou os olhos, engolindo em seco. — Presta atenção… presta atenção! Não fala merda! Eu estou com a mãe, aqui… me escuta. Shey, Shey. Me escuta. Nós estamos indo te buscar. Calma… nós estamos indo— como assim quem? Eu e a sua mãe, caralho.

— Leon… — ele olhou para ela um instante, com aflitos olhos escuros cheios de medo, e fez um gesto com a mão para que começasse a dirigir novamente, o que ela imediatamente acatou.

— Onde você está? — ele perguntou novamente, e em sua pausa Aloá o ouviu suspirar, quase bufar, de forma cansada. — Tudo bem. Nós estamos indo. Fique onde você está. Sente na calçada, ou algo assim, mas fique visível e não mude de rua. Aliás, nem atravesse a rua. Você tá me ouvindo?... ótimo. Respira fundo. Vai. Inspira e expira três vezes. Devagar… com calma…

Ele a cutucou com o cotovelo, bem de leve, e ela encostou o carro novamente, virando-se para vê-lo prender o telefone entre a orelha e o ombro enquanto mexia no dela. Alguns instantes depois, abaixou o celular de Aloá, pondo-o novamente na coxa, e ela prendeu a respiração ao ver o mapa, ao notar aquela maldita ponte de ferro, espremendo mais o volante entre os dedos. Leon circulou as ruas próximas àquele lugar com o dedo, parecendo não saber ao certo para qual apontar, e ela assentiu a se ajeitou no banco, voltando a dirigir.

— Isso. Bom. — Leon voltou a falar, e a luz da tela do celular, que iluminava o teto do carro, se apagou. — Vamos de novo, ok? Devagar… inspira… expira… só continua respirando. Vai ajudar. Concentra na minha voz… eu sei. Eu sei, Shey. Mas concentra. Caralho, eu disse que sei que isso não vai fazer as outra sumirem. Só tô mandando focar aqui. Não presta atenção no que elas estão dizendo. Elas só dizem merda. Você sabe disso.

Aloá deixou escapar um suspiro trêmulo, no instante seguinte sentindo uma das mãos de Leon em seus ombros, apertando de uma forma que, por algum motivo, a confortou.

Ela continuou guiando o carro, dobrando ruas e tentando manter-se sã e não desabar ali, pondo atenção nas caricias discretas de Leon e na forma como ele continuava mandando Shey, do outro lado da linha, respirar e ficar calmo. Seu tom foi aos poucos perdendo a urgência e se tornando mais tranquilo e, quando ela finalmente avistou o caçula sentado em um meio-fio com o telefone pressionado no ouvido, já não parecia mais extremamente preocupado, o que a deixava aliviada.

— Leonard. — chamou, cutucando-o no ombro, e o homem se inclinou para olhar pelo vidro da janela do motorista.

— Shey? Já chegamos. Eu vou desligar, ok? Não se mexa. — ele tirou o celular da orelha quase imediatamente depois, tocando para encerrar a chamada e o colocando no bolso. Aloá olhou para o caçula por um momento, vendo-o encarar o aparelho com desinteresse, e voltou-se para Leon com um suspiro.

— Tudo bem, Leonard? — questionou em um sussurro, vendo-o pressionar os dedos nos olhos fechados, com o cenho franzido.

— É Leon, porra. — ele murmurou, tirando a mão do rosto para passá-la pelos cabelos, e Aloá não perdeu tempo em tirar a mão no volante para acertá-lo com um tapa na lateral da cabeça. — Ai! Desculpa! Foi instinto!

— Não é o momento pra isso!

— Eu sei! Já pedi desculpa.

— Tudo bem. — ela o olhou por um momento, vendo cada um dos pequenos sinais de nervosismo: o quanto ele estava engolindo em seco, o maxilar travado, o cenho franzido, os ombros retesados. — Por que você não vai comprar uma água pra ele enquanto eu vou na frente? — questionou, vendo-o relaxar um pouco, assentindo lentamente e virando para olhá-la.

— Tem certeza?

— Tenho, tenho sim. — sorriu, inclinando-se para pregar um beijo na bochecha do filho mais velho e desligando o carro. — Ele precisa de água para o remédio, seja como for. — ele balançou a cabeça em concordância, pegou a carteira no painel e abriu a porta para deixar o carro.

Aloá tratou de não demorar muito, também; pescou a bolsa do banco de trás, a pôs no ombro, puxou a chave da ignição e saiu, fechando o carro e ativando o alarme. Ela se encostou no automóvel, olhando para os dois lados da rua e esperando por um momento oportuno para atravessar, o que por sorte não demorou muito.

Shey já havia erguido os olhos para ela quando terminou a travessia. Parecia estranho o quão vazios e mortos eles estavam, pois continuavam avermelhados de choro, assim como seu rosto, e havia rastros de lágrimas em suas bochechas. Ela sorriu, aproximando-se mais, ignorando os breves olhares recebidos e sentando-se ao lado dele no meio fio. Podia lavar a saia depois.

