You make me feel wrong escrita por Lyssia


Capítulo 11
Fireflies


Notas iniciais do capítulo

A música é Fireflies do Owl City.



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Ele mal podia acreditar que ainda estava na casa de Niall após o que ocorrera na noite anterior. Ainda parecia parte de algum sonho ou visão delirante a cena corriqueira que se desencadeara assim que ele saiu do banheiro, tentando pensar em um início de explicação enquanto sua cabeça repetia “oi” inutilmente.

Entretanto o universitário estava já na cama, em seus pijamas, e apenas mandara que Santini se deitasse e dormisse, com uma voz um pouco sonolenta, embora ainda estivesse um pouco cedo. Fizera o que lhe fora dito, então, pensando nas matérias sobre assassinatos, assaltos e latrocínios que todos os dias apareciam entre as notícias do aplicativo que baixara para o celular.

Quando acordara naquela manhã, sozinho na cama, com sons que pareciam vir da televisão adentrando o quarto pela porta entreaberta e baba seca grudada no rosto, ele se permitiu tirar alguns segundos para desejar se auto-estapear, então bocejou, com os olhos ainda muito pesados, e foi para o banheiro se livrar das manchas de baba na bochecha, das remelas, do mau-hálito matinal e do peso na bexiga, mantendo a mente em branco, pois não apreciava tudo isso de pensar antes do café da manhã, obrigado.

Saiu do quarto quando já se sentia novamente um ser humano, com a calça jeans posta e a camisa de Daniel no corpo, não sem antes passar cerca de cinco minutos encarando o corredor que levava à origem dos barulhos, apreensivo com a perspectiva de desta vez ter de conversar, até se convencer, por fim, que não era um bom momento para covardia, e que seria uma extrema falta de educação (e de consideração, também) pular a janela do quarto e ir embora sem sequer avisar o dono da casa.

Encontrou Niall meio-deitado no sofá, ainda com as roupas de dormir e comendo cereal enquanto assistia televisão. Não era de seu feitio ficar nervoso antes de cumprimentar pessoas, mas, mesmo assim, se viu paralisado no portal da sala, absolutamente aterrorizado com a ideia de ter de falar das mordidas, que a essa altura já parara para analisar o estrago que haviam causado e localizara seis pequenos furos espalhados pelo lábio inferior, principalmente do lado esquerdo.

— Oi... — tentou, permitindo que o som saísse tão baixo que se perdeu na voz da moça que falava na TV. Ele engoliu em seco e respirou fundo, puxando para dentro oxigênio e coragem. — Bom dia! — exclamou, no mais típico de seus tons, forçando um sorriso, o que nem era tão difícil assim.

— Hey, Santie. — o outro respondeu, virando em sua direção e erguendo a tigela. — Vem ver Buffy e tomar café. — convidou, voltando a fitar a tela, tão rápido que Santini sequer pôde ter certeza se fora visto assentir.

— Ok, então. — concordou em voz alta, começando a andar em direção ao sofá. — Ela é um pouco fofa. — comentou, se referindo à garota loira do programa que passava no aparelho de televisor. Não pergunte nada. Por favor, não pergunte nada!

— Ela é bem foda, isso sim. — Niall corrigiu, e estendeu a tigela de cereal sem leite para o mais novo assim que este se sentou ao seu lado. Santini pegou um punhado, pondo alguns dos floquinhos açucarados na boca e imaginando o estômago soltar fogos de artifício de felicidade, pois estava com muita fome.

— Se vampiros e demônios existissem, não seria mais inteligente montarem um exército no lugar de mandar gente isolada cuidar disso? Quero dizer, todos os caçadores de filmes e séries estão sozinhos! — protestou, em um tom enérgico, rezando para que aquilo restaurasse efetivamente o clima casual e tranquilo que sempre pairava entre eles.

— Come mais e mantenha a boca fechada, moleque.

— Não, sério, o que as presas fazem na presença de um caçador?

— Correm em pânico feito formigas quando você derruba o formigueiro. — o adolescente abriu a boca para responder, fechando-a logo em seguida e franzindo o cenho por alguns segundos.

— É, também. Mas eu tava pensando em “elas se unem!”, pra ser sincero. Acho que iriamos criar um exército capacitado ao invés de depender de adolescentes solitários.

