Real escrita por dreamer


Capítulo 4
Recaídas


Notas iniciais do capítulo

Olá amores do meu coração! Não sei se existe alguém que ainda acompanha essa fic, mas eu estava olhando os filmes da trilogia no final de semana e me deu uma saudade de escrever... Peço desculpa (de novo, né) por ter abandonado a fic. Não garanto que vou continuar ela, pois não sei se ainda tem gente que acompanha fanfics de THG e também porque dependo muito de incentivos e tempo, mas se os comentários me incentivarem ( o que eu tenho certeza, vocês são AMAZING) eu continuarei a fic, dado que o próximo capítulo já está quase pronto. Enfim, aproveitem o capítulo e desculpa mais uma vez pelo drama! KKKKK ♥



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 [3  semanas depois]

  O céu está azul e sem nuvens. Consigo vê-lo claramente porque não há teto no que um dia será a padaria de Peeta. Há algumas madeiras para projetar o telhado, mas ainda está a céu aberto. É um lugar bonito, e será mais bonito ainda quando ficar pronto. A localização não é tão perto do centro do Distrito, é mais perto da casa de Peeta, porém, não faltarão clientes na padaria por causa da fama de antes do local e por causa de Peeta. 

  Quase todo o Distrito o conhece. Ele ajuda quem pode e sempre está com um sorriso no rosto, cumprimentando todos os que vê pela frente. E quando chega na minha casa no final do dia, não parece nem um pouco cansado. Para falar a verdade, minha casa já está virando a casa dele. Faz todo esse tempo que ele só dorme lá, e a única vez que vai na sua própria casa é para pegar mais roupas ou ajeitar uma ou outra coisa que precisa.

  Greasy nem está indo mais tanto assim pra lá, vendo que eu melhorei muito quando voltei a falar com ele. Peeta é o único que me tira os pensamentos ruins e me distrai com suas piadas, elogios e principalmente, abraços à noite. Viramos um tipo de amigos-que-dormem-juntos, o que não me incomoda e, pelo menos, fico na minha área de conforto. Até agora, ele também não teve nenhum flashback, pelo menos, não na minha frente...

  Haymitch sempre faz uma cara feia ao nos ver juntos. Ele ainda está conseguindo ficar sóbrio e se distrai cuidando dos seus gansos. Peeta leva uma ou outra vez um bolo para ele e por mais que eu tente aprender a fazê-lo, eu simplesmente não levo jeito que nem Peeta. Ele até ri de mim em certas horas! 

  Chuto uma pedra de concreto pequena com minhas botas de caça, e a pedra deixa uma marca branca na ponta do meu sapato. Eu ia ir para a floresta, mas Peeta insistiu em me levar até lá e quis parar aqui para ver alguma coisa. Está estampado nos olhos dele o medo que ele ainda tem de me deixar fazer outra bobagem que nem a de semanas atrás. Ele até entraria na floresta comigo, se não tivesse um pouco de medo.

—Katniss? -escuto ele me chamar no outro lado da construção, onde se enfurnou por um tempo e não saiu mais. 

—Sim? -respondo para ele, mostrando que eu ainda estou aqui. Não demora e ele aparece novamente. Curva os lábios mostrando um sorriso sem os dentes para mim. 

—Pensei que você tinha ido embora. Você não faz barulho algum! -ele diz meio indignado enquanto caminha até perto de mim.

—Vou te dar um desconto. Eu não tenho uma perna mecânica. -falo em tom de zombação e ele ri brevemente. Ao contrário de mim, ele não se ofende com essas brincadeiras. Ás vezes esqueço-me de sua perna mecânica porque de vez em quando parece que ela nem está lá, dado que o jeito de andar de Peeta é quase igual ao de uma pessoa com duas pernas normais. Somente se você prestar muita atenção, se nota uma mancada aqui ou ali. Só lembro da existência da perna quando Peeta toma banho e a deixa do lado de fora do banheiro, na minoria das vezes.

—Você quer ir agora? -ele pergunta se referindo à floresta. 

—Seria ótimo. O que você queria aqui? –pergunto em curiosidade e ele começa a andar para fora e eu o sigo.

