É pequeno, amável, deplorável e verdadeiro. Cigarros queimando para uma morte iminente. É obvio que eu sabia o que estava fazendo. Não sou estúpida. Mas é realmente hilário olhar para meu reflexo com um rosto estampado de mentiras.

Mas me alegro em saber que não sou a única. Cada pessoa nesse mundo possui as verdades presa entre os dentes, e a realidade nos olhos.

Admiro o cigarro entre meus dedos. O único traço de realidade do sonho que você construiu pra mim. O sonho mais lindo que uma mulher pode imaginar. Onde eu me mantenho presa. Por você. Por mim? Não sei. Pela minha sanidade talvez.

Eu ouço o som da porta se abrindo. O som de passos. Os seus passos. Lentos, porém decididos, firmes. O som tão característico da sua chegada. E logo o objeto é retirado de minha mão. Você murmura algo em relação à minha saúde, segura meu rosto entre seus dedos e sorri. Aquele sorriso tão doce e otimista. Aquele sorriso que dizia que você não estava realmente bravo por me ver fumando, aquele sorriso que sempre dizia que tudo estaria bem. Você é perfeito demais pra mim. Irreal demais pra mim. Eram nesses momentos que eu percebia. O sonho havia começado novamente.

Minhas intenções dissolvem as paredes. O espaço entre a minha respiração e os sonhos é coberto pelo vômito das promessas.

O devaneio é cristalino, atordoando meus olhos como uma onda de calor. Todas as verdades se aglomeraram entre esse instante e o outro.

Todas as palavras são jogadas ao vento, meus ouvidos se lacram, minha boca se tampa. É incrivelmente calmo e ninguém percebe a diferença.

Eu não ouço, eu não falo, fico fitando meus pés, as sapatilhas gastas e minhas mãos douradas do sol. Gotas de lembranças passam pelos meus olhos. O inverno invade meus ossos. E tudo outra vez.

Ele estava deitado em minha cama. Enrolado entre os cobertores quentes. Uma expressão tão serena que eu quase poderia me sentir culpada por furtar um pouco da sua tranqüilidade. Um pequeno sorriso estampado nos seus lábios, e logo meu nome saia por entre eles. Provavelmente estava envolto em seu sonho. O sonho que eu construí, para que pudesse sorrir ao seu lado. Eu me levanto e ando pelo parque ao lado do apartamento. O vento frio e as árvores nuas denunciavam a chegada do inverno. Um ano. Durante um ano viemos mantendo esse sonho maravilhoso. E olhando para a janela de meu apartamento eu sussurro um pedido de desculpas, que nunca mais reconheceria o tom de minha voz. Eu sabia que ele estava tão perdido quanto eu.  Estava tão preso à essa ilusão quanto eu. Minha culpa. Ao menos, eu sabia o quão escuro era a realidade em que eu o coloquei.