— Não tenho assim tanta fé na humanidade. Quero dizer, talvez não fossemos usar adolescentes, mas acho que o Estado tentaria evitar pânico em uma situação desse tipo, fingindo que está tudo tão sob controle que não precisamos de uma grande guarda, ou escondendo totalmente a existência de vampiros e demônios para aqueles que não se envolvessem numa situação de risco com esse tipo de criatura.

— Isso... na verdade faz sentido. — arqueou as sobrancelhas na direção dele, fingindo surpresa. — Não é que você tem um cérebro?

— Cala boca e come mais cereal, garotinho do Ensino Médio. — Santini riu, divertido, enchendo a mão com mais um punhado.

Eles fizeram silencio por algum tempo, apenas assistindo à televisão, embora Santini houvesse se levantado inúmeras vezes para pegar coisas para beber na cozinha, e mais uma para buscar o celular. Mandou uma mensagem à Sarosh ainda caminhando pelo corredor, querendo saber se poderia passar na casa dele depois do almoço. O ruivinho deixou sem problemas. Ele nunca negava, para falar a verdade.

Então deu intervalo e Niall se levantou, com a tigela na mão, e se virou para ele com a expressão de quem passa por um complicado dilema interno.

— Acho que precisamos falar daquela coisa de ontem. — ele tentou, com uma voz forçadamente calma, e o adolescente engoliu em seco, desviando o olhar.

— Acha? Por quê?

— Porque eu te vi se mordendo igual um maluco, talvez. — sugeriu, respigando deboche, e Santini raspou os dentes no lábio, quase sentindo correntes elétricas correrem por seu corpo com os pequenos choques de dor.

— Eu não acho que isso seja da sua conta, honestamente. — rebateu, virando para ele com um olhar firme. — Não somos amigos e não paramos para conversar sobre esse tipo de coisa, se lembra?

— Acho que ver você se mordendo muda um pouco a situação.

— Não, não muda.

Niall suspirou pesadamente, tornando a se sentar e largando a tigela sobre a mesinha de centro. Ele o encarou com uma seriedade que assustou um pouco, seu coração voltou a bater fortemente, martelando em seus ouvidos, os dedos de seus pés se torceram, refletindo seu nervosismo, e seus olhos se desviaram, agitados.

— Você é um moleque muito legal, Santie. — ele começou, e de alguma forma parecia mais que um pouco sincero. — Eu até me sentiria mal se não me preocupasse com você fazendo essas coisas. Então...

— Não é da sua conta, como eu disse. — murmurou, ainda sem ter coragem de olhá-lo, e cravou a unha do polegar no indicador, tomando cuidado para não rasgar a carne

— Você devia contar a alguém.

— Isso não é da sua conta, caralho.

— Olha, Santie, a verdade é que você devia contar aos seus pais. Eles—

— Não! Eu nunca vou contar a eles! — gritou, finalmente voltando-se para encará-lo nos olhos, com choque transparecendo em cada centímetro de seu rosto.

— Você devia. Não estou dizendo que eles têm que monitorar você, nem nada, mas até você ser de maior, eles são os únicos que podem—

— Não! Eles não podem nada! Eles nem ligam! Agora cuida da merda da sua vida!

— Olha, não é por nada, mas alguns filhos pensam que os pais—

— Chega! Chega! — ele se levantou em um impulso, com a respiração acelerada, começando a rumar em direção à porta de saída. Então seu pulso foi agarrado pelo universitário, que se levantou com uma sobrancelha arqueada. — Me solta. — cuspiu, em uma voz fraca.

Me solta, por favor. Eu odeio quando me seguram quando sinto que preciso fugir! Eu preciso fugir! Eu preciso... me solta, por favor. Me solta, me solta, me solta...

— Eu vou fazer isso, ok? É só prometer que não vai correr. É que eu te conheço há tempo suficiente pra querer te ajudar, e é só isso que eu—

— Me solta agora! — exclamou, quase que em um berro, e balançou o braço bruscamente, conseguindo se livrar da mão alheia e indo para trás com passos atrapalhados.

— Pronto, pronto, você tá solto. — o mais velho murmurou, erguendo as duas mãos em rendição, com os olhos arregalados. — Agora fica calmo. Eu só estava dizendo que alguns pais se importam mais que os filhos pensam. A sua mãe pelo menos se preocupa, certo? Ela não te liga às vezes? Então, peça ajuda!

— Você não sabe o que tá falando. — segredou, em uma voz bem baixa. — Não sabe nada sobre minha família.