—Ahn... apenas queria conferir umas coisas. Nada de mais. -ele fala enquanto olha para os seus pés em movimento. Andamos em silêncio até chegar na cerca. É a segunda vez que venho aqui, e realmente está sendo uma terapia para mim. Mesmo que Peeta ainda me olhe meio torcido quando eu digo que quero vir, ele sabe que faz bem para a minha mente. O ar, o canto dos pássaros, o cheiro e os animais me acalmam e me trazem uma paz de espírito. Realmente, aqui é minha segunda casa.

  Ao ficar perto das grandes árvores perto da cerca, que mesmo depois de tudo continua não tendo eletricidade nenhuma, paro e me viro para Peeta. Ele me olha e curvo meus lábios em um sorriso.

—Você vai ficar muito tempo aí? -ele pergunta e balança a cabeça indicando a floresta. 

—Eu não sei. Depende. -dou de ombros.

—Traga alguma coisa para o jantar. Prometo que faço a comida e você me ajuda. -ele propõe para mim e eu arqueio uma das sobrancelhas para ele.

—Vou ajudar não cozinhando. Sou uma catástrofe na cozinha. -falo a verdade para ele, que dá uma pequena risada da minha reação.

—Veremos. -seu tom me faz pensar mais de cem coisas. -Se quiser me encontrar, estarei na minha casa.  

—O que você vai fazer lá? -pergunto estranhando o fato de ele ir para a sua casa. Ele está cheio de mistérios hoje.

—Vou pintar. Me deu vontade. -ele responde calmamente e simplesmente,  já virando seu corpo. -Boa caçada.

  Penso que ele vai me abraçar ou algo do tipo, mas apenas me dá um sorriso e vai embora. Fico o olhando ir embora, ficando cada vez menor e desaparecendo na Campina. Faço a mesma coisa, afastando a cerca com a minha mão para passar para o lado de dentro da floresta. O vento já está começando a ficar gelado com o inverno chegando, então fecho a jaqueta de meu pai quase até o pescoço. Pego meu arco, as flechas que ainda guardo no mesmo lugar e adentro a floresta mais e mais. Não há tantos animais que nem no verão, mas consigo pegar alguns.  

  Caço um peru e alguns esquilos que achei correndo por entre as árvores. Coloco tudo dentro da bolsa e encontro uma árvore alta quando me canso de procurar animais. Largo meu arco, subo nela me agarrando no tronco e me sento em um dos galhos grossos, encostando minha cabeça no tronco. Fecho os olhos e apenas escuto o barulho da floresta, enquanto o cheiro de terra e grama entram e ficam impregnados nas minhas narinas. Me sinto livre da preocupação de Peeta e Greasy e dos meus fantasmas quando estou aqui.

  Começo a me lembrar da vez que cochilei num tronco e caí dele. Da vez que a cerca foi ligada e fui obrigada a me jogar de uma árvore, assim prejudicando meu cóccix e minha perna. Me lembro dos Jogos, quando ficava a maior tempo nas árvores para me refugiar dos outros...

  "Esqueça isso, não existe mais." tento ser o mais otimista possível, como minha psicóloga me instruiu. Quando pensar nas coisas ruins, pensar no lado bom da coisa ou pensar em outras coisas felizes. Não é tão fácil como parece, mas tento me esforçar ao máximo. 

  Daqui, consigo escutar o barulho da água do lago batendo em algumas pedras que ali existem. Desço da árvore meio desajeitada, porque perdi o jeito com o tempo que fiquei na cama. Quando pulo de volta para o chão, algumas folhas voam com o impacto. Pego meu arco e sigo o caminho que me lembro muito bem até o lago. 

  A água ainda é azul como antes, ele continua sendo um lago calmo e com várias árvores e arbustos na sua margem. Nas árvores sempre há muitos tordos, e eles cantam e piam várias coisas. São iguais como antes, e continuam em grande número. 