— Hei. — saudou, sorrindo levemente para ele. — Você está me ouvindo? — Shey desviou os olhos, abaixando a cabeça e passando os dedos pelo tecido da calça jeans. Ela já estava convencida de que não fora ouvida e que repetiriam o episódio desconfortável de três anos atrás quando o filho assentiu fracamente. Contendo um suspiro de alívio, entreabriu os lábios, pronta para dizer que aquilo era ótimo, quando ele interrompeu.

— Eu sinto muito. — murmurou, ainda sem olhá-la.

— Pelo q—

— Eu realmente sinto tanto. — ele ofegou tremulamente, a mão direta indo até o ouvido em um movimento nervoso. — Eu nunca vou ser capaz de me desculpar com você o suficiente. Eu sinto tanto. — ele respirou entrecortadamente e ela, sem saber ao certo o que fazer, o viu virar um pouco o rosto e bater fracamente no lado direto da cabeça. — Pare. — sussurrou em um tom de ordem firme, embora levemente alterado, que deixou a mulher inquieta. Ela se inclinou, passando um dos braços pela frente dele e agarrando a mão que ele usara para golpear a si mesmo, arrancando-a de lá, vendo fios de cabelo se prenderem aos dedos do garoto.

— Shey. — chamou, ouvindo-o ofegar baixinho, enterrando a mão livre na bolsa e puxando uma toalha de mão de lá, usando-a para retirar um pouco do suor frio do rosto do filho. — Shey. — ele fechou novamente os olhos, chacoalhando a cabeça, e ela engolindo em seco e puxou-o pelo rosto com as duas mãos, tentando fazê-lo encará-la. — Shey, olhe pra mim, sim? — pediu, vendo-o obedecer com hesitação, piscando rapidamente. — Não se concentre nisso.

— Mas—

— Não é real. — ela disse, em um tom suave. — Não é real, se lembra? Você sempre me diz isso depois. — ele tentou virar a cabeça novamente, escapar de seu aperto, os olhos firmemente fechados e a respiração descompassada.

— Eu sinto tanto.

— Está tudo bem.

— Não está! — ele gritou, tentando recuar com mais afinco, e ela o puxou para um abraço forçado e mal encaixado, pela posição em que estavam, as mãos tremendo de leve. — Eu sinto muito. Eu não deveria gritar. Eu sinto muito. Você me educou e agora eu vou para o Inferno.

— Ninguém tem o poder de saber essas coisas, Shey. — ela retrucou, em uma voz fraca.

— Eu tentei, eu acho. É. Eu tentei. Eu tentei. Eu tentei mesmo. É mesmo uma maldição, certo? Eu sinto tanto. Eu sinto tanto. Eu sinto tanto. Eu sinto tanto. Não quero afetar vocês com isso. Por favor, desculpa. Desculpa. Eu sinto tanto.

— Shey!

— Eu não posso mais fazer isso. Desculpa. Desculpa, por favor. Eu sei que não devia, e eu sei que não mereço, mas desculpa. Eu nunca vou pedir desculpa o suficiente, pra você. Não posso acreditar que até mesmo ele..

— Shey, fique calmo.

— Achei que se não dissesse nada não faria diferença, e que talvez eu não fosse tão certamente para o Inferno. Desculpa. Desculpa, por favor. Eu não queria deixar isso acontecer. Eu estava tentando. Eu estava errado. Não é assim que uma maldição funciona, certo? Eu sinto tanto.

Ela chegou a captar a aproximação de um homem ao lado deles antes de um pouco de água ser jogada no topo da cabeça de Shey, respingando em suas mãos e e um pouco em seu rosto e peito. Isso não a impediu de guinchar e recuar, antes que pudesse notar Leon e ele se abaixasse entre os dois, separando Shey dela com um aperto visivelmente firme nos ombros do mais novo, que seguia com a respiração ofegante e os olhos fechados.

— Abra os olhos. — ele mandou, em um tom forte, sacudindo levemente o irmão quando não foi obedecido. — Abra os olhos. — repetiu, e Shey finalmente o fez, piscando rapidamente, com os olhos marejados. — Bom. Agora respire devagar. — o mais novo piscou, olhando em completa confusão para Leon, que sorriu quase minimamente. — Respire lentamente, lembra? Inspira e expira. — ele demonstrou algumas vezes, após algum tempo começando a ser copiado. — Foque em coisas diferentes. Aqui— aqui, foca na minha mão, que tal? — Shey piscou, fitando os dedos de Leon por menos de um segundo e então o olhando no rosto, parecendo desdenhoso mesmo com o tormento nos olhos e a respiração acelerada.

— Isso é estúpido. — ele soltou, junto com um ofegar, e Leon sorriu de lado.

— Obrigado. Então concentra no meu rosto. Pensa em me desenhar, ok? Você pode fazer isso?

— Posso. — ele murmurou, parecendo incerto.

