Beyond the Vengeance escrita por Mello


Capítulo 41
O Caminho para o Amanhã


Notas iniciais do capítulo

"— Disparar para a direita!
— Sim!
— Disparar para esquerda!
— Sim!
—Dis… dispare em direção ao amanhã…"

Boa leitura.

P.S: Tenho que parar com esse vício...



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Acordei com uma terrível dor nas costas. O banco no qual eu havia dormido não era exatamente confortável. Para falar a verdade eu nem ao menos pretendia dormir ali, mas perdi os rumos dos meus pensamentos até o ponto em que adormeci… numa posição desconfortável para dizer o mínimo.

Alguns pássaros já começavam a cantar, embora ainda estivesse escuro. Em algum lugar além do doujou, a luz do sol começava a aparecer, porém ainda muito fraca. Sentia como se tivesse dormido por no mínimo doze horas, talvez mais. Estava completamente perdido pelo fuso horário.

Imediatamente percebi que estava faminto. Vasculhei minha mochila a procura de algo que pudesse comer. Ironicamente tudo que encontrei foi um pacotinho de amendoim japonês (no que eu estava pensado quando comprei essa coisa?). Não era exatamente uma refeição balanceada, mas enganaria o estômago por algumas horas. Tudo estava indo relativamente bem até ela chegar.

A menina que havia me derrotado no dia anterior estava vindo até mim. Vestia-se praticamente da mesma forma que ontem, mas dessa vez também estava usando um cinturão onde prendia uma katana. Caminhava com a mão apoiada no cabo da mesma. Julguei que aquilo era apenas um costume, mas instintivamente levei a mão até o pingente da espada. Imaginei se ela iria me expulsar dali. Tecnicamente eu ainda estava na propriedade então ela tinha o direito de literalmente me chutar dali, ao menos nos Estados Unidos, eu não sabia muito sobre a legislação do Japão.

— Precisa de tudo isso pra me expulsar? — perguntei com desdém.

— Não fique tão preocupado só porque eu te derrotei ontem, amador.

— Um golpe de sorte.

— Uma derrota bem feia.

— Talvez porque eu ainda não esteja acostumado a lutar com palitos de dente. Mas se não vai me expulsar, por que está aqui?

— Katsuo-sensei me pediu pra te acompanhar até o templo. Ele não pode se ausentar do doujou por muito tempo e eu sou uma das poucas que fala sua língua.

Pelo menos ela deixou claro que fazer aquilo não estava listado como uma das suas atividades favoritas. Tanto melhor assim. Por mais que sua companhia fosse irritante, pelo menos não faria questão de perder tempo naquilo. E eu faria um esforço para que durasse o menor tempo possível. Tinha que achar alguma pista sobre a Ordem. Era nisso que deveria me concentrar.

— Muito bem então, podemos ir — disse passando a mochila por cima do ombro.

Kin deu meia volta e começou a caminhar, indo a minha frente. Meu olhar caiu sobre sua katana. Por um momento me perguntei se Kin tinha sido escolhida apenas por saber minha língua ou se havia outro motivo. Se Katsuo ainda achava que eu podia ser um perigo e por isso mandara Kin, porque ela tinha me… me derrotado. Forcei-me a pensar em outra coisa. Sendo verdade ou não, não faria diferença. Estava indo para investigar e não para causar confusão. Além do que em uma luta de verdade, com armas que eu estivesse acostumado, ela não teria chance.

Nós demos a volta no Doujou até a parte de trás, onde havia uma espécie de estrada de terra. A estrada seguia diretamente para onde o sol estava nascendo, ofuscando minha visão. Em certo momento tudo que via era a silhueta de Kin, andando a frente. Achei estranho que ela andasse a frente daquela maneira. A priori considerei aquilo uma forma de “se por a frente” de mim, como um ato sútil de superioridade, mas logo abandonei o pensamento e comecei a pensar racionalmente. Era quase certo de que eu ainda não era considerado uma pessoa confiável ali. Por que ela andaria a minha frente? Se eu fosse um inimigo poderia ataca-la facilmente pelas costas. Com a luz do sol ofuscando o olhar daquela maneira, seria natural se ela andasse um pouco atrás ou ao menos emparelhada comigo, mas ela escolheu andar a frente. Por quê?

A estrada de terra começou a se estreitar até não ficar quase estreita demais para um carro passar. Árvores margeavam a estrada em ambos os lados. Andamos por aproximadamente duas horas até que o cenário mudasse novamente. Uma colina surgiu à esquerda, enquanto a floresta a direita ficara mais densa. Kin permanecia quieta, andando no mesmo ritmo desde que saímos do doujou, sempre com a mão apoiada no cabo da katana. Era incômodo permanecer por tanto tempo em silêncio, principalmente depois de algumas horas de caminhada. Minhas costas já não doíam por ter dormido no banco de pedra, mas o peso da mochila tinha conseguido substituir muito bem o incomodo.