  Sento perto do lago e fico jogando algumas pedrinhas na água. Quando me canso, olho novamente para os tordos e faço o assobio de 4 notas de Rue. Não demora muito e os tordos começam a me imitar, e então a floresta está cheia desse som. É uma melodia agradável, e pela primeira vez não me deixa deprimida, é claro que me faz lembrar dela e sentir culpa de não ter salvo ela... E então a imagem de Rue envolta de flores que eu coloquei me vem à cabeça. A pintura de Peeta no Massacre. Os olhos de sua mãe na Turnê... 

  Me levanto rapidamente e saio correndo dali, tentando manter a calma e fugir do som. Não. Mais uma recaída não. Parece que os tordos me seguem, e quando vejo estou saindo da floresta pela cerca com meu arco e minhas flechas junto. Corro esbaforida até a Vila dos Vitoriosos, com olhares curiosos sobre mim de pessoas que voltam de seus trabalhos. Subo a escada da varanda depressa e entro em casa ofegante. O som ainda está na minha memória. 

—Katniss? -Peeta aparece da cozinha. -O que houve? Você está suando.

—Nada... Foi só...

—Porque trouxe o arco e as flechas junto? -ele me analisa de cima a baixo, com um olhar curioso e preocupado.

—Eu vim correndo. -suspiro fortemente. -Foram os tordos...não, na verdade, fui eu...

—Respire. -Peeta chega perto de mim e coloca uma mão no meu ombro. Sigo suas instruções, respiro lentamente e retomo o fôlego. -Está bem. Agora me conte o que houve. E não me diga que está tudo bem.

  Sinto que sou obrigada a contar para ele, ele consegue ver a mentira em meus olhos, até porque falar que está tudo bem no meu estado não seria verídico. 

—Eu decidi assobiar a melodia de Rue -olho para os meus próprios pés para ele não ver as lágrimas brotarem nos meus olhos. Não quero chorar, não quero parecer fraca, pois isso dá a impressão que eu não estou bem e não estou melhorando. -Os tordos começaram a repetir, e eu me lembrei de tudo de uma hora para outra. Eu não queria...

  O que Peeta faz a seguir é típico dele, mas eu mais esperava uma bronca por ter trazido o arco e as flechas e ir brincar com tordos com uma coisa que ainda é seria. Ele vem até mim e segura minha cabeça suada, a pressionando contra seu peito. Sinto seu cheiro de colônia masculina misturada com creme de barbear que eu tanto gosto. Ele faz breves afagos no meu cabelo. 

—Vá tomar um banho. Esqueça isso. Pense nas coisas boas. -ele fala ainda me segurando. -Se você me precisar, me chame.

  Ele me ajuda a tirar e guardar o arco e as flechas, e me dá um sorriso antes de eu me virar para subir as escadas.

—Ah, e Katniss... -ele me chama e eu me viro de volta para ele, no meio da escada. Olho para ele e ele da uma risadinha. -Fiz cupcakes para você. 

—Isso é golpe baixo! -cerro os olhos para ele e finalmente subo para o banho. 

*

—Me dê isso aí! Isso é injustiça! -falo alto para Peeta, que se diverte com minha raiva. Ele tem um sorriso no rosto enquanto segura o bolinho com a mão estendida para cima. Tento o pegar, parecendo uma criança emburrada, mas querendo ou não, Peeta é mais alto do que eu. 

—Eu já falei para você. -ele me olha quando eu paro de tentar tomar o cupcake de sua não, mas continua segurando o bolinho colorido cheio de glacê sobre sua cabeça. -Você vai jantar antes. E vai me ajudar a cozinhar.

—Já falei que não. Eu vou estragar tudo, sou um desastre na cozinha. -cruzo os braços na frente do meu peito. -Você sempre cozinhou, porque inventou isso agora? 

—Bom, o que você quiser, mas vai ficar sem cupcake. -ele dá uma risadinha e se vira.

—Mas você fez os cupcakes para mim! -falo, indignada. 

—Contanto que venha comigo para a cozinha. -ele se vira novamente para mim e arqueia uma das sobrancelhas.

—Bom, se quiser, eu vou. -faço o mesmo gesto de sobrancelha para ele. -Vou sentar e assistir você cozinhar.