— Ótimo. Continue respirando. — Shey assentiu lentamente, e Leon se virou para a mãe, que apenas os observava, com as mãos ainda tremendo. — O remédio. — ele pediu, em um tom tranquilo, e ela assentiu, desviando os olhos para abrir a bolsa.

Havia uma mulher parada na calçada quase deserta olhando-os com o cenho franzido, como se o que acontecia ali fosse da conta dela de alguma forma, e Aloá estreitou os olhos em sua direção, encarando-a com veemência e irritação até que a mulher notasse e, com um gesto sem graça com as mãos, voltasse a caminhar. A loira respirou fundo, abrindo o zíper da bolsa e revirando-a até encontrar a cartela de calmantes de Shey, destacando um e entregando o comprimido ao garoto. Ele o girou entre os dedos, observando-o atentamente com o cenho franzido, e Aloá reprimiu um revirar de olhos, erguendo a cartela na altura do peito.

— Shey. — chamou, fazendo-o olhá-la após alguma hesitação, e balançou a cartela para que ele visse. Os olhos do garoto brilharam em reconhecimento imediato e ele virou para Leon, estendendo a mão para que a garrafa de água lhe fosse entregue.

— Você desperdiçou muito. — o mais novo comentou, em uma voz fraca e tremida, antes de jogar o comprimido na boca e engoli-lo com a ajuda da água. Aloá só então pôs atenção na água gelada que escorria pela cabeça de seu caçula, grudando alguns de seus cachos no rosto, e agarrou novamente a toalha, que deixara sobre o colo até então, inclinando-se para secá-lo um pouco, ignorando o breve recuar do garoto quando se aproximou.

— Desculpe. — Leon resmungou, parecendo incomodado. — Achei que precisava de algo pra te puxar de volta. — o mais novo não respondeu, continuando a bebericar a água, segurando a garrafa com mãos trêmulas. Ela sentia o ar suspenso sob a perspectiva dele se agitar de novo.

— Vamos para o carro? — sugeriu, sem ter muita certeza do que fazer, e Shey assentiu devagar, mantendo os olhos longe dela.

— Sinto muito dar tanto trabalho assim. — ele sussurrou, quase inaudível, e ela apressou-se em segurá-lo pelo ombro, tentando evitar outra queda livre.

— Está tudo bem. — garantiu, não o soltando sequer enquanto ele se levantava e, com o canto dos olhos, vendo Leon catar sua bolsa.

Ela não pôde se convencer a tirar as mãos do filho pelo tempo que demoraram para atravessar a rua, embora não pudesse dizer ao certo se ele estava bem com isso, sentindo arrepios na espinha ao imaginá-lo se jogando entre os veículos, sendo atropelado bem à sua frente. Mesmo quando pararam em frente ao carro hesitou antes de deixá-lo ir, os dedos formigando como se fizesse algo errado, e ela se apressou tanto em desligar o alarme e destrancar as portas que quase derrubou as chaves no processo.

Achou estar sendo demasiadamente paranóica, porém Leon esperou até que o irmão se sentasse para começar a dar a volta para entrar e ocupar seu lugar, e ela respirou fundo, assumindo o assento do motorista e pondo o cinto. Em um instinto que não sabia ainda refrear, olhou para ver se Leon havia posto o cinto também, e depois para Shey, encontrando os dois seguros e bem presos, embora o mais velho ainda engolisse em seco com uma frequência anormal e o mais novo fitasse a janela com olhos perdidos e vazios.

Ela respirou fundo, apertando o volante entre os dedos, umedeceu os lábios, girou a chave na ignição e começou a dirigir para casa.

~o~

Lionel di Quercia estava mergulhado naquele estado pré-sono em que apenas se finge ver TV, com o barulho baixo de digitação que a esposa produzia entrando em seus ouvidos sem receber qualquer atenção, quando o som de uma porta se abrindo o fez piscar, repentinamente desperto. Ele lançou um olhar à porta do quarto, então fitou o despertador no criado-mudo, vendo que já marcava meia-noite e meia.

— Isso foi o Santini? — perguntou à esposa, sentada ao seu lado e coberta até a cintura, com o laptop sobre as pernas e os braços descobertos.

— Provavelmente. — ela respondeu, sem tirar os olhos azul-vibrantes da tela, com sua típica voz baixa e que não transmitia muitas emoções.

— Isso é estranho. Ele não costuma dormir bem cedo? — ela encolheu os ombros, ainda sem fitá-lo. — Acha que algo aconteceu?

— Eu não sei, Lionel. — Anette respondeu, em um tom firme e quase irritado. Então virou-se para olhá-lo, abrindo um sorriso doce e tirando o cabelo negro do rosto, colocando-o atrás da orelha. — Por que você não vai dar uma olhada, se está preocupado? — ele assentiu lentamente, tão desconcertado quanto normalmente ficava com as respostas atravessadas que ela dava quando começavam a falar do filho. Puxou-a pela nuca para selar os lábios e pulou para fora da cama. — Pelo menos desligue a TV. — Anette resmungou, em um tom quase bem-humorado, e ele recuou, pegando o controle remoto da televisão e desligando-a antes de deixar o quarto.