— Ah... hmm... certo. É, eu não sei. Mas se a sua mãe liga de vez em quando—

— Ela não liga. Mal fala comigo. — ela me odeia, pensou em completar, engolindo em seco. — Aquelas coisas eram só eu tentando evitar de ficar assim. — e soltou uma breve risada, que soou histérica e errada.

— Tudo... tudo bem. Mas... Santie... você realmente precisa... cara, você estava se mordendo daquele jeito do nada...

— Eu sei o que você está pensando. — murmurou, ofegando em surpresa. — Isso aqui — apontou para o próprio lábio, tendo de se manter concentrado para não voltar a morder. — não é automutilação. Eu não tenho, sei lá, pensamentos suicidas ou... ou... sou melancólico. Na verdade, eu amo a vida. Sou apaixonado pela vida. É. E nada nunca vai me fazer mudar de ideia.

Mas eu estou tão apavorado.

Eu tenho medo de ser atropelado enquanto vou para a escola. Tenho medo de bater com a cabeça e morrer de traumatismo craniano. Tenho medo de me convencer que suicídio é a resposta, porque às vezes ter uma mente ridícula como a minha é horrível, é assustador, mas eu quero viver. Eu realmente quero.

E é tão tênue a linha entre viver e existir. Tão, tão tênue. É uma linha transparente em uma sala branca, e quando você passa por ela e a arrebenta é tão difícil achar as duas pontas para dar um nó.

E você acha que simplesmente existir basta? Acha que é algo pelo qual vale à pena lutar todos os dias com um medo constante?

Eu não sei.

Eu realmente não sei.

E isso me assusta.

Eu estou com tanto medo.

Eu estou apavorado.

Ele sentiu os olhos nublarem e as pernas tremerem, quase lhe tirando a sustentação, mas, ah, como odiava chorar na frente dos outros. Como odiava os olhares de pena. Ele não era digno de pena. Não depois de lutar todos aqueles anos com aquela coisa que tentava enroscar sua mente, não depois de lidar fazia tanto tempo com aqueles impulsos autodestrutivos. Ele não era digno de pena, então engoliu o choro e passou a mão pelos cabelos, respirando fundo algumas vezes e se obrigando a recuperar a compostura.

— Uau, desculpa. — soltou, em um tom meio sem graça e meio descontraído, passando a mão por seus fios negros mais uma vez, os afastando do rosto. — Não sei o que foi isso.

— Me soa como um alerta geral de que você deve procurar ajuda.

— Ah, eu sei. Vou fazer isso. — respondeu, e não estava mentindo. Pretendia buscar a ajuda que precisava assim que fosse apto a consegui-la sozinho. — Podemos não falar mais disso, por favor? Eu prometo que não vou simplesmente deixar pra lá.

A televisão anunciou que Buffy, a Caça Vampiros, estava prestes a continuar, e Santini voltou ao sofá, sentando-se e passando a mão pelo rosto enquanto Niall ia até a cozinha encher a tigela com mais cereal. Ele voltou de onde havia vindo após depositá-la na mesinha de centro, e não chegou a perder duas falas da série de TV antes de voltar, equilibrando nos braços uma caixa de leite, uma garrafa térmica e duas xícaras, usando o peito como apoio, até que o mais novo, contendo o riso, se aproximou para ajudar.

Eles tornaram a assistir o seriado, um pouco silenciosos demais, enquanto comiam e tomavam café com leite, os sons da televisão impedindo que aquilo se tornasse muito constrangedor. Santini pensou em ir embora mais que algumas vezes, em certo ponto encarando a porta por cerca de cinco minutos, mas havia marcado com Sarosh após o almoço, e suas outras opções (ir para casa ou perambular pela rua) não soavam muito atraentes.

Levantou-se, entretanto, assim que o relógio do celular indicou onze da manhã, se espreguiçando lentamente e sorrindo de leve na direção de Niall antes de correr para o quarto para pegar suas coisas.

— Você quer que eu te leve em casa? — o universitário questionou, assim que ele voltou à sala, já de casaco e com a blusa que usara no dia anterior dobrada e pendurada no braço.

— Seria legal. — contestou, sorrindo agradecido, pois mesmo que odiasse carros e quisesse pensar um pouco, a perspectiva de andar sozinho pela rua estava lhe deixando ansioso.