  Ele revira os olhos para mim e abaixa o braço. Entra na cozinha, e penso que venci a "discussão" quando ele coloca o bolinho de volta na forma, dentro do forno. Espero o que ele vai fazer em seguida, mas ele simplesmente olha para mim sem nenhuma expressão.

—Não iremos ter jantar hoje. -ele fecha o forno e sai da cozinha, me deixando sozinha lá. O sigo, incrédula.

—Você deve estar brincando! -o sigo até a sala, onde ele senta no sofá e reprime um sorriso.

—Quem vai brincar com você é seu estômago daqui a pouco. -ele olha para mim e apoia o queixo na sua mão. 

—Teimoso! -falo, frustada. Ele dá um sorriso com a minha reação e se levanta, me olhando como quem esperasse algo. -Tá bom, você venceu. Eu vou te ajudar.

—Acho que alguém vai ganhar bolinhos depois. -ele fala e anda de volta até a cozinha. 

—Não sou nem um cachorro nem uma criança pra você falar assim comigo! -digo, ainda irritada com minha recente derrota. Peeta ri. 

  Ele pega várias coisas das prateleiras, geladeira, armários e os animais que cacei do ligar que os guardou enquanto eu tomava banho. Apenas o observo, perdida ali, não sabendo o que fazer. Ele coloca tudo em cima de um balcão e ao terminar suas ações, olha para mim com uma expressão satisfeita e feliz. 

—Você vai cortar o tomate. -Peeta fala enquanto pega uma tábua e uma faca afiada de algum outro armário. Olho com uma cara de tacho para ele.

—Você está falando sério? -pergunto. -Por que não me deixa limpar os animais? Isso é a única coisa que eu saberia fazer bem. 

—Exatamente. -ele estende a faça com o cabo virado para mim. -O propósito é você aprender o que não sabe, e não o que já sabe. 

—Sabe o que vai acontecer? Vou cortar meu dedo e a culpa será sua. -cruzo os braços e adoto uma expressão emburrada. Peeta olha para mim com uma expressão derrotada enquanto sorri.

—Chega de drama. -ele revira os olhos para mim. Em seguida, me dirige até a tábua em cima do balcão e me mostra como cortar o tomate. Com ele parece ser fácil, mas eu fazendo sozinha se tornou uma catástrofe. Os pedaços ficaram desproporcionais e uns maiores que os outros. Não cortei minha mão como pensei que seria, mas isso foi pior.

  Peeta limpa os animais com a maior facilidade e está concentrado no que faz, porque em nenhuma das vezes olha para mim enquanto eu olho para ele querendo pedir socorro. Eu deveria saber cortar em pedaços uma porcaria de um tomate. Até que, quando ele termina de limpar o último animal, ele olha para a tábua e em seguida para o meu rosto. Ele faz uma careta que mais se parece com um sorriso impedido.

—Não ria de mim. -digo, irritada. -Eu falei que não levava jeito.

—Não estou rindo de você. É só praticar. -Peeta me olha mais sério enquanto fala. -Aqui.

  Ele vai parar atrás de mim e segura meus braços. Posso sentir seu tronco colado nas minhas costas e os braços juntos dos meus. Não esperava que ele fizesse isso. Sinto como se todo o sangue do meu corpo subisse só para a minha cabeça, que arde e esquenta na hora. Já posso sentir minhas bochechas queimando e vê-las vermelhas. A sua respiração fica batendo na parte de trás da minha orelha, enquanto ele pede para eu pegar a faca de novo, mas minha mente não capta direito o pedido, então fico parada na minha bolha de pudor.

—O quê? -acordo novamente quando percebo o que ele me pediu. Meu rosto esquenta mais.

—A faca. Pegue ela. -ele não parece ter percebido minha desconcentração pela situação que estamos. Pego a faca com as mãos tremendo, e ele segura minha mão direita firmemente enquanto corta o tomate através de mim, mas eu não consigo prestar muita atenção. Ele corta perfeitamente em pedaços pequeninos, então solta a minha mão. 

—Entendeu? -pergunta, ainda meio colado a mim. Tento me focar na pergunta, e não na situação, embora não tenha prestado atenção em quase nada. 

