Voltei pra perto da tenda de onde acordei e encontrei Kage e o garoto sentados
no chão, Kage estava estancando o nariz do pequeno eu com um pano, perguntei o
que aconteceu e Kage disse:

— Eu e ele estávamos tentando pegar algumas frutas nas árvores e ele acabou
caindo de cara no chão.

— Okay, mas...

Olho pro lado e pergunto a ele:

— Que que é isso?

— Ah, é um lobo, ele estava na frente do Stan quando ele caiu, ele chegou perto,
lambeu ele, parece estar sozinho por aqui, acabou que voltamos pra cá e ele nos
seguiu.

Dei uma olhada, era uma criatura tão bonita, patas longas, dentes fortes, cauda
longa, seu pêlo em todo o corpo era branco porém em volta de seu pescoço era
cinza, como um colar. Eu disse:

— Que bonitinho. Quer dizer que agora a gente tem um bicho de estimação?

— Na verdade, ele vem seguindo o garoto, acho que ELE tem um novo amigo.

O garoto ficou todo animado:

— Posso mesmo ficar com ele? Nunca pude ter um animal onde morava.

Kage estava com aquele sorrisinho idiota no rosto, e então eu disse:

— Não tem problema, a gente não vai conseguir cuidar de você o tempo todo,
parece que esse trabalho agora é do...?

— Nacho.

Eu e Kage olhamos pro garoto com uma bela expressão de confusão que não é
possível. E então ele completou:

— Que foi? Eu gosto de Nachos.

— Ainda nem sabemos se é macho ou fêmea.

Demos uma checada e ela era fêmea, ela ficou com uma carinha de quem não estava
entendendo nada, coitada. Acabei escolhendo o nome eu mesmo:

— O animal é seu mas vou escolher o nome, vai se chamar Fantasma.

— Ela não parece gostar de Fantasma.

— Agora você é especialista em lobos? Não sabia nem o sexo dela. Ela é toda
branca, como um fantasma, então vai ser esse o nome.

Ela latiu, acho que ela ficou com raiva do meu jeito de falar com o garoto. Kage
chegou perto de mim e disse:

— Precisamos conversar sério.

Deixamos o garoto alimentando o lobo com carne de coelho e fomos para um lugar
mais reservado:

— Então, o que você queria falar comigo?

— Antes dele cair, eu pude ouvir alguns passos pela floresta, pelo menos 10
pessoas estão vindo nesta direção. O que faremos?

— Quanto tempo pra chegarem aqui?

— Com sorte, uma hora.

— Fala com o curandeiro, ele deve ter alguma idéia, vou procurar a Morgana e
deixá-la com o garoto.

— Outra coisa. Não fica destratando o garoto, não acha que deveria tratar melhor
alguém do seu sangue? Ou melhor, você mesmo?

— Não acha melhor que não era nem pra eu e ele nos conhecermos? Quanto menos
memórias boas ele tiver de mim, melhor, agora vai falar com o Garan que eu tenho
que descobrir ainda o que vou fazer, se encontrar Morgana, diga para ela voltar
para a cabana e ficar com o garoto.

Ele saiu indo atrás do curandeiro, deixei o garoto junto com a Fantasma dentro
da cabana e entrei pela floresta, tentando achar as tais pessoas que Kage tinha
comentado. Após meia hora andando, eu comecei a ouvir passos, não pude avançar
mas pude dar uma olhada nas pessoas, usavam roupas parecidas com os da tribo do
Garan, tinham alguns detalhes a mais em suas peles, como tatuagens e afins,
porém um deles estava sendo carregado nas costas de um amigo dele. Voltei para a
tribo e contei ao Garan o que havia visto, ele me perguntou:

— Por acaso você reparou se um deles era cego de um olho?

— Não, só vi que eles usavam as mesmas roupas que vocês. E se eu tivesse visto
alguém assim? É alguém importante ou mais um que quer te matar?

— Podem ser os nossos caçadores e essa pessoa cega de um olho é o nosso melhor
caçador e protetor da aldeia.

— E como você deixa sua tribo sem protetor pra ir caçar?

— Precisávamos bastante de mantimentos, estávamos escassos. Tenho certeza que
devem ser eles, vamos esperá-los.