Depois de três horas de caminhada, finalmente surgiu algo para se falar. A estrada tinha se estreitado o bastante para passar a ser chamada de trilha. Na floresta à direita surgiu mais uma trilha, ainda mais estreita. Se me lembrava bem não deveria haver mais caminhos para aquele local.

— Pensei que Katsuo havia dito que o caminho pelo doujou era o único caminho para o templo. Mas e aquela trilha? Aonde leva?

— O caminho pelo doujou é o único que alguém tentaria para chegar ao templo — Kin respondeu — Quanto aonde a trilha leva não é importante para você saber. Enquanto nos guardamos o caminho principal, a própria natureza guarda este. Não há motivos para se preocupar.

Realmente não confiavam em mim. O que só tornava tudo ainda mais estranho.

— E sobre o templo? Há alguém que cuida dele?

— Certamente que sim. O templo também serve de morada para os Hijiri. Eles cuidam do templo e de tudo que ele precise.

Hijiri?

— Acredito que na sua língua a melhor tradução seria “homem santo”, embora isso por si só não explique quase nada do que eles realmente são. Há muita coisa para se falar deles. Eles podem ser comparados com os Sōhei. Ou até mesmo confundidos com os Yamabushi. Estes últimos vieram dos Hijiri.

— Pode, por favor, voltar a falar a minha língua — reclamei.

— Oh, então vocês sabem pedir ”por favor”? Achei que vocês fossem mal-educados por natureza.

— É bom saber que tem uma impressão tão positiva sobre mim — retruquei.

— Hum… Tem razão sobre isso, essa é uma impressão mais pessoal do que geral. É errado julgar um povo por apenas um indivíduo. Talvez eu devesse focar em um exemplo melhor, como a Michelle.

— Ou talvez você devesse parar de desviar do assunto.

— Isso justifica minha opinião sobre você… Mas voltando ao assunto: a forma mais simples que encontro de explicar para você é dizer que eles são como monges guerreiros… é triste reduzi-los a isso, mas é o máximo que você provavelmente compreenderia se eu explicasse. Para falar a verdade os Hijiri daqui especificamente são um pouco diferentes dos tradicionais. Por esse motivo é tão confuso explicar porque eles não são Yamabushi ou Sōhei. Geralmente vocês o colocam todos na mesma “caixa”.

A forma como ela falava tudo aquilo era extremamente irritante. Soava como se ela me colocasse numa posição extremamente inferior ao resto do mundo, mas ao mesmo tempo com um ritmo calmo, quase casual. Isso combinado com as sutis insinuações era realmente irritante, mas tinha decidido que não iria comprar a briga.

— Bom, não é importante realmente neste momento. A propósito, estamos andando a mais de três horas, onde é esse templo afinal.

— Não se preocupe, já estamos chegando — ela andou por mais alguns metros e parou. A nossa frente, a trilha fazia uma curva e começava a subir — Só precisamos subir a montanha até o templo. Umas duas horas de caminhada.

Olhei para a montanha. Não era, para os padrões de uma montanha, exatamente grande, mas ainda assim era uma montanha, e o que não tinha de alta, tinha de larga. Julgando pela inclinação leve da trilha demoraria realmente uma eternidade para alcançarmos o topo. Tudo que podia fazer naquele momento foi suspirar e continuar andando.



— Uau! — exclamei.

Estava extremamente cansado, mas isso não me impedia de apreciar a visão do templo. O lugar não era tão grande quanto o Doujou, mas definitivamente mais bonito. Era todo rodeado de árvores, plantas, flores… tudo parecia ser natural do ambiente, mas ainda assim parecia ser cuidado periodicamente. Na frente, uma pequena coluna parecia exibir o que chutei ser o nome do templo. Logo após um grande arco Japonês pintado de vermelho se erguia imponente, exibindo o caminho da entrada. Esta estava estranhamente decorada com algum tipo de corda que, por incrível que pareça, deixava o lugar bonito. As cordas estavam trançadas de forma a deixar três pontas apontadas para baixo sobre a entrada. Em todas as três pontas as fibras da corda se espalhavam, tomando a forma perfeita de um sino. Entre cada sino havia uma dobradura de papel em forma de raio.

— Você não vem? — Kin perguntou. Estava tão impressionado com o lugar que tinha parado de andar.

— Ah, claro. Só fiquei surpreso com o templo.