—Sim. -respondo rapidamente, e então ele se desaproxima e volta para o lugar que antes estava. Viro o rosto com vergonha do meu estado. Vou até a geladeira assim que ele se desencosta de mim e tomo uma água gelada ainda não olhando para ele, e parece que ajuda. Peeta continua cozinhando como se nada tivesse acontecido e fosse a coisa mais normal do mundo. Não sei se estou preparada para isso.

  Depois de todas essas semanas, Peeta quebrou todos os limites e barreiras que eu impus de uma só vez. Eu não permitia que alguém chegasse muito perto antes, na verdade quanto menos contato humano fosse, melhor. Ele quebrou a barreira. Ele me abraça sempre, até quando eu não peço. Dorme junto comigo e até posso sentir sua respiração em minha nuca as vezes, quando vai se deitar depois de mim. Ele brinca, faz piadas, ri e conversa comigo como se nada tivesse acontecido antes. Primeiramente, foi um choque para mim, mas aos poucos foi me agradando. E, por fim, ele me faz isso. Foi o máximo que ele já fez até agora, o contato mais íntimo de todos, talvez uma coisa que eu não estivesse preparada ainda, mas ao mesmo tempo que não sei como reagir á isso, sinto um calor e uma felicidade que não sei de onde vem dentro de mim. 

  Dou um sorriso com o copo ainda encostando em minha boca e o coloco na pia. Quando sinto que o rubor em minha face não existe mais, me aproximo novamente de Peeta e ele parece normal, realmente não vê diferença nenhuma entre antes e agora. Em seguida, continuamos a preparar nosso pequeno jantar, e ele me dá mais alimentos para cortar enquanto faz coisas mais difíceis -pelo menos, difíceis para mim - e eu vou pegando o jeito. No final, temos um pequeno jantar humilde, mas muito gostoso.

  Dou um suspiro e encosto minhas costas na cadeira novamente quando terminamos de comer.

—Acho que comi demais. -falo, com uma falsa voz de sofrimento. Ele faz a mesma coisa que eu, só que não consegue reprimir a risada. 

—Sua comida estava realmente muito boa. 

  Arqueio uma sobrancelha e olho para ele.

—Não comece. -me levanto da cadeira e começo a pegar os pratos sujos da mesa. Não demora muito para ele começar a me ajudar. Lavamos toda a louça suja e não secamos, deixando-as em cima do balcão. Peeta jogou água em mim algumas vezes durante o processo, e riu da minha cara de irritada depois que fazia isso. 

  Então, subo para o quarto para colocar meu pijama, e sei que Peeta logo irá subir também, como de costume. Coloco uma calça e uma blusa simples, solto meus cabelos que precisam ser cortados e escovo os dentes. Lá fora, a única coisa que eu posso ver é um poste de luz com seus insetos ao redor. Algumas estrelas tímidas aparecem no céu negro. Fecho as cortinas e sento na cama para esperar Peeta.

Na minha depressão, minha única companhia era a luz do poste e a cama fria e solitária. Peeta foi meu raio de sol, que trouxe luz para a noite e calor para o frio. Desde então, minha vida tem sido bem mais alegre, mesmo após tudo aquilo... Não sei o que esperar do futuro, mas tenho breves esperanças de que ele será bom. Uma prova disso é essa rotina tão simples, mas ta alegre e com Peeta.

 Mas ele está demorando demais. Estranho, então saio do quarto e desço novamente para ver onde ele se enfiou, as escadas rangem de costume enquanto eu desço, e logo eu estou na sala. Encontro Peeta de frente para a janela do cômodo. Ele parece estar olhando para fora, mas logo ao olhar para seus punhos, vejo que estão fechados, e ele faz muita força. Seus ombros sobem e descem.

  Oh, não. 

  Não agora. 

  Minha mente esquece-se de confabular qualquer pensamento no instante em que vejo e sinto a raiva dele. E com certeza, essa raiva é contra mim. Quando volto à mim mesma, faço o mais lógico possível: tento subir de novo, virando o meu corpo silenciosamente. Subi o primeiro degrau, mas ele se virou num estalo. Seu olhar, de raiva. Já podia saber que suas pupilas estavam dilatas no mais negro possível, suas veias do braço  e pescoço saltavam. 