Ele foi até a porta do quarto do filho mesmo após vê-la entreaberta, empurrando-a e acendendo a luz apenas por confirmação, encontrando o cômodo vazio e tornando a apagá-la, seguindo pelo corredor até a sala. A luz da cozinha estava acesa, e ele podia ouvir Santini murmurar baixinho e de forma ritmada, como se cantando, antes mesmo de ir até lá, embora não pudesse vê-lo. Com um suspiro um pouco aliviado, seguiu caminho, indo até o cômodo e encontrando-o de costas, com um copo na mão e um pedaço de pão na outra, parando de cantarolar para pôr a comida na boca.

— Santini. — chamou, em um tom curioso, pois quando fora ao quarto do garoto chamá-lo para jantar, horas antes, encontrara-o deitado com a luz apagada e mexendo no celular, e ele dissera que estava muito cansado e ia tentar dormir logo. O garoto encolheu os ombros ao ouvir sua voz, fazendo uma breve pausa para engolir o que estava na boca, tossindo um pouco, nunca olhando-o. — O que está fazendo acordado essa hora?

— Eu... — ele hesitou, remexendo as mãos e abaixando um pouco mais a cabeça. Lionel se aproximou alguns passos, estranhando a atitude atípica. — Eu só... fiquei com fome... — sussurrou fracamente, deliberadamente virando o rosto para outro lado quando o pai parou ao seu lado.

— O que aconteceu? — questionou, tentando usar um tom tranquilizante, embora tudo que tenha conseguido foi que o garoto se escolhesse um pouco mais, como que tentando esconder o próprio rosto. — Alguém te bateu na escola?

— Não! — ele exclamou, soando chocado, mas sua postura não cedeu nem um centímetro. — Que isso, é claro que não!

— Então me deixe ver o que aconteceu.

— Como assim "o que aconteceu"? Não aconteceu nada. — Lionel reprimiu um bufar, um pouco irritado com aquela mania adolescente de querer manter tudo em segredo, e apenas revirou os olhos em silêncio. Em seguida, certo de que precisaria insistir para o garoto ir falar algo com a direção, moveu o braço em um movimento rápido, guiando a mão até o rosto do filho e enterrando os dedos em seu queixo, obrigando-o a virar em sua direção.

Então ele congelou.

Sequer reparou muito bem no estremecer pronunciado do corpo alheio, ou como ele ofegou quase sem ar. Ignorou sem sequer pensar nisso a mão do garoto, que agarrou-se ao seu pulso em um movimento atrasado. Não pôs atenção ao pavor em seus olhos, ou como ele estava começando a lacrimejar.

Mas ele viu os dentes iniciando uma mordida e parando repetidamente, como se Santini houvesse acabado de se lembrar o estado deplorável de seus lábios, cheios de furos de dentes e marcas arroxeadas, inchados e avermelhados. Ele levou a outra mão ao pulso do garoto, obrigando-o a soltá-lo e mantendo a pressão firme quando o garoto tentou soltar o braço; ignorou como o leve pavor dava rapidamente lugar a pânico naqueles olhos, enquanto ele continuava forcejando, e sacudiu-o pelo queixo, ouvindo-o soltar uma espécie de soluço baixo.

— O que você fez?! — gritou, furioso, e o garoto se encolheu, embora continuasse a tentar se libertar.

— Me desculpe. Por favor. Eu sinto muito, desculpe. Desculpe, desculpe... — ele forcejou outra vez, soluçando alto e começando a chorar de fato ao não conseguir novamente. — Me solta, por favor. Por favor, por favor...

— Como você pôde fazer isso pra você mesmo?!

— Por favor, só me solta!

— Você não vai fugir até me explicar isso! — berrou, sacudindo-o novamente. — Você acha que é assim tão simples?! Fazer uma coisa dessas e achar que nem precisar dar explicações?!

— Não, não... mas me solta, você precisa me soltar, por favor, por favor...

— Há quanto tempo você faz isso? — questionou, em um murmúrio ameaçador. O garoto moveu a mão livre por sobre a pia, em um gesto amplo e descoordenado, derrubando o copo quase vazio no mármore, fazendo que ele produzisse um som alto enquanto se rachava e se partia em pedaços. Ele berrou com o barulho, tentando se desvencilhar violentamente, jogando-se para trás e batendo com os quadris no armário. — Pare com isso!

Me solta! — ele gritou, soando mais desesperado e histérico que Lionel já ouvira qualquer um na vida real, mas o calor da raiva em seu rosto não lhe permitiu recuar, então concentrou-se em mantê-lo de pé, apenas não lhe soltando o queixo para lhe dar apoio nos ombros, pois tinha a levemente irreal sensação de que Santini poderia mergulhar para lhe morder o braço.

