Aquele Que Venceu a Morte escrita por Ri Naldo


Capítulo 40
Traição


Notas iniciais do capítulo

POV Anne.



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As batidas ensurdecedoras pararam. Dois terços dos monstros pareciam ter ido embora. Eu já não precisava fazer esforço algum para segurar a barreira de raízes, ela poderia aguentar sozinha agora.

Mas a imagem não saía da minha cabeça: Dylan me empurrando contra a barreira, correndo e pulando do precipício.

Idiota.

Imbecil.

Se eu soubesse, teria o matado com as próprias mãos quando tive a chance.

Parece que fui a única que restou. E eu tinha que completar a missão.

Apesar do enorme cansaço, da dor e da vontade de suicídio amplificada pelo poder do Mundo Inferior, consegui levantar e andar, um passo de cada vez, até a construção que parecia uma igreja, pegando o berrante e o cajado de Lucas no chão.

Por que infernos tinha uma igreja no Mundo Inferior? Sei lá. Também não me importava. Só queria sair dali o mais rápido possível.

Duas garotas estavam deitadas, provavelmente desmaiadas. Seria um tanto inconveniente se estivessem mortas de novo, não?

Apesar de ser quase transparente, as duas usavam um vestido branco. Estavam pálidas e completamente limpas, com a pele macia como a de um bebê, exceto por Louise, que tinha sujeira na bochecha, provavelmente arte de Dylan.

Se ela se importava tanto com Dylan a ponto de morrer por ele, imagine a reação dela quando descobrir que ele retribuiu o favor.

Suspirei.

Sonhos destruídos pelo destino, eu sabia muito bem o que era isso.

Peguei as duas mochilas e as coloquei no círculo feito de runas. Posicionei o cajado de modo que ele também coubesse lá. Depois, pensei nos campos de morangos, na praia e na arena do Acampamento. Aproximei o berrante da boca e o toquei, mas não antes de uma última lágrima cair no solo vermelho e áspero.

Ψ

Quando abri os olhos, uma espada estava a dois centímetros do meu rosto, tocando meu nariz, fazendo-o sangrar.

— Anne? — era Colin. Eu fui parar bem no meio da arena, durante uma luta. Importante, provavelmente, porque parecia que todo o Acampamento estava nas arquibancadas, e parecia que todo o Acampamento estava olhando para mim, naquele momento.

— ANNE! — ele gritou. Murmúrios correram pela multidão.

— Onde diabos você estava? E o Dylan? Quem são essas?

Ele se abaixou e tirou o vestido da cara de uma das garotas. Assim que viu o rosto dela, caiu no chão. Apontou para mim, com uma cara de total horror.

— Como… como você fez isso? Meus deuses… É a Louise. E a Mirina. Mas… Não pode ser… Como… Como?

Quando ele falou isso, as pessoas começaram a sair apressadas da arquibancada para ver a cena mais de perto. Logo eu estava cercada de campistas curiosos olhando aterrorizados para as duas. Momentos depois, Quíron chegou, pedindo histericamente para as pessoas abrirem espaço para me dar ar, mas já era tarde demais. Eu desmaiei.

Ψ

Quando acordei, a gritaria tinha sumido, e só restava o som monótono de um ventilador. Estava deitada em uma maca, coberta de tecidos brancos e com um prato de ambrosia na cabeceira. Nas macas de cada lado, estavam Louise e Mirina, que já tinham recuperado a cor, mas ainda estavam desacordadas.

Colin estava sentado em um banquinho ao lado da maca da Louise, a de Mirina estava vazia. Claro, Lucas estava “morto”. Na verdade, eu nem sei se ele esteve vivo durante o período em que nos conhecemos. Julieta, namorada de Colin, pelo que eu soube, estava em pé, defronte minha maca, anotando algo.

— Eu dormi muito? — perguntei, com a voz fraca. Ela olhou para mim imediatamente, largando o papel em cima da cama.

— Você não deveria fazer esforço — ela disse. Tinha um brilho nos olhos.

Eu ri.

— Você não faz ideia.

Ela veio até mim e me abraçou. Se eu tivesse com mais um pouco de força, teria a empurrado e dado um soco no pescoço dela.

— Não sei o que você e o Dylan fizeram, mas obrigada.

Julieta se afastou, me fitando com uma gratidão enorme no olhar.

Quíron entrou na enfermaria, apressado.

— Como se já não bastasse a complicação dos deuses, ainda tenho que lidar com campistas pedindo explicações… Ah, Anne acordou. Ótimo. Podemos começar.

— Começar com o que, exatamente? — perguntei.

— Preciso que você me conte o que fizeram.

Suspirei.

— Depois de entrar para a esgrima, eu percebi que Dylan e Hellen estavam planejando algo escondidos. Comecei a segui-los e a ouvir as conversas deles. Descobri que alguém estava enviando cartas para Dylan, dizendo que ele tinha a chance de salvar “elas” — apontei para Louise e Mirina. — Depois de um tempo, os dois sumiram. Lucas me disse que queria ir com eles, e me chamou também.

— Quem é Lucas? — Colin perguntou.

— Como assim quem é Lucas? — perguntei de volta.

Olhei para Julieta, ela também parecia confusa. Mas Quíron não, ele me olhou como se soubesse. Percebi que ele não queria que eu falasse sobre Lucas.

— Ninguém, acho que estou meio confusa, desculpe. Enfim… Eu decidi que iria acompanhá-los, então peguei o necessário e segui o rastro deles. Hesitaram, mas aceitaram a minha ajuda. Com base nas cartas enviadas por aquele que chamamos de Capuz, descobrimos que havia um ritual que poderia ser feito para trazer alguém de volta à vida, e que ele deveria ser feito no Mundo Inferior. Como não estávamos mortos, teríamos que arranjar um jeito de sair de lá, então fomos atrás do berrante de Cyn, depois de Dylan e Hellen pegarem o Segredo da Morte com Atena. — Colin assentiu, parecendo ter conhecimento sobre o assunto. — Enfrentamos os três Condes que protegiam as três partes nas quais o berrante foi dividido. Conseguimos, afinal, porém Hellen morreu para nos salvar, quando fomos cercados por gigantes — Julieta abriu a boca para perguntar algo, mas Quíron a impediu, sinalizando para eu continuar. — Com o berrante completