Eu sempre estive sozinha. Presa como um pássaro dentro de uma gaiola, sem contato nenhum com outras pessoas de minha idade, em um pequeno vilarejo afastado de tudo. Sei que não fizeram isso por maldade, pois todos são muito gentis e amáveis comigo, tendo apenas uma pequena exceção... A sacerdotisa chefe.

— Lin! O que pensa que está fazendo aí olhando o movimento da cidade enquanto tem tarefas para fazer? — perguntou rispidamente a mulher de cabelos totalmente prateados devido à idade, seus olhos castanhos me fitando severamente. — Será que devo puni-la por não seguir as regras do templo? Saiba que ano que vem você não será mais uma criança, terá 15 anos! — ela gritou as últimas palavras fazendo com que eu encolhesse meus ombros.

— M-me desculpe por isso. Irei fazer meus afazeres agora mesmo — falei rapidamente fazendo várias reverencias meio desajeitadas, a sacerdotisa apenas bufou e saiu andando em direção aos salões principais do local, brigando com todos com quem se deparava. Dei um breve suspiro dando uma última olhada para fora do templo, nunca pude ir lá interagir com a população e brincar com as outras crianças... — Eu não pertenço a esse mundo...

Comecei a andar em direção ao meu quarto, minhas tarefas provavelmente estariam situadas encima de minha mesinha central. Mesmo eu ainda sendo uma simples criança, a chefe sempre deixou trabalhos para que eu fizesse, era muita injustiça da parte dela abusar assim de alguém mais novo só por eu ser um grande perigo para a humanidade. O que eu poderia fazer para deixar todos contra um ser tão pequeno e inocente como eu? Nem eu mesma sabia a resposta...

Enquanto andava distraidamente, algo entre as flores do jardim principal chamou minha atenção, por um momento pensei que fosse apenas um pequeno animal de estimação que tinha escapado de alguém das proximidades, mas quando me aproximei para ajudar o que fosse, me deparei com algo totalmente diferente do que imaginei. — Você está bem?! — perguntei um pouco desesperada correndo na direção de um pequeno garoto que estava se contorcendo.

Ele não me respondeu, o que parecia meio óbvio já que estava sofrendo com algo que eu não sabia. Quando seu rosto virou em minha direção, reparei que usava uma máscara para esconder os seus olhos. — Q-Quem é você...? — ele perguntou com dificuldade, quase me afastei com o susto que tinha levado, mas me mantive firme. — Sou Lin, uma das sacerdotisas desse local, o que houve? Onde está doendo? — perguntei, começando a ficar preocupada em todas as horas em que ele gemia de dor.

— Urgh... Eu fui espancado por alguns garotos por ser diferente deles... Tive que me esconder para que não me achassem... — o garoto falou dando pequenas pausas entre suas frases, ele estava sendo agredido só por usar uma máscara, era isso? Não havia como ser outra hipótese além dessa, pois para mim ele era apenas uma criança normal apesar de seu cabelo ser cinzento. — Espere aqui, irei buscar algo para te curar... — falei, já correndo em direção ao meu quarto.

Ao chegar a meu destino, havia uma pessoa de costas para a porta, não necessitei perguntar de quem se tratava, já que eu reconhecia o modo e os cabelos do indivíduo, sabia que estaria encrencada por ter demorado... — Lin... — ouvi meu nome já sentindo arrepios, comecei a me preparar mentalmente para o que poderia vir. — Me des... — antes que eu pudesse completar minha frase, fui interrompida pela sacerdotisa chefe. — Lin, você não deve saber que dia é hoje por eu nunca ter lembrado dessa data, mas, pelo menos dessa vez eu me lembrei antes de sua infância acabar... — sua voz estava alterada, por um momento eu não estava reconhecendo a velha mais temida do templo, o que poderia ter acontecido...?

Ela se virou, em suas mãos havia um grande baú com duas esferas azuis. — Esse é o presente deixado por sua mãe antes de morrer. Essa é a única herança que deixaram para você antes de tudo ser destruído pelos monstros... — a sacerdotisa deu uma pausa me fitando com um olhar distante, isso me deixava cada vez mais instigada, o que estava acontecendo...? — E eu deveria ter entregado nesse dia especial, o dia das crianças...

— Dia das crianças...? — perguntei receosa. — Sim. E como eu estava mais preocupada em sua educação acabei me esquecendo dessa data. Espero que fique com o presente antes que esse dia acabe, ou nunca mais poderei te entregar o tesouro mais importante de sua família. Dessa vez eu que devo pedir desculpas... — eu estava sem palavras. A chefe estava se reverenciando em minha frente. — N-Não precisa se desculpar, sacerdotisa chefe...

Ela apenas me fitou de volta com seus velhos olhos penetrantes, deixando o baú sobre minha mesinha que estava vazia, não havia lições para hoje, então eu estaria livre até o fim do dia. — Apenas hoje você não receberá trabalhos, mas amanhã começa tudo de novo. Aproveite por enquanto, Lin — a idosa apenas deu uma reverencia com a cabeça e saiu me deixando sozinha.

Fui em direção à mesa para ver o presente, um par de brincos. Uma lágrima escorreu em minha face e me vi chorando como um grande bebê, eu nunca havia chorado assim desde o dia em que fui separada de meus pais. Mas assim que percebi, deixei o garoto me esperando entre as flores. — Ah, o garoto... — comentei enxugando rapidamente as lágrimas, peguei minha caixa de primeiros socorros e corri para o jardim.

Ele ainda estava lá, caído e ainda gemendo baixinho. Aproximei-me e o ajudei a se levantar com alguma dificuldade para que ficasse sentado, perguntei onde doía e comecei a passar uma pomada por seus grandes hematomas. Como alguém poderia fazer algo assim com um garoto como ele? Isso não era justo... Eu tinha que fazer algo, sei que agora eu não posso fazer nada, mas quem sabe mais para frente?

Depois de receber o baú com as joias, percebi o significado por trás daquilo, agora entendia o porquê de a sacerdotisa chefe querer ter me dado antes de minha infância acabar, era para a minha futura decisão em um futuro próximo, onde tudo mudaria dependendo de minha escolha... Era onde eu deveria decidir entre o bem e o mal, entre proteger ou destruir tudo com essas mãos...