Ajudou o outro a levar as coisas do café da manhã para a cozinha e tentou puxar assunto até cruzar a porta e ter de parar para mordiscar o interior do lábio inferior, inspirando e expirando lentamente pelo nariz, tentando parecer um ser humano apto enquanto caminhava até o carro e se sentava no banco do carona, o que não era, na verdade, uma tarefa fácil.

Pediu a Niall que seguisse até a casa de Daniel, para então ter de obrigar-se a manter os olhos abertos para indicar o caminho, com o coração parecendo querer pular para fora de seu corpo e se esconder no porta-luvas em momentos aleatórios, infinitamente grato que o universitário não gostava de conversar enquanto dirigia, pois não tinha muita certeza de como faria para interagir naquele estado.

O carro parou em frente à sua casa, e ele observou o muro laranja e o portão de ferro, observou o telhado colonial e o laranja forte do pedaço de parede que conseguia ver dali. Perguntou-se se conseguiria subir no telhado sem quebrar telha alguma, então se virou para Niall, abrindo um sorriso que, mais por costume que qualquer outra coisa, chegou fácil aos seus lábios, vendo-o fitá-lo de uma forma um pouco estranha.

— Nos vemos na sexta que vem? — o mais velho perguntou, parecendo um pouco incerto, e Santini vacilou, sem ter certeza do que responder.

— Eu— eu acho que ia acabar terminando mal de novo, se tentasse dormir com você. Desculpe. — então sorriu de novo, um pouco de lado. — Mas caro queira assistir séries sábado de manhã, pode me ligar! — garantiu, e o outro soltou uma breve risada nasal, assentindo com a cabeça.

— Vou me lembrar disso. — brincou, e inclinou-se para um beijo que Santini não hesitou em conceder, pois, fosse como fosse, Niall ainda beijava muito bem.

Quando saiu do carro e se pôs a acenar até que o veículo desaparecesse na esquina, ele se perguntou se alguém da vizinhança vira-o beijando um homem, e sorriu ao perceber que não podia se importar menos.

~o~

Sarosh era o tipo de pessoa que não tinha pena de pressionar um remédio que ardia com força contra o machucado de alguém. Ele também era do tipo que ignorava os choramingos e os sinais claros de que a pessoa estava incomodada e discorria longamente sobre o quanto a atitude que causara a ferida devia ser evitada e corrigida, e na verdade Santini gostava disso, e achava sinceramente engraçado. Mesmo assim, resmungou quando a mão do ruivo levou embora o algodão, encarando-o com mágoa fingida.

— Você é tão cruel, Sash! — provocou, dramaticamente pondo uma mão sobre o peito e vendo o amigo revirar os olhos, sem se dignar a responder.

— O que aconteceu, afinal? — ele perguntou, em um tom preocupado, embora parecesse tentar transmitir naturalidade.

— Ah... nada. — murmurou, quase que se encolhendo contra o sofá. — É só que... aaaaah, nada!

— Suponho que seja algo que vai me deixar puto. — o ruivo resmungou, já franzindo o cenho, e Santini lhe ofereceu um sorriso apologético.

— É, vai.

— Você descobriu que tá apaixonado pelo Shey, não foi? — ele sussurrou, em um tom cansado, e os olhos azuis do moreno se arregalaram instantaneamente, enquanto ele tinha um sobressalto.

— Como foi que você...? Hã...?

— Ah, vamos lá. — o ruivo revirou os olhos novamente, desta vez com algo de irritação. — Você é ridiculamente óbvio.

— Não sou, não!

— Eu te disse desde o começo que isso ia terminar em explosões de ansiedade e mordidas, não disse? Eu falei pra você deixar o Shey Völkers seguir com a vida dele enquanto você seguia com a sua... separadamente! Mas não, você tinha que tentar incluir ele no nosso grupo!

— Ei! Pra começar, não foi tentar! Eu consegui! Só pra deixar registrado!

— Não interessa! — ele exclamou com exasperação. — Você tinha que cair de amores pelo cara mais problemático disponível?

— Eu não...

— Às vezes eu acho que você tá tentando se foder. Primeiro se envolvendo com o cara e agora...

— Não fale como se eu já tivesse começado a amizade pensando nisso! — o ruivo o olhou com desdém, dando de ombros.

— Não disse. Eu não te acho burro.

— Mas também não precisa falar assim, tá?! Não é burrice tentar ter algo com o Shey!

— Ah, ótimo, agora estamos discutindo por causa dele. De novo. Sinceramente, por que você tinha que se meter nessa?! — ele continuou, com o pescoço começando a se avermelha devido à raiva contida.