— Vou te soltar assim que você me explicar isso. — retrucou, com uma vaga esperança daquilo fazê-lo parar e responder suas perguntas, em busca de liberdade. O garoto, entretanto, soltou um rosnado de agonia, levando a mão livre à mão do pai, tentando obrigá-lo a soltar seu pulso com afinco. — Santini!

— Eu disse pra me soltar!

E eu disse que vou assim que você me der explicações!

O que aconteceu em seguida foi muito rápido. Santini o soltou, levando a mão à bancada, como se em busca de apoio para as pernas que não paravam de tremer. Lionel reparou com um segundo de atraso, o que já era tarde demais, que ele recolhera o maior dos cacos de vidro do copo, apertando-o contra os dedos com força suficiente para cortar a pele, e lhe soltou o queixo para tentar fazê-lo deixar aquilo cair.

Foram menos de dois segundos de atraso até que ele notasse de fato o que estava acontecendo. Dois segundos até que compreendesse e isso normalmente seria o suficiente para evitar uma catástrofe. Não foi rápido o suficiente para que ele soltasse o braço do filho antes dele usar o vidro para rasgar a pele do braço esquerdo, o que Lionel segurava; um corte longo e diagonal que começou a brotar sangue em abundância sem qualquer intervalo.

Pálido e trêmulo, o homem largou Santini, cambaleando para trás até bater na parede da pequena cozinha. As pernas do garoto cederam facilmente assim que não havia nada para ajudá-lo a se sustentar, permitindo que ele fosse ao chão e se encolhesse em uma bola, deixando escapar sons de agonia. O caco de vidro ensanguentado foi ao chão, sujando o piso de respingos, embora a principal fonte de sujeira fosse o braço do garoto, por mais que ele tentasse conter o sangue, pressionando a mão direita no ferimento, aos soluços.

— Santini. — ele balbuciou, sem saber ao certo o que fazer, sentindo o rosto gelado, mesmo que o coração batesse acelerado, martelando fortemente em seus ouvidos. O garoto apenas ofegava e soluçava, olhando em pânico para o próprio ferimento. Que ele mesmo causara. Ah, Deus. — Me deixe—

— Fique longe! — ele gritou, encarando-o com desespero e puxando o braço para mais perto do tronco de forma protetora.

— Eu não vou te machucar. — Você já fez isso, meu Deus... ele engoliu em seco. — Apenas quero te levar para o hospital. — continuou, pois talvez não fosse exatamente necessário, mas ele não achava que o filho fosse deixá-lo olhar para conferir. A expressão de Santini não mudou no mais mínimo, o que estava começando a assustá-lo. — Eu só vou trocar de roupa. Não levante daí. — murmurou, fazendo um gesto de calma com as mãos e pondo-se a correr para o quarto.

— O que há de errado? — Anette questionou assim que ele abriu a porta, de pé próxima a ele, parecendo preocupada. Seus olhos se arregalaram quando ela notou o sangue na mão que usara para segurar o pulso de Santini. — Você se machucou?!

— Santini sofreu um acidente. — respondeu, indo até a suíte lavar as mãos apressadamente e abrindo o armário para agarrar a calça jeans. Ele quase podia senti-la hesitar, sem saber o que dizer, enquanto ele chutava o moletom para fora das pernas.

— Ele está bem? — ela perguntou, em uma voz baixa e vacilante, e ele bufou, subindo o zíper da calça jeans.

— É claro que não. — respondeu, começando a correr em direção à porta, pois a blusa não era tão claramente de dormir assim.

— Leve um casaco! — Anette exclamou, abrindo novamente o armário. Os pelos da nuca de Lionel se arrepiaram quando ela mordiscou o lábio.

— Me dê dois. — pediu, apressado, e ela imediatamente após lhe entregou um casaco de moletom e uma jaqueta jeans.

Ele chegou a ouvi-la desejar boa sorte enquanto corria de volta à cozinha. Ele respirou fundo, notando que a respiração de Santini continuava tão ofegante quanto antes, mas que ao menos seus soluços haviam se acalmado. Pôs a jaqueta e amarrou o casaco na cintura, por uma questão de praticidade, antes de recolher as chaves no aparador, colocá-las no bolso e entrar na cozinha.

Santini se virou imediatamente assim que ele adentrou o lugar, suor cobrindo seu corpo, deixando o rosto e o pescoço brilhantes, sangue escorrendo pelo braço, a blusa e a calça sujas de vermelho, assim como o chão, o rosto muito pálido e as pupilas dilatadas. Jesus. Como se lida com alguém naquele estado?

— Você está me ouvindo? — questionou, agarrando uma toalha de prato e se abaixando próximo, mas mantendo alguma distância, quando ele assentiu. — Pressione isso no machucado. — pediu, estendendo a toalha e forçando-se a mão recuar quando o garoto a agarrou muito mais rápido que esperava.

— Eu vou morrer de hemorragia? — ele perguntou, parecendo novamente à beira da lágrimas, e Lionel arregalou os olhos e piscou, pego de surpresa.

