Beyond the Vengeance escrita por Mello


Capítulo 52
A Prisioneira


Notas iniciais do capítulo

Eu sei que demorei um pouquinho, mas o importante era postar um último capítulo ainda esse ano. E está aí.
Podem estourar champanhe agora.

Boa leitura.



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Era de noite quando se encontraram. Não havia lua ou estrelas no céu. Havia apenas duas pessoas no caminho. A princípio parecia um casal, mas ao olhar para a garota ficava claro que não o eram. Ela estava armada com um arco, já o garoto estava de mãos vazias. Porém era ele que parecia estar calmo, ao contrário da garota ao seu lado.

Aquela garota… tenho pena dela?

Ela era feita de vidro, uma fina e plana vidraça. Tão transparente… Tão frágil… Se despedaçando ao menor toque, rachando em mil pedaços. Até a brisa do destino poderia quebra-la facilmente, mas parecia que outra pessoa se encarregara de tomar a tarefa para si.

Tinha uma expressão determinada no rosto, mas era falsa. Tentava segurar o arco com firmeza, mas suas mãos estavam tremendo… não, seu corpo todo estava. Uma leve, quase imperceptível, mas ininterrupta tremedeira. Seus olhos mal piscavam, mas pareciam prestes a se fechar a todo o momento. Havia sinais de cansaço por todo seu corpo… mas também em sua mente. Especialmente em sua mente.

O que havia acontecido para que chegasse a tal ponto? Medo? Raiva? Desespero? Havia tantos sentimentos tão profundos nela… mas ao mesmo tempo ela parecia tão vazia. Era como se não houvesse mais esperança, como se ela não tivesse mais salvação. Ou talvez ela simplesmente não acreditasse que havia.

Sim, realmente tenho pena dela.

— Sou eu quem não tem salvação, criança. — As palavras morreram dentro da garganta, sem que nenhum ruído saísse dela, como se não tivesse permissão para falar naquela situação.

Outra boca se abriu para falar ao seu lado e desta saiu algum som. Eram palavras que não deveriam ser ditas, mas, assim como não tinha permissão para falar, não havia como interferir. Era apenas uma espectadora solitária, de algo que já havia acontecido. E, como tal, quando uma flecha foi disparada em direção da voz que havia acabado de falar, nada pode ser feito além de assistir.

 

A prisioneira acordou de seu curto sono, embora não pudesse classificar aquilo como um sono realmente. Enquanto toda aquela cena se desenrolava em sua cabeça, seu corpo descansava, mas a mente estava ativa. Pensando, refletindo. Vendo a garota que chamara sua atenção disparar contra sua companheira de viagem.

Teria algo que ela pudesse ter feito para evitar aquilo? Talvez se tivesse fugido ou se escondido antes… mas não. Só alteraria a ordem dos eventos e não seu resultado. Além disso, seu tempo de correr tinha se esgotado há muito tempo atrás.

Ela abriu os olhos lentamente, sua visão se acostumando rapidamente à escuridão. Havia uma vela acesa além das grades de aço negro que delimitavam sua cela. Numa cadeira de madeira rudimentar alguém desconhecido dormia numa inclinação precária, como se fosse cair de seu assento a qualquer momento. Embora não soubesse quem era, estava muito claro qual era seu propósito ali: vigiá-la.

Então estas grades e estes grilhões que me prendem não são o suficiente?

Embora estivesse exausta, com cortes e arranhões por todo o corpo, o rosto inchado, o tornozelo quebrado e os pulsos dilacerados, ela sorriu. Apesar de tudo ainda a temiam. E ela faria ao máximo para se aproveitar isso.

A cadeira rangeu quando seu vigia acordou. Rapidamente ela fechou novamente os olhos e permaneceu imóvel, fingindo estar dormindo ou (como esperava que acreditassem) morta. Refletiu um momento sobre as implicações de abdicar da visão num momento como aquele e decidiu permanecer com os olhos fechados. Não precisava deles para realmente saber o que estava acontecendo ao seu redor.