— Eu não tinha realmente escolha! E não me arrependo, só pra você saber!

— Ok, então talvez eu estivesse errado e você seja burro.

— Não é que eu seja burro. É que você é frio.

— Prefiro ser frio do que ficar me metendo nessas burradas feito um idiota.

— Você só fala assim porque nunca se apaixonou!

— E você devia evitar essas coisas exatamente porque já se apaixonou, e sabe que isso só te ferra.

— Não é assim que funciona, cacete! — o ruivo torceu os lábios, em uma expressão entre a irritação e o desdém.

— O que te fez achar que era uma boa ideia falar com ele, heim? — o moreno engoliu em seco, lembrando-se do loiro pendurado entre cabos e vigas de uma ponte, e da forma que ele parecera perturbado. Lembrou-se de quando descobriu seu nome, e de tomar sorvete embora estivesse frio, porque achou que um pouco de açúcar ia ajudar. Então se levantou, certo de que não poderia contar aquilo a Sarosh jamais, e respirou fundo, fechando os olhos por um breve segundo.

— Não estamos nos entendo hoje. Eu volto amanhã e a gente conversa melhor, tudo bem? — os olhos castanhos do outro se estreitaram em sua direção.

— Você está fugindo.

E estava, mesmo.

— Claro que não. Só acho que precisamos esfriar a cabeça. — abriu um sorriso de lado, um pouco cínico. — Tente pensar em uma forma de conversarmos sobre isso sem me atacar, ok? Bata em travesseiros, sei lá.

— Eu não estava...

— Ah, você sabe que estava. — e riu, vendo o outro se remexer, parecendo incomodado. — Você me leva até o portão?

— Mas... ah... — ele suspirou cansado, passando a mão pelos cabelos alaranjados e parecendo incomodado. — Claro, levo sim.

— Até amanhã, pode ser?

— Pode.

Nenhum deles pediu desculpas enquanto o portão era fechado, e Santini se perguntou se devia tentar ligar para ele mais tarde, mas decidiu que era melhor deixar isso para depois, quando estivesse com a cabeça menos anuviada. Ao menos não estava com raiva. Ele não poderia ter raiva de alguém que vinha lhe ajudando tanto, fazia tanto tempo, e era bom saber que o ruivinho também não sabia guardar mágoas dele. Começou a andar, decidido a não ir para casa, pois era certo que precisava relaxar por alguns minutos.

~o~

— Hei, Sash tá contigo? — Daniel questionou, saindo pela porta da casa, perfeitamente visível sobre o muro baixo, e correndo até o portão, olhando ao redor. — Parece que não. Ele vai vir mais tarde?

— Não. Hoje sou só eu, mesmo. — respondeu, sorrindo fraco, e o amigo arqueou as sobrancelhas, claramente surpreso.

— Sério? Por quê?

— A gente brigou.

— Uau, isso é estranho. — ele sorriu mais amável, abrindo o portão. — Entra aí. Vamos conversar.

— Valeu. Helena tá aí? — perguntou, temeroso de receber uma afirmativa, pois por mais que adorasse a menina, não era um bom momento para tê-la por perto. Já haviam pessoas demais sabendo como ele agia quando não estava plenamente composto.

— Não, você deu sorte. Está tendo ensaio no grupo de teatro, ou algo assim.

— Ah. Tá ficando legal? — indagou enquanto caminhavam para dentro de casa. Daniel deu de ombros, e Santini deixou o casaco escorregar por seus braços quando alcançaram o calor do interior e a porta foi fechada.

— Ela nunca me conta muita coisa. Diz que vai ser mais legal ver de surpresa. — respondeu, e fez um sinal com a mão para que continuassem andando em direção ao quarto. — Então, o que aconteceu? — ele perguntou, assim que Santini se jogou na cama.

— Eu sou imbecil e gosto do Shey. — murmurou, sentindo-se derrotado e olhando o outro como quem espera uma bronca (e era exatamente o que fazia). Daniel sorriu, tomando assento em sua poltrona.

— Concordo com os dois, mas como é que estão relacionados? Ele é legal! — Santini suspirou, dividido entre cansaço e alívio.

— Sarosh ficou zangado.

— Por quê? Ele por acaso gosta de você ou do Shey? — o moreno mais baixo riu, fazendo uma careta assim que conseguiu parar.