— Não, é claro que não. — apressou-se a dizer quando o filho soluçou. — Mas vamos ao hospital. — franziu o cenho e, porque Santini ainda tremia intensamente de forma inquietante, decidiu acrescentar: — Você consegue ficar de pé sozinho?

O garoto lançou um olhar vago em direção às pernas, ainda mantendo o braço pressionado; então voltou a chorar, soluços frenéticos que Lionel não soube como puderam se formar tão do nada.

— O que foi? — questionou, nervoso. — Não consegue? Não tem problema. Eu te ajudo a levantar para—

— Eu não sinto minhas pernas direito. — ele soluçou, de uma forma tão embargada e enrolada que o homem não fazia ideia de como compreendera. — Eu estou morrendo. — ele ofegou, os olhos passando freneticamente pela cozinha. — Eu perdi muito sangue e agora— Não, não! Me ajuda!

— Está tudo bem! É só um corte! — respondeu, desesperado.

Santini soltou o braço por um segundo para pôr a mão em frente aos lábios em um gesto instintivo, sujando o rosto de sangue. Ele inclinou-se para frente em prol de uma sequência de tosse engasgada que quase soava como se ele estivesse prestes a vomitar. Quando ergueu a cabeça, sua respiração era errática e desesperada como a de um asmático em crise. Lionel sentia as mãos tremerem.

— Continue pressionando o braço. — mandou, se levantando e parando ao lado do garoto, inclinando o corpo para baixo e pondo delicadamente as mãos em seus ombros, sem saber se aquilo tornava tudo pior. Ele respirou aliviado quando o filho não tentou escapar do toque. — Vou te ajudar a levantar, tudo bem? No três. Um, dois, três. — ele puxou o garoto para cima, sendo ajudado pelo impulso que ele deu com as pernas e segurando-o firme pelos ombros quando ele cambaleou para trás, com as pernas bambas.

— Eu não quero morrer. — ele ofegou, agarrando-se desesperadamente a Lionel. — Não me deixe morrer, por favor. Eu não estava tentando suicídio. Eu sinto tanto. — continuou, obrigando-se a falar mesmo com a respiração medíocre daquela forma. Lionel o ajeitou um pouco pelos ombros para que pudesse continuar andando.

— Você está bem. Estamos indo para o hospital. — garantiu, começando a guiá-lo em direção à porta, tentando segurá-lo o melhor que podia e deixando-o apoiado na parede enquanto tentava encaixar a chave na fechadura. O garoto não parava de soluçar e ofegar, assim como continuava soltando grunhidos ocasionais de pavor ou dor, o que o deixava nervoso e desconcentrado ao ponto que demorou quase dois minutos para conseguir fazer algo tão banal como abrir uma porta.

Ele deixou-a apenas encostada, confiante que Anette iria até ali arrumar o estrago e não querendo perder mais tempo ainda. Teve de praticamente arrastar Santini até o carro, pondo-o no banco traseiro, por medo que algum policial pudesse vê-lo chorar daquela forma pelo vidro da frente e o mandasse parar para ver o que acontecia. Sentou atrás do volante, jogando o casaco até então na cintura no banco do carona e apertando o botão para que o portão de garagem se abrisse. Saiu assim que houve espaço suficiente, apertando o botão para fechar a garagem e esperando ali até que o fizesse, pois Anette estava sozinha em casa.

Então lançou um olhar ao filho, conferindo se ele ainda estava pressionando o ferimento com o pano, e acelerou o carro, rezando para que aquele fosse o máximo de pânico que ele podia alcançar, e que a situação não ficasse ainda pior antes que chegassem ao hospital.

~o~

Eram quase três da manhã quando o médico de plantão finalmente terminou de lhe dar recomendações e lhe entregou a receita para um calmante, dizendo que podia levar Santini para casa. Tivera de dar milhões de explicações sobre como o filho terminara com aquele ferimento, e com aqueles pequenos, mas perceptíveis, muito perceptíveis, nos lábios, enquanto o médico fazia a sutura em uma sala separada. Foram necessários dez pontos no braço esquerdo, curativos nos dedos e na palma da mão direita e um calmante, pois o garoto simplesmente não parecia apto a parar de soluçar e temer, então ele caiu no sono na sala de emergência e deixaram-no ali, dopado e tranquilo (forçadamente tranquilo, Lionel se obrigava a lembrar), com o rosto ainda avermelhado.

Fora horrível.

Ele saiu do pequeno consultório, encontrando o garoto no banco de espera, encolhido com as pernas para cima, os olhos claramente pesando, piscando longa e lentamente, com as mãos agarradas ao casaco de moletom que Lionel pusera nele, a mão com os dedos enfaixados claramente exercendo menos pressão. Ele respirou fundo, parando em frente ao filho, que ergueu os olhos para fitá-lo de forma sonolenta.