Concentrou na área a sua volta. Embora seus poderes já estivessem no fim e ela quisesse poupa-los o máximo possível, achou que seria mais útil usá-lo para saber quando agir do que guarda-los para agir às cegas.

A partir da área onde estava a visão que seu poder lhe concedia começou a se expandir. Ela viu as paredes de concreto sem pintura a sua volta, as correntes pressas na parede que lhe prendiam os pulsos, a grades da cela, a cadeira onde seu vigia agora esfregava os olhos nervosamente, uma lâmpada queimada que pendia no teto, a vela ao lado do vigia que substituía a lâmpada em seu dever de fornecer luz e mais além outra cela exatamente de frente para sua. O vigia estava sentado no corredor entre as celas. Havia pelo menos quatro. Outro prisioneiro estava amarrado na cela ao lado. Em outra cela, esta aberta, algumas caixas estavam empilhadas.

O vigia estava claramente nervoso por estar ali. Olhava a todo o momento para sua prisioneira e em todas às vezes não percebeu nenhum sinal de vida dela. Seu rosto se aproximou da grade e ele a olhou fixamente. Se estava procurando algum sinal de respiração, poderia olhar durante uma hora inteira e não veria nada. Sua preocupação pareceu aumentar mais ainda até que por fim o som de um molho de chaves anunciou sua decisão.

Hesitante, ele colocou a chave na fechadura e girou. A prisioneira permaneceu inerte, sem reagir ao sonoro click que a fechadura fez ao ser destrancada, nem ao ranger das dobradiças quando a cela foi aberta.

Mais um pouco.

Ele avançou lentamente até estar à distância de dois metros dela. Sem se atrever a chegar mais perto ele gritou:

— Ei!

Nada, nenhum sinal de vida.

Ele gritou novamente, mas em vão. Aproximou-se mais um passo.

Mais um pouco.

Ele se abaixou até que seu rosto ficasse no mesmo nível que o dela. Olhou por mais alguns minutos, hesitando. Então finalmente esticou o braço, prestes a tocá-la, verificar se ainda estava viva.

— O que está fazendo, Siani?

O vigia deu um salto para traz acompanhado de um grito de susto. Até mesmo a prisioneira, com seus extensos anos de experiência, quase se sobressaltou com a voz, apenas quase. Quando ele tinha chegado?

— Droga! Você quase me matou de susto! — O vigia encontrou sua voz, mas, apesar da reação inofensiva que lhe passava na fala, seu nervosismo não havia diminuído. Ao contrário, tinha aumentado.

O recém-chegado puxou o capuz que lhe cobria a cabeça antes de responder. A prisioneira o reconheceria mesmo que não o tivesse feito. Ricohard ou Richard, como normalmente se apresentava para esconder sua nacionalidade alemã, era aquele por traz de sua captura, aquele que estivera ao lado da garota, guiando-a passiva e sutilmente para sua própria destruição.

— Não se precipite tanto Siani, eu ainda não me decidi se vou ou não te matar.

Siani, como Richard chamara o vigia, tentou não parecer com medo, mas não pode evitar engolir em seco com a declaração. A prisioneira estranhou o nome de seu vigia. Conhecera uma única Siani na vida (o que para ela era um número extremamente baixo), mas ainda assim essa Siani era uma mulher, uma jovem do país de Gales. Apesar do nome, ela tinha quase certeza de que o vigia que a observara era um homem e isso a preocupou. Teria ela se enganado? Seus poderes estariam tão enfraquecidos que já não podia mais fazer tal distinção? Seu rosto permanecia parado, mas agora era ela que lutava pra esconder o nervosismo. Tentou se concentrar em sua volta.

— Você ainda não respondeu minha pergunta. O que estava fazendo? — Richard insistiu.

Siani olhou para a prisioneira uma vez antes de responder.

— Ia verificar se ela estava viva. Estou observando ela há algum tempo e não vi nenhum sinal de vida. Ela não está nem respirando. Você só me disse para cuidar para que ela não escapasse, não falou nada sobre ela morrer no processo.