— Está completamente apaixonado por mim, é claro. Mas quem não está? — Daniel acabou o acompanhando com uma gargalhada e pôs as mãos em frente ao corpo, como se se defendendo.

— Não olhe para mim! Eu gosto de peitos!

— Ok, ok, vou fingir que você me engana. — os dois explodiram em risadas por bons três minutos, então Santini limpou a garganta, sentindo-se mais leve. — Não, mas sério. Ele ficou furioso que eu estou voluntariamente me metendo em problemas.

— Ah, qual é. Você está sempre em problemas. Achei que a essa altura ele já teria se acostumado.

— Para de fazer piada com isso! — pediu, embora risse. — É sério!

— Tá, tá bom. Então qual a pior coisa que pode acontecer? Você levar um não e ficar chorando por sete meses? Acho que você pode lidar com isso.

— Na verdade, essa é a questão principal quando você é hetero. — discordou, encolhendo os ombros. — Quando você é gay sempre há a possibilidade de levar um soco bem no meio das fuças.

— Bom, então ele seria um babaca, e eu seria obrigado a juntar um pessoal pra bater nele. — pronunciou em tom de lamento, com a expressão torcida em falsa pena, e Santini riu outra vez, imaginando o amigo vestido de gangster e com um taco de baseball sobre o ombro.

— Não, nós dois sabemos que você não faria isso.

— Ok, não faria. Mas eu posso ir em algum lugar encomendar uma maldição.

— Daniel!

— Sabe? Vodus e tal! — Santini tentou prender a risada, que acabou saindo de qualquer jeito, e viu Daniel sorrir satisfeito.

— Ah, cara. Pelo menos fale coisas que eu sei que você teria coragem de fazer.

— Eu passaria um sermão nele, faria biscoitos e a gente veria Stand Up. Mas isso não soa ameaçador! — ele dramatizou, como se fosse uma grande questão, e Santini teve sucesso em prender o riso desta vez, apenas abrindo um largo sorriso.

— Pelo menos eu sei que é verdade. — eles ficaram em um silencio confortável por alguns segundos, ainda sorrindo, e Santini suspirou, se jogando de costas na cama. — Então eu vou lá, me declaro e levo um fora.

— Provavelmente. E chora por sete meses.

— Puxa! Obrigado!

— Tudo bem, tudo bem! Então vamos dizer que tem uma chance.

— Tipo 2%, né?

— Tipo isso! Com a margem de erro, de 1 a 3%. Agarre-se à esperança, Santie. Agarre-se à esperança.

— Uau, tô chocado com o otimismo! — zombou, e então ficou repentinamente sério, encarando teto. — Não queria que ele parasse de falar com todo mundo.

— Se ele não for babaca e eu não tiver de comprar um bonequinho de vodu...

— Cara, para de falar isso! — interrompeu, em um tom risonho.

— Então, se ele não for babaca, eu vou me esforçar pra continuarmos amigos.

— Sério?

— É, claro. Tenho que ensinar ele a jogar vídeo-game, ainda. Missão incompleta, cara. Não gosto disso.— Daniel abriu um sorriso de lado, pondo as palmas para o alto. — Então não tem jeito, né?

— Você é um cara muito legal, sabia?

— Obviamente, né. — Santini riu novamente, jogando o travesseiro nele e recebendo-o de volta na lateral da cabeça.

— Idiota.

— Disso eu também sei! Mas você vai mesmo fazer isso?

— Você quer dizer me declarar pra levar um fora?

— Aham.

— Vou. No máximo daqui duas semanas.

— Ah, cara. Você não precisa se pôr um prazo pra essas coisas.

— Preciso sim, senão vou fugir da situação igual um covarde.

Daniel riu novamente, pois ele não sabia de tanto quanto Sarosh, não sabia de metade dos ataques de ansiedade e não tinha como realmente adivinhar que por trás de seu tom de zombaria estava sendo sincero. Então Santini se sentou, sugerindo que jogassem video-game é tentando ignorar a sensação de que havia marcado o dia da forca.


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Notas finais do capítulo

É de novo a @Lirium-chan que tá postando. Coitada dessa menina -q
Bem, nós tivemos dois capítulos seguidos de narração do Santini, e o próximo vai ser dele também, porque eu sinto uma espécie de unidade com esses três, e acho se trocar de narrador vocês vão perder uma parte do processo. Espero que não seja problema.
.... É só isso, então =D obrigada por ler



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