— Vamos para casa? — chamou, abrindo um sorriso leve, e o adolescente assentiu, retribuindo de uma forma fraca e cansada. — Você precisa de ajuda pra levantar? — quis saber, um pouco preocupado, e o garoto sorriu um pouco mais, negando com a cabeça.

— Eu estou bem. — ele murmurou, levantando-se sozinho, cambaleando um pouco e se firmando no segundo seguinte, antes que Lionel tivesse tempo de pôr a mão em seus ombros. Ele decidiu que prestaria atenção minuciosa no garoto para não deixá-lo cair no chão do hospital. — Eu vou ter que tomar antibióticos pra... isso? — perguntou enquanto começavam a andar, e o homem o viu se encolher um pouco ao terminar a frase, embora não pudesse ter total certeza do por que.

— O médico receitou um em spray, pra quando formos fazer curativo.

— Ah... — ele franziu o cenho, parecendo em um conflito interno. — Será que isso funciona direito?

— Foi o médico que receitou. — retrucou firmemente, e Santini encolheu os ombros e assentiu, embora ainda não parecesse convencido.

— Desculpe por... tudo isso. — ele sussurrou, em uma voz hesitante e fraca.

— Tudo bem. — desculpe por te segurar, ele quis dizer, mas não queria falar sobre isso; não naquele momento, pelo menos.

Eles caíram em um silêncio incômodo pelo resto do caminho, e ele deslocou-se de um pé para o outro, desconfortável, quando entraram no elevador e Santini voltou a empalidecer, embora rapidamente tenham chegado ao térreo e saído, e ele continuasse sem tremer. Lionel quase podia ver o fio que os separava de uma crise de choro enquanto saíam para o estacionamento, e era assustador, porque Santini não era assim, ele era sorridente e bem-humorado, e o homem nunca pensou, por um segundo que fosse, que teria de lidar com algo do tipo.

— Está tudo bem? — perguntou, desligando o alarme e abrindo as portas. O garoto parou próximo ao carro, coçando os olhos de forma sonolenta e então abaixando-os para o chão, pondo as mãos em frente ao corpo. — Santini?

— Eu não gosto de carros. — ele sussurrou baixinho, quase envergonhado, como que intimidado. Lionel mudou o peso de um pé para o outro.

— Como assim?

— Eu tenho medo de carros. — esclareceu, com a voz ainda mais baixa, e os braços se ergueram um pouco mais.

— Hm? Desde quando?

— Desde aquele dia em que estávamos na estrada e aquele carro saiu da pista do nada na nossa frente. — o homem pressionou a ponte do nariz com os dedos, sentindo-se ainda mais cansado.

— Isso faz pelo menos quatro anos. Por que você não me contou? — ele encolheu os ombros e sorriu novamente, uma coisa triste, forçada e apologética.

— Nós não conversamos tanto assim. — Lionel piscou algumas vezes, atingido pela verdade nas palavras, e o garoto tornou a olhar para baixo, remexendo na manga do moletom. — Posso só... ficar no banco de trás? — ele hesitou por um segundo antes de assentir, perdido em pensamentos confusos, e assistiu Santini entrar no carro e fechar a porta, sentando-se no banco do motorista em seguida e pondo a chave na ignição. Virou o rosto para trás, vendo o garoto se recostar no banco e fechar os olhos, então olhou para frente e ligou o carro, dando ré para sair da vaga.

— Eles disseram que foi um ataque de pânico. — comentou após alguns segundos. Um silêncio pesado caiu sobre os dois, e Lionel já quase achava que o filho havia tornado a dormir quando alcançaram a rua e ele o ouviu soltar uma respiração trêmula.

— O médico me disse. — respondeu, tão baixo que o homem mal ouviu.

— Foi a primeira vez?

— Foi. — a voz dele soou perigosamente trêmula, como se alguém se aproximasse com uma tesoura do fio que Lionel quase vira no estacionamento.

— Tem certeza? — questionou, algo desconfiado.

— Sim. — sussurrou, e dessa vez parecia tão contido e a beira do choro que Lionel decidiu não insistir no assunto, e tornaram a cair em silêncio, desta vez por quase dez minutos inteiros.

— Você pode me contar por que se mordeu desse jeito? — perguntou, ainda com aquilo entalado na garganta, e olhou para trás pelo retrovisor quando não recebeu resposta, encontrando o filho com a cabeça repousada no banco, parecendo novamente adormecido, os cabelos caindo sobre o rosto de uma forma que devia incomodar.

Com um pouco menos de pressa de voltar para casa, então, Lionel desviou um pouco do caminho, parando em frente a uma farmácia e trancando bem o carro antes de sair, conferindo se Santini ainda estava dormindo, mas o garoto era como uma pedra, principalmente após o calmante. Mesmo assim, tentou demorar o mínimo possível para comprar tudo que precisariam para os curativos e o calmante receitado enquanto não marcasse um psiquiatra, o que não foi difícil, já que além dele havia apenas mais uma pessoa ali. O garoto não havia se movido sequer um centímetro quando voltou ao banco do motorista.