Richard deu uma gargalhada que ecoou pelas celas. Ele se aproximou, sem nenhum pingo de nervosismo. Empurrou Siani para o lado e ficou de frente para a prisioneira.

— Ela não vai morrer. Nem mesmo vai desmaiar.

Siani moveu seu peso de um pé para o outro.

— Mas ela não está respirando…

Sua fala foi interrompida pelo som de um tapa. Richard usou toda a força para estapear o rosto da prisioneira. Ela se manteve em seu papel de morta, mas sabia que agora seria inútil.

— Você aguenta, não aguenta? Tudo isso é apenas mais um arranhão pra você. Não seja tão tímida, Siani ainda não viu seu olhar desafiador. — Richard se virou para Siani antes de continuar — Confie em mim, Siani, é uma visão de se admirar.

Como resposta a prisioneira começou a se mover. Alinhou sua cabeça para frente, para cima e quando seus olhos se abriram, encaravam o líder da Ordem que a havia capturado. O “olhar desafiador”, como ele havia chamado estava estampado em seu rosto, fuzilando-o com os olhos. Apesar de Siani não ser o alvo, ele deu um passo para trás ao vê-la de olhos abertos. Siani estava na frente da luz da vela, tornando difícil distinguir os detalhes de seu rosto e corpo, mas o cabelo curto e a silhueta franzina pareciam pertencer a um garoto.

Provavelmente ele tem apenas um nome estranho.

— Eu não disse? Parece viva o suficiente para você, Siani?

Siani não disse nada, espantado demais para falar. Richard exibia um sorriso presunçoso e despreocupado.

— Até quando vai me encarar dessa forma? — Perguntou como se fosse algo causal.

— Até vê-lo deitado sobre seu próprio sangue e usar suas últimas forças para implorar pela morte. — Ela respondeu de forma calma, mas decisiva.

Richard riu brevemente antes de agarrar seu rosto e olhá-la bem de perto. Era o que ela queria, que a tocassem. Imediatamente se concentrou, ignorando as provocações. Todos seus sentidos estavam voltados para uma tarefa: usar o poder de Richard contra ele mesmo.

Segundos se passaram, os olhos de Richard brilharam em um tom azul. Nada aconteceu.

— Você não tem mais poder sobre mim. — ele declarou vendo a confusão nos olhos da prisioneira. Ele a largou, como se só tivesse a tocado para demostrar o quão impotente ela estava. — Podemos negociar agora? Seria mais fácil se você cooperasse.

— Eu preferia morrer. Isso é claro se você fosse capaz de me matar, mas como não é minha resposta continua sendo não!

— Até quando acha que pode aguentar?

— Você estaria morto antes que eu sequer chegasse a cogitar a ideia de desistir.

— Talvez você tenha razão. — Richard sorriu. Uma reação muito estranha em relação ao que tinha acabado de dizer. — Mas tenha certeza disso: no final eu ainda vou vencer. Não importa o que você ou qualquer um faça.

— Acha mesmo que tem alguma chance? — Ela riu. — Parece que subestimei sua idiotice. Criar tal “Ordem” não foi prova o bastante de estupidez? Ainda quer ir além e acreditar que ela vai ter sucesso? Você não pode me manter aqui por muito tempo. E não conseguirá nada de mim. Sua busca está destinada a acabar em ruína! E eu vou pisar e esmagar cada destroço que sobrar de você!

Novamente Richard sorriu como se estivesse esperando ansiosamente aquela reação.

— Então não vou conseguir nada de você, não é? Que bom então que você não é mais necessária para que eu consiga aquilo.

— O quê?!

— Exatamente o que ouviu. Assim que o nosso colega ali da cela ao lado acordar podemos conversar sobre uma solução de meu pequeno problema. Diferente de você parece que ele é bem mais cooperativo. Ele será a chave para minha ascensão.

Um segundo se passou enquanto a mente da prisioneira trabalhava. Até que as palavras de Richard fizeram sentido. Uma em especial.