Pela primeira vez naquele dia Kin sorriu.

— Todo mundo fica pela primeira vez. E não é um templo, é um santuário — ela suspirou — Como eu disse vocês colocam tudo na mesma “caixa”.

— Qual a diferença então?

— Um templo Budista é chamado de Otera, enquanto um santuário Xintoísta é chamado Jinja. Quem sabe até o fim do dia eu consiga fazer você evoluir um pouco em questão de cultura.

Tive vontade de dizer que esqueceria tudo ao fim do dia, ou no máximo me lembraria de uma ou outra coisa até voltar para a América, mas decidi deixá-la falando.

— O portal se chama torii. Ele indica que todo o espaço dentro dele é sagrado, por isso tente não fazer nenhuma besteira.

Hai, Hai — respondi monotonamente.

— Vou considerar isso um progresso. Continuando: o caminho até o Jinja no qual estamos caminhando se chama Sando, ele serve para acalmar e relaxar a mente dos visitantes.

O caminho era realmente dos mais tranquilos, embora eu ainda preferisse uma cama para relaxar. Algumas árvores menores delineavam o Sando. Um pouco mais próximo do tem… santuário havia construções menores de ambos os lados. Seguiam o mesmo estilo do santuário, mas estavam separados do mesmo.

— E o que são…

— São os alojamentos dos Hijiri — ela respondeu antes que eu completasse a pergunta.

Seguimos pelo caminho até chegarmos perto de outra construção. Tinha colunas de madeira e telhado, mas não havia paredes, quase como se tivesse sido construída apenas para proteger algo da chuva. Havia uma espécie de bacia de pedra com água dentro e conchas de ferro com os cabos de madeira para fora d’água.

— Esse é Temizu-sha, fonte de purificação. Daqui pra frente faça o que eu fizer.

Kin foi até uma das conchas e com uma delas derramou água sobre as mãos. Logo depois ela colocou um pouco de água nas mãos e levou até a boca. Comecei a fazer o mesmo.

— Não beba a água! — ela avisou, quase tarde demais — A água serve apenas para se livrar das impurezas.

— Ok.

Depois de tudo isso, chegamos à entrada do santuário. Além da decoração com as cordas, ele era pintado de vermelho e bege, assim como o alojamento dos Hijiri.

— Essas cordas são chamadas de shimenawa. São feitas de palha de arroz trançadas e enfeitadas com esses “raios de papel” chamados shidê.

Kin se aproximou da entrada e tirou os sapatos. Fiz o mesmo. Seguimos até um altar onde havia um sino pendurado por uma corda. Ela tirou uma moeda do bolso, colocando-a em um local apropriado e tocou o sino. O barulho ecoou durante alguns segundos antes dela começar uma espécie de ritual ao qual eu a imitei: Curvamo-nos duas vezes para o altar, batemos palmas duas vezes e nos curvamos de novo para o altar. Kin permaneceu por alguns segundos com as palmas das mãos juntas e os olhos fechados. Imaginei que estava fazendo algum tipo de oração, mas sem saber o que fazer apenas continuei com as mãos juntas, esperando-a.

Um cara apareceu ao mesmo momento em que ela abriu os olhos, quase como se tivessem combinado. Estava com vestes verdes parecidas com um kimono, porém com mangas mais largas do que deveriam ser. Faixas de tecido de um tom mais escuro prendiam suas vestes na cintura. Tinha bem a aparência de um monge japonês comum, exceto talvez por ter olhos verde-claros.

Kangei shimasu — ele disse se curvando, num cumprimento imaginei.

— Tsukino-sensei — Kin cumprimentou.

— Kin. Koreha… — ele se virou para mim. Imaginei se devia me curvar também.

— Seu nome — Kin avisou.

— Ah, Terry. É Terry Rivers.

Terii. Desculpe se meu inglês não está tão afiado quanto o de Kin. Faz muito tempo que não pratico.

— Não se preocupe com isso.

— Bom, imagino que você tenha algumas perguntas pra mim, mas imagino que vocês devem estar cansados e estamos quase na hora do almoço. Tudo bem se almoçarmos antes?

Tive vontade de gritar de satisfação.

— Sim, por favor!


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Notas finais do capítulo

Desculpem pelo capítulo “filler” e por ter transformado ele numa aula :v
Me empolguei demais na pesquisa XD mas no próximo volta ao "normal".
E caso não tenham descoberto nada sobre a referência lá em cima, fiquem com essa:
“Canhões a direta deles, canhões a esquerda deles, canhões a frente deles! Uma salva de tiros e um estrondo!”

Muito obrigado por lerem e até a próxima!



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