A viagem para casa foi silenciosa, com seus pensamentos agitados em relação ao que acontecera voltando à mente tão frequentemente que a fez parecer também breve, e ele esperou até que o carro estivesse na garagem para dar a volta e sacudir o filho, vendo-o despertar com um sobressalto e olhar ao redor de forma confusa antes de se localizar e descer, abraçando a si mesmo e começando a caminhar em direção à porta enquanto o pai fechava o carro e ligava o alarme.

— Eu vou tomar um banho, ok? — ele perguntou assim que Lionel abriu a porta da casa, com olhos de quem voltaria a dormir a qualquer segundo, e o homem hesitou antes de se lembrar do suor frio e do sangue.

— Tudo bem, mas deixe a porta só encostada, certo? E tente não molhar muito os pontos. — pediu, vendo-o entrar em casa e tirar o casaco lentamente, pondo-o na bancada da cozinha.

— Ok. — murmurou, deixando o cômodo, e alguns segundos depois Lionel pôde ouvir uma porta se fechando.

Ele olhou para o chão da cozinha, notando que o piso estava sem nenhuma mancha vermelha e os cacos de vidro haviam desaparecido, e que o ar estava impregnado por um cheiro agradável de desinfetante. Anette havia mesmo ido até ali pôr tudo em ordem, como ele previra. Suspirou fundo, pegando o casaco e o pendurando no braço, indo até o sofá, que ficava de frente para o corredor, e se sentando lá para esperar o filho terminar o banho.

Felizmente, ele demorou pouco mais de cinco minutos, e Lionel se levantou quando saiu com uma toalha na cintura, com os cabelos principalmente secos, mas com pontos molhados aqui e ali e um pouco grudados no rosto. Ele franziu um pouco o cenho para quão magro o filho era, com costelas quase aparecendo e clavículas pronunciadas, assim como os ossos dos ombros, encarando-o com alguma desconfiança e desconforto.

— Você está tão magro. — comentou com forçada casualidade, e o garoto se virou para ele com estranhamento, o cenho também franzido, então sorriu de leve, assentindo com a cabeça.

— Eu sou magro. Tenho certeza disso, porque como normalmente. — assegurou, como se lendo os pensamentos do pai sobre transtornos alimentares que ele não sabia nomear direito, e coçou os olhos novamente, embora parecesse um pouco mais desperto. — Posso ir dormir, então?

— Sim, é claro. Eu vou deixar os calmantes receitados na bancada. Você tem que tomar só um quando sentir que está muito nervoso ou prestes a… ficar daquele jeito que estava na cozinha. — ele assentiu, olhando para baixo e remexendo os ombros incomodamente.

— Boa noite, então.

— Durma bem…

Lionel esperou o filho se trancar no quarto para levantar, tirando a sacola com os remédios do grande bolso dianteiro da calça e pondo o fracos de calmantes na bancada, como dissera que faria, em seguida indo até o banheiro, ainda abafado, cheio de vapor e cheirando a sabonete, e deixando o material para o curativo ali. Enrolou a sacolinha, então, pondo-a na lixeira, e foi até o quarto com o casaco de moletom no braço, ansioso para dormir um pouco e não chegar tão completamente exausto no trabalho.

Anette estava profundamente adormecida na cama, com os cabelos afastados de seu rosto e pescoço, parecendo tranquila e relaxada. Ele a encarou por um segundo, pensando se deveria acordá-la para dizer que Santini estava… bem, mudando de ideia logo em seguida, pois a esposa sequer devia estar realmente preocupada; ela nunca perdoara o filho pela depressão pós-parto, embora, lá no fundo, Lionel tivesse certeza que ela sabia que Santini não tinha a menor culpa naquilo.

Ele trocou de roupa sob a luz do abajur, tentando ser o mais silencioso possível, e se deitou na cama assim que terminou, apagando a luz e deixando o quarto em breu completo, aconchegando a cabeça no travesseiro para tentar dormir.


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Notas finais do capítulo

Oi, gente.
Vocês devem estar sentindo falta da narração do Shey, então vim aqui prestar explicações XDDDDDDDDD
Esse capítulo ficou um pouco grande demais, então tive que dividir em duas partes (a próxima não deve demorar a sair). Depois disso vamos partir de volta pra narração do Shey.
Para ser completamente honesta, eu poderia, sim, ter dividido o capítulo entre Santini e Shey. O motivo de não ter feito isso é a cena da cozinha. Eu não queria escrever com o Santini naquele estado, porque tinha um risco muito alto de ficar confuso demais e de causar gatilhos em leitores. Era tudo menos aconselhável, pra ser honesta -q
Colocar o Shey, um dos protagonistas, do lado do pai do Santini também parecia estranho, então achei melhor dar a parte dele para a Aloá.
Peço desculpas se tiver incomodando estar tanto tempo sem seguir o raciocínio tenso do Shey-Shey, de qualquer forma.
É isso, então. Espero que tenham gostado mesmo assim.



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