— Você não pode estar se referindo a… — ela não teve coragem de completar a frase. Como se a mera menção daquilo pudesse desencadear uma destruição em massa de tudo.

— Sim. — Richard afirmou com deleite. — É exatamente disso que estou falando.

A cabeça de prisioneira despencou, como se ela não tivesse mais forças para mantê-la erguida. Se o que ele disse sobre a pessoa na cela ao lado fosse verdade, tudo estaria perdido. Não haveria o que ela pudesse fazer e, talvez, ninguém pudesse. Esperava que ninguém soubesse daquilo. Era algo que já deveria ter sido resolvido há muito tempo. E, acima de tudo, algo que deveria ser mantido em segredo absoluto. A maioria dos deuses nem sabia daquilo.

Como ele obteve tal informação?

Richard começou a dar risada.

— Vamos lá! Onde estava toda aquela confiança de agora a pouco? Não me diga que vai ficar assim só porque acabei com seu grande truque?

Ele a cutucou uma vez. A prisioneira se lembrou de uma cena muitos anos atrás, onde vira duas crianças cutucarem um cachorro ferido… que eles mesmos haviam ferido.

Vamos lá! Já está morto? Nem teve graça.

Por que se lembrara de tal episódio numa hora como aquela? Justamente o episódio que a condenara para sempre…

Como cutucar não estava surtindo nenhum efeito, Richard aproximou novamente o rosto, falando mais alto, provocando do mais perto possível.

— E então? É só isso que você tinha?

Como resposta, a prisioneira virou a cabeça rapidamente para ele, cuspindo, atingindo-o em cheio no rosto. Antes que pudesse fazer mais qualquer coisa, uma bota acertou seu rosto, abrindo um corte em sua sobrancelha.

— Sua… porca! — Richard gritou, limpando o rosto.

— Essa é minha negociação. — A prisioneira respondeu. — Esteja feliz que eu tenha sido tão bondosa com você. Não é digno de negociar nem com a lama de meus sapatos.

— Você vai se arrepender dessas palavras. — Ele disse num tom baixo, mas perigoso. — Da próxima vez que eu vier aqui esteja preparada, farei você engolir cada insulto. Você vai assistir a destruição de tudo que protegeu todos esses anos. Farei questão que você veja de perto.

Dizendo isso Richard saiu trancando a cela. Siani quase foi trancado junto, mas conseguiu sair antes que a porta se fechasse. Com certa relutância, ele seguiu Richard quando este se afastou corredor afora.

A prisioneira finalmente respirou fundo, mas não era um alívio na tensão e sim uma preparação para o que estava por vir. Embora frustrante, ela tinha perdido completamente aquela batalha e agora precisava enfrentar as consequências. Havia uma única saída para ela agora. A mais vergonhosa e dolorosa, mas a única que restava. Com um desconcertante sentimento de nostalgia, ela sentiu uma única lágrima escapar de seu olho esquerdo.

— O tempo está me deixando sentimental. — Falou para si mesma.

Agora que suas opções tinham se esgotado, talvez fosse normal chorar. Ela se perguntou qual fora a última vez. Lembrou-se de uma vez em que sua companheira de viagem, completamente insensível para perguntas sem escrúpulos como era, lhe perguntou algo do tipo. Você nunca chora?

— Minhas lágrimas acabaram muito tempo atrás. — Ela se lembrou da resposta em voz alta. Seu olhar se voltou para frente, mas não para as grades que a prendiam. Sua visão ia além, muito além. — Me desculpe, minha senhora. Eu falhei.

Resignada, ela fechou os olhos novamente. Pela primeira vez em anos (mais do que ela poderia lembrar) não teve certeza de quando os abriria novamente.


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Notas finais do capítulo

Espero que todo mundo tenha curtido o natal, mas não curtido demais a ponto de não conseguir ir na festa de ano novo. E falando nele, feliz ano novo!

Obrigado por lerem e até a próxima!



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