—Peeta, acalme-se. -falei, o mais cuidadosamente possível, minha voz trêmula. -Sou eu. 

—VOCÊ QUEM? -ele grita, meio desesperado, olhando para mim. Suas veias do braço e do pescoço saltam. -UMA CRIATURA NOJENTA QUE MATA? 

  Posso sentir as lágrimas de medo e desespero brotando de meus olhos. Isso não podia estar acontecendo.

—Peeta, a Katniss. Você não lembra do nosso jantar alguns minutos atrás? Dos bolinhos? –falo já com a voz embargada, na esperança que ele volte a si mesmo. Tento segurar, mas a primeira lágrima faz um rastro pela minha bochecha.  Ele parece fugir de si por um momento quando eu falo, mas em um segundo volta ao seu estado não-moral.

—EU NUNCA IRIA QUERER CHEGAR PERTO DE VOCÊ! -ele ainda grita, esbravejante, apontando para mim. Seus olhos estão completamente negros.  -MONSTRA! 

  Outras lágrimas caem de meus olhos e tomam conta de minhas bochechas. Aperto o corrimão da escada com força, tentando pensar no que fazer. Me lembro do ataque no Distrito 13, e fico desesperada. Ele vai me atacar. Peeta vai me machucar.

  Ele está falando a verdade.

—Por favor, Peeta, volte. -falo, já entre soluços. -Eu preciso de você aqui.

—PARA ME MATAR! –ele está muito fora de si, cheio de raiva e se contendo para não sair do lugar. Não é o verdadeiro Peeta, Katniss, não é.

  Fazia muito tempo que isso não acontecia. Não consigo lidar com isso sozinha.  Da outras vezes, havia um grupo de pessoas junto comigo, agora somos só eu e ele. Penso em Haymitch. Tremo de desespero ao pensar que ninguém pode estar nos ouvindo.

  Uma chance.

—PEETA, NÃO É REAL! –grito para ele, em mais uma tentativa que ele volte do flashback. Um soluço sai sem advertência pela minha garganta. De novo, ele parece voltar para a realidade por um milésimo. Fica com mais raiva ainda e grita com mais força:

—É REAL, SIM! VOCÊ QUER ME MATAR, MONSTRA!

—EU NUNCA MATARIA VOCÊ! -grito entre lágrimas. -EU AMO VOCÊ! 

  Ele parece enlouquecer quando essas palavras saem de minha boca.  Num instante, ele está parado e no outro, está correndo enlouquecido até mim. O desespero me invade por inteiro e a única coisa que me vem à mente é tentar correr para dentro de algum cômodo. Tentativa falha. Ele é muito mais rápido que eu, e logo posso sentir minha cabeça bater fortemente contra a parede que estava na minha frente.  Sinto uma pressão dolorosa em meus pulsos, aos serem agarrados com uma força extraordinária. Quando encontro seus olhos, não o reconheço. Tem muita raiva ali. Suas pupilas estão dilatadas. Ele me olha com ódio enquanto me aperta e naquele momento sei que não é o mesmo Peeta que tem tanto zelo por mim.

—Por favor, Peeta – falo, com a voz fraca e entre soluços. Meus pulsos doem e latejam em pouco tempo. - Me solte! 

  Ele não responde nada. Sua raiva apenas parece aumentar e ele me aperta cada vez mais enquanto seu olhar de ódio continua sobre mim. As lágrimas estão descontroladas saindo de meus olhos. Tento ter a idéia de chutá-lo, mas nem com Peeta nesse estado, eu teria coragem de fazê-lo. Apenas fico parada, chorando, esperando alguma coisa acontecer.

—PEETA! -grito o mais alto possível, num último desespero que ele retorne. Sinto meus pulsos latejando, minhas pernas fraquejando...  -ME SOLTE! 

  Tudo acontece muito rápido em seguida. Ouço a porta de entrada abrir e bater com um estrondo na parede, com a força utilizada para abri-la. Um breve alívio toma conta de mim, e sinto que logo vou desmaiar. Peeta continua olhando com fúria para mim, completamente fora de si, e tento desviar o seu olhar.

