Beyond escrita por Ilana Marques, JennyMNZ


Capítulo 10
Adriano


Notas iniciais do capítulo

Demorei. Desculpa. Espero que gostem.



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Por que você sempre tem que acabar com a diversão? - Brisa reclamou depois que eu tomei o celular das mãos dela.

– É só mais um dos meus muitos talentos – falei fazendo uma pequena reverência. Ela sentou na arquibancada que estava vazia naquele momento. Me joguei ao seu lado. Perto demais. De propósito.

Já fazia duas semanas que nós íamos e voltávamos da escola juntos. Nunca foram muito pacíficas estas idas e vindas. Mas eu já percebia que a menina ventania nutria sentimentos por mim. Demorou mais do que as outras garotas, mas ela finalmente se atentou ao meu charme.

Na noite passada eu jantei em sua casa junto com seu pai. Ele é diferente de qualquer pastor que eu conheço. Do tipo que não fica questionando se eu leio a Bíblia, se vou à igreja, se faço toda essa baboseira. Na verdade, ele na maioria das vezes faz uma pipoca de micro-ondas meio queimada e me chama para assistir futebol. Ele é a minha ideia de pai ideal, já que o meu só serve para encher o meu saco.

Minha mãe me ligou para saber onde eu estava. Eu resumi toda a história do meu novo emprego e minhas noites de sono no velho casarão. Ela chorou um pouco. Eu tratei de desligar logo.

– Terra para Adriano?

– Foi mal – disse saindo do meu devaneio.

– Estava pensando no que? - ela inquiriu.

– Em você, meu docinho! - eu segurei seu queixo enquanto ela me dava tapas de leve.

– Sai dessa, garoto! Me deixa em paz!

– Acontece que eu sou a sua paz.

– Você é o tormento da minha vida.

– Ao menos eu faço parte dela.

– Há sempre alguém para se contentar com as migalhas.

Como ela veio com golpe baixo eu a prendi sob os meus braços e fiz cócegas em sua barriga até ela estar vermelha a ponto de pedir por misericórdia.

– Para, para! - ela gritava entre uma gargalhada e outra. E mesmo se debatendo toda não conseguia se desvencilhar de mim. - Eu dou o que você quiser!

– Tem certeza? - Tem gente que fala as coisas sem pensar...

– Quase tudo. Me larga!

Segurei ela de frente para mim.

– Então me beija agora. - ela olhou espantada na direção da minha boca, depois olhou em meus olhos. Só então voltou em si.

– Claro que não! Me solta!

Puxei-a para junto do meu corpo. Pus a boca em seu ouvido. Senti seu coração saltitar junto à minha camisa. E eu jurava que podia ver a veia latejando no seu pescoço.

– Lasanha – sussurrei da forma mais sexy possível. - Hoje. Na sua casa.

Beijei seu pescoço. Ela explodiu. Voltei a fazer cócegas.

***

– Os pratos são seus, Adriano. Não tem escapatória.

– Brisa, veja os seus modos. Seu pai te educou tão bem... Não se dá trabalho para as visitas.

– E desde quando você é visita? Você nunca foi convidado. Só aparece aqui todos os dias como se isso fosse um...

– Opa – eu a interrompi. -, não queremos ouvir palavras feias, seu pai ainda está no recinto.

O pai dela assistia a tudo aquilo com um sorriso de canto.

– Pastor Calebe – eu me dirigi da forma mais honrada possível. - o senhor como único membro possuidor de sabedoria e bons modos, instrua a sua filha sobre como proceder de forma educada para comigo – Sim, eu morei durante um tempo com meu avô e ele fala assim o tempo todo.

– Adriano, sinto te informar que minha filha está certa – senti meu sorriso se desfazer e uma gargalhada formar-se atrás de mim. - Você lava e ela enxuga – ele disse levantando-se da cadeira na ponta da mesa. - E se comportem! - falou, olhando sobre a armação dos óculos.

Girei para encarar Brisa com um olhar destruidor e recebi um pano de prato na cara.

– Pronto para trabalhar, Cinderela?

– Você vai ver quem é a Cinderela aqui!

– Que pena, heim, Adriano. Você pintou suas unhas tão bem...

– Ó, fada madrinha – imitei a voz de uma possível princesa. - Venha me ajudar!

Brisa prendeu os lábios para não sorrir mas não aguentou. Ela riu tanto que eu pude ver que lhe faltava um dos dentes de trás. Ela ficava linda assim. Tão leve, tão brisa. Talvez o Pastor acertara no nome.

Após lavar e guardar toda a louça, nós fomos para fora da casa. O Pastor ainda estava no escritório. Sentamos debaixo da árvore que havia em seu jardim. A casa era pequena, mas bem organizada. Rodeada por uma cerca baixa e um pequeno jardim. Nada comparada à grande residência onde eu cresci.

– Não está na hora de ir não, Adriano?

– Sei que você me ama – Sentei-me próximo dela, que estava com a mochila do colégio no colo. - Não vou trabalhar hoje.