Fomos até o centro da aldeia onde rolou a tal festa no dia anterior e
encontramos Kage do lado de fora da tenda, ele disse que os outros estavam ali
dentro, contamos quem aquelas pessoas deveriam ser e ele ficou mais
tranquilizado. Poucos minutos depois eles chegaram e pediram para cuidarem
daquele que estava sendo carregado, logo percebi que o homem que estava
carregando o ferido era o meio cego que Garan tinha mencionado, ele tinha um
semblante de alguém sofrido quando chegou mas ficou um pouco mais feliz quando
viu Garan, o abraçou e perguntou quem nós eramos, eu e Kage nos apresentamos,
Garan disse que tinhamos salvo sua tribo e ele ficou grato, mesmo não sabendo
que eu tinha matado um deles em outra ocasião, aliás, ainda bem que Garan não
fica contando isso para todos. Ele disse que precisava conversar com Garan em
particular e eles foram para sua tenda. Eu e Kage entramos na "nossa" tenda e
aproveitamos pra jogar um pouco de conversa fora com o resto do nosso grupo.
Logo quando entramos, Morgana disse:

— Kage, eu vi que você estava caidinho por uma das moças da aldeia, aconteceu
alguma coisa?

— Pois é, estava pra contar isso antes e acabei esquecendo mas...será que é uma
boa idéia o Stan ouvir isso?

Nós 3 olhamos para o garoto e a Fantasma, ambos olharam um para o outro e o
garoto disse:

— Tá bom gente, eu saio.

— Não, pode ficar, um dia você aprenderá essas coisas sozinhos de qualquer
forma, não tem problema você ouvir. Eu acho.

Quando eu disse isso, Kage ficou meio acanhado mas prosseguiu:

— Então...estávamos todos nós...

Antes dele continuar eu perguntei:

— Nós quem?

— Nós 3. Eu, você e Morg, o Stan nessa hora já estava dormindo, pare de me
atrapalhar.

— Ah sim, continue Senhor diretor de alguma indústria pornô genérica.

— Hã?

— Enfim, continua a história.

Ele fica indignado quando eu não explico as coisas pra ele. E então, ele
continuou:

— Continuando. Estávamos nós 3 apreciando a festa e então eu vi aquela mulher, o
nome dela é Alex, ela é tão linda.

— Tá, nós entendemos que você apaixonou nela, continua a história.

— Okay, eu vi ela e...

Novamente não deixaram Kage terminar de contar a história, fomos interrompidos
por Garan, dizendo para nós irmos lá fora, algo ruim estava para acontecer.
Quando fomos lá para fora, ele conversou com todos nós, contando de uma possível
perseguição sobre o grupo que havia chegado e disse para nos prepararmos para o
pior. Até então, não faziamos idéia do que nos esperava realmente, Kage e o
garoto foram lá para fora praticar mais um pouco, e enquanto eu visualizava
minha nova arma em combate, não pude deixar de notar alguns desenhos encravados
na lâmina de minha alabarda. Havia 3 símbolos peculiares e completamente únicos,
distintos, diferentes uns dos outros, Morgana percebeu o que eu estava reparando
e me disse:

— Espero que seja de seus inimigos.

— Oi?

— O que está escrito em sua arma, espero que seja de seus inimigos.

— ...E o que está escrito?

— "Anseio por carne".

— Você sabe de onde veio esta Alabarda?

— Isso é novo, alguém te deu? Talvez essa pessoa tenha feito algo com ela.

— Tem como você perguntar para ela por mim? Ágata, a ferreira desse vilarejo.

— Tudo bem, talvez eu arrume algo para me defender também.

Ela estava meio estranha quando saiu da tenda mas deve ter sido só impressão
minha, logo quando ela saiu, peguei minha pistola e a espada curva que Kage
havia me dado. Fui para fora da tenda e logo depois disso, Kage veio em minha
direção com o garoto, dizendo para eu tirar o garoto dali, estávamos sendo
atacados com bolas de fogo caindo do ar, uma acertou justamente a nossa tenda,
eu tentei fugir com o garoto para algum lugar mais seguro mas já havia monstros
vindo para cima de nós e Kage não conseguiria dar conta de todos sozinho, mandei
o garoto correr em direção a ferreira, saquei minha arma e tentei acertar todas
as balas que pude. Eles realmente não eram humanos, pareciam orcs mas como nunca
tinha visto um antes, foi bem estranho para mim, tinham dentes pra fora, a pele
um pouco esverdeada, eram fortes e bem armados, havia mais de 30 só na nossa
frente, alguns morreram com minha pistola mas eu tive que me virar apenas com a
espada alguma hora, eles vinham sem pestanejar, sem piedade, apenas com seus
machados empunhados, prontos para acabar com qualquer um. Eu e Kage aguentamos
bastante, depois que matei uns 4 deles, fui nocauteado com um soco e não sei
mais o que aconteceu depois disso, minha vista foi escurecendo, vi algumas
coisas do vilarejo serem queimadas, gritos de pessoas e sangue espirrando para
alguns lados, apesar de ter desmaiado, achei que Kage estava ganhando a batalha.
Infelizmente foi só o que eu achei...