—Garoto! -Haymitch. -Solte a menina! 

  Ele chega por trás de Peeta e tenta tirar ele de cima de mim. Olho para um Haymitch desesperado, olhando de volta para mim e para Peeta. Não. Ele sabe que ele não vai sair.

—Peeta! - Haymitch grita, tentando chamar sua atenção, mas é inútil.

  Mais dor.

  Então, Haymitch dá um soco em Peeta no momento que minha visão começa a ficar turva. Ele não desmaia, mas em seguida fica louco com Haymitch. Solta meus pulsos e desmorono no chão, chorando muito. Não quero ver eles brigando, oq eu sei que vai acontecer em seguida. Haymitch sabe o que fazer agora. 

  Com a maior força que consigo, me levanto e corro para o meu quarto, tropeçando nas escadas. Me tranco no cômodo e não saio mais, mas isso não impede que eu não escute os gritos vindos de baixo, até que, quando meu travesseiro já está encharcado, eles param. Depois, tudo fica completamente quieto e escuro.

*

—Katniss. -escuto a voz de Haymitch do lado de fora do quarto. Ele bate na porta. -Katniss, abra a porta. 

  Minha cabeça está enterrada no travesseiro. A única coisa que fiz foi chorar nas últimas horas. Não sei o que Haymitch fez com Peeta ou para onde o levou, mas sei que conseguiu o controlar. 

—Por favor. Trouxe gelo para seus pulsos. -escuto-o suspirar. Quando Haymitch raramente precisa ser gentil, ele é. -Se você não abrir essa porta, eu vou arrombá-la. 

  Com um suspiro forte, levanto da cama e abro a porta para ele. Seu olhar está cansado e fica mais cansado ainda quando vê minha cara inchada de chorar. Pego o gelo dentro de um pano nas mãos dele e apenas me viro e sento na cama novamente. 

  Encaro meus pulsos, que estão roxo-escuro. Tenho vontade de chorar só de ver isso. Coloco o pano por cima de um e suspiro com a sensação de alívio. Haymitch fica parado na porta, me observando. O sol já está aparecendo por entre a cortina.

—Onde ele está? -pergunto, a voz meio trêmula ainda.

—O levei para sua casa. -ele suspira e passa a mão na testa. -Aconselho não visitá-lo por uns dias. Você sabe como ele fica depois que isso acontece.  

  Suspiro. Sei exatamente como ele fica. Ele sente-se muito culpado pelo que fez. Não foi ele que fez). Foi a Capital. E é por isso que mesmo morto, eu continuo odiando Snow. Até morto, ele sempre deixará um rastro em nossas vidas. Um rastro, uma marca que nunca poderia ser curada ou apagada. 

  Odeio a Capital.

—Menininha -Haymitch me chama quando fico quieta demais. -Você sabe que o que ele falou não é verdade. Não era Peeta. 

—Eu sei. -coloco o pano com o gelo no outro pulso, enquanto o anterior lateja. Faço uma careta de dor. 

—Deixe-me ver isso. -ele chega perto de mim e examina meus pulsos. Posso ver seu olhar de piedade e reviro os olhos. Admiro sua boa vontade, mas não preciso disso agora. -Quer que eu chame um médico? 

—Não precisa. Não quero que ninguém saiba disso. 

—E Greasy? 

—Não preciso de ninguém agora, Haymitch. -ele assente e suspira.

—Se precisar de mim eu estou em casa. -ele fala e em seguida se retira.

  Deito novamente na cama, o pano com gelo caído no chão. Durmo o dia inteiro, na esperança que quando eu acordar, tudo terá sido um pesadelo e acordarei com a presença de cabelos louros ondulados ao meu lado, me acalmando.


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Notas finais do capítulo

Enfim, era isso! Gostaram do primeiro flashback do Peeta? Podem me matar, KKKKKKK mas vamos combinar que o capítulo em si ficou bem fofinho.
Obrigado se você leu até aqui, e não se esqueçam dos comentários (eles são de extrema importância e irei responder todos). Dependo de vocês para continuar ou não a história. Aceito elogios/críticas/ameaça de morte. xoxo ☻♥



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