– Qual é, está querendo ser demitido?

– O irmão do dono da lanchonete morreu e ele está de luto por hoje.

– Ah, entendo... - ela subitamente ficou triste.

Eu só sabia um jeito de animá-la.

– Você pode ler a Bíblia para mim?

Ela me olhou intrigada. Colocou as costas da mão na minha testa.

– Você está bem?

– Qual é o problema?

– Você reclama toda a vez que eu estou lendo a Bíblia.

– Porque você é uma viciada... Mas me conta a história pelo menos.

– Qual história? - Brisa se dirigiu a mim com um sorriso.

– A história de tudo. Do começo. Das explosões. - falei animadamente. Explosões eram legais.

– Tá – Ela tirou o livro da mochila e abriu nas primeiras páginas – No princípio Deus criou...

Eu a interrompi.

– Não me diz que você vai me explicar assim...

– Brincadeira! Me dá só um minuto – ela passou os olhos pelo papel e depois levantou a cabeça. - No começo, só existia Deus e mais nada.

– Nada. Defina nada.

– Nada, garoto burro. Tem outra forma de descrever essa palavra? – Ela me olhou como se eu fosse uma criança de dois anos.

– Continue, eu não vou entender mesmo! – eu disse bufando.

– Então... – Brisa falou de forma prolongada. – Deus decidiu criar o universo. Que haja luz, e aí está a explosão que você tanto queria – eu bati palmas exageradamente. - Ele fez um mundo perfeito e o entregou aos cuidados de Adão e Eva, os primeiros habitantes do planeta Terra. Deus os criou com muito amor e os fez parecidos com Ele. Deus colocou uma árvore no meio do jardim onde eles moravam: A árvore do bem e do mal. Mas Deus os proibiu de comer seus frutos.

– An... Por quê?

– Porque Ele proibiu e acabou. Isso tudo para testar a obediência deles. Eles não tinham maldade, eram puros, como as crianças. Se comessem do fruto daquela árvore iriam pecar por desobediência e afastarem-se de Deus. Eis que num dia tenebroso, chega ao jardim, o diabo, o arqui-inimigo de Deus.

– Como esse cara surgiu?

– Ele era um anjo, mas queria se tornar melhor que Deus, aí ele virou o diabo, e os anjos que o seguiram os demônios.

– Entendi – senti um arrepio em minhas costas.

– Ele convenceu Eva de que Deus não queria que ela comesse do fruto porque se isso acontecesse, ela seria como Deus, tendo o conhecimento do bem e do mal. Puro recalque, não é? Então, ela desobedeceu e comeu o tal fruto proibido. E também o deu a Adão.

– Mas Deus não falou que não podia? Por que eles foram tão burros? Se eu fosse a tal da Eva, nem encostava naquela árvore...

– Já aconteceu de alguma vez você saber qual era a coisa certa a fazer e mesmo assim fazer a coisa errada?

– Isso ocorre geralmente... – Eu sorri.

– Então é possível que você fizesse o mesmo no lugar dela. Voltando a história, Deus se entristeceu por eles terem desobedecido a Sua ordem.

– Não tinha como destruir tudo e fazer novas pessoas que soubesse cumprir ordens? Eu faria isso! Povo louco, nem me obedece.

– Claro que Deus podia! Mas Ele não queria ter robôs como filhos. Ele nos ama muito, e por isso, Ele elaborou um plano.

– Um plano?

– Isso. Um plano de salvação. Todos pecaram, e todos deveriam ser condenados. Se o Diabo é o 'pai' dos maus, todos que cometem erros deveriam ficar com ele. - Isso não é bom, pensei. - Deus não queria ver seus filhos sofrendo. Mas só havia um jeito de tirar o pecado do mundo. Era provar que um homem conseguia viver totalmente de acordo com a vontade de Deus. O pecado veio através do homem e deveria sair por meio dele. Mas quem seria capaz de pagar pelos erros de todos no mundo? Ninguém conseguiria carregar todos aqueles pecados. Ninguém conseguiria ir para o Céu por si próprio.

– E aí? Vai todo mundo pro inferno?

– Não! Só vai quem quem quer. Deus tem um filho chamado Jesus. Ele fez uma proposta ao seu filho. Ir até a Terra, nascer como um humano e viver em santidade. Ser condenado e morto pelo erro de todos e salvar o mundo.

– Quê? – eu perguntei – Quem é esse Jesus? Porque ele tinha que sofrer pelos erros dos outros? Esse cara é muito louco! Ele disse não, não é?

– Não, graças a Deus Ele disse sim.

– Mas isso não faz sentido. Quer dizer que ele morreu sem ser culpado e por quem? Por quem Ele nem conhecia?

– Por você - Brisa me interrompeu – Ele sofreu por você. Foi humilhado, crucificado, sentiu todas as dores por você!

– Por que por mim? - eu disse dando de ombros. Até eu achava que não merecia tanta caridade.

– Porque Ele ama você, Adriano.

Eu continuei calado.

– Ele só suportou ficar naquela cruz porque não suportava a ideia de passar a eternidade sem você. Cada gota de sangue que Ele derramou foi pesando que valia a pena salvar a vida da Brisa, aquela garota fraca, que sem a sua misericórdia iria se perder por aí sem esperança alguma.

Cara, aquilo tinha sido forte. Mas a parte da garota fraca foi totalmente verdade.

– Em meio a dor, preso pelos pés e pelas mão em uma cruz de madeira, Ele olhou para o céu e pensou em você, Adriano. Pensou como seria bom te conhecer.

– Brisa, pelo que você tá me falando, esse cara era muito legal. Mas eu sou um mala! Por que Ele quer conversar comigo? Sendo o dono do mundo todo por que ele quer me conhecer?

Ela pensou um pouco.

– Você já gostou de alguém? - Ela perguntou.

– Não.

– Fala sério, Adriano, você tem que ter gostado de alguém pelo menos um pouco.

– Tudo bem, pode ser que eu já tenha me interessado muito por alguém...

– Sem coração – Ela sussurrou. - Você escolheu gostar dessa pessoa ou simplesmente aconteceu?

– Digamos que aconteceu – eu acho que eu estava só um pouco nervoso. Garotas não deveriam conversar assuntos tensos assim.

– A mesma coisa aconteceu com Deus. Ele amou a gente. E quem ama uma pessoa, não quer que ela sofra. Só quer viver mais perto dela.

Encostei a cabeça no tronco da árvore e olhei para o céu. Me perguntei se o Tal Jesus tinha se sentido tão confuso quanto eu estava quando ele estava me 'salvando'. Se é que ele existiu mesmo. Suspirei e me virei para ela. Brisa me encarava, pensativa.

– Tá legal – suspirei. - Continue.

Ela subitamente ficou mais alegre.

– Resumindo: Ele morreu e ressuscitou ao terceiro dia. Desde então esperamos a Sua volta, quando ele irá julgar a todos nós e levar os seus para o Céu. Fim!

– Agora embolou tudo! Só eu quem ficou confuso aqui? Dá pra você me explicar só a parte de Jesus primeiro? Depois você me conta o fim do mundo. Não estou nem um pouco interessado nele.

Ela folheou algumas páginas.

– Vê se não dorme, o texto é longo, mas é legal.

E começou a ler Isaías 53.

Pois o SENHOR quis que o seu servo aparecesse como uma plantinha que brota e vai crescendo em terra seca. Ele não era bonito nem simpático, nem tinha nenhuma beleza que chamasse a nossa atenção ou que nos agradasse. Ele foi rejeitado e desprezado por todos; ele suportou dores e sofrimentos sem fim. Era como alguém que não queremos ver; nós nem mesmo olhávamos para ele e o desprezávamos. No entanto era o nosso sofrimento que ele estava carregando, era a nossa dor que ele estava suportando. E nós pensávamos que era por causa das suas próprias culpas que Deus o estava castigando, que Deus o estava maltratando e ferindo. Porém ele estava sendo castigado por causa das nossas maldades. Nós somos curados pelo castigo que ele sofreu, somos sarados pelos ferimentos que ele recebeu. Todos nós éramos como ovelhas que se haviam perdido; cada um de nós seguia seu próprio caminho. Mas o SENHOR castigou o seu servo; fez com que ele sofresse o castigo que nós merecíamos. Ele foi maltratado, mas aguentou tudo humildemente e não disse uma só palavra. Ficou calado como um cordeiro que vai ser morto, como uma ovelha quando cortam a sua lã. Foi preso, condenado e levado para ser morto, e ninguém se importou com o que ia acontecer com ele. Ele foi expulso do mundo dos vivos, foi morto por causa dos pecados do nosso povo. Foi enterrado ao lado de criminosos, foi sepultado com os ricos, embora nunca tivesse cometido crime nenhum, nem tivesse dito uma só mentira. O SENHOR Deus diz: ‘Eu quis maltratá-lo, quis fazê-lo sofrer. Ele ofereceu a sua vida como sacrifício para tirar pecados e por isso terá uma vida longa e verá os seus descendentes. Ele fará com que o meu plano dê certo. Depois de tanto sofrimento, ele será feliz; por causa da sua dedicação, ele ficará completamente satisfeito. O meu servo não tem pecado, mas ele sofrerá o castigo que muitos merecem, e assim os pecados deles serão perdoados. Por isso eu lhe darei um lugar de honra; ele receberá a sua recompensa junto com os grandes e os poderosos. Pois ele deu a sua própria vida e foi tratado como se fosse um criminoso. Ele levou a culpa dos pecados de muitos e orou pedindo que eles fossem perdoados”.

Isaías 53: 2-12.

Vi uma lágrima cair sobre a Bíblia. Brisa logo a enxugou, envergonhada.

– Ei – eu fiz com que ela me olhasse. – Eu entendi agora.

Ela sorriu. E me perdi no sorriso dela.


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Notas finais do capítulo

Comentem, sugiram, ajudem-me. Cheiro pra quem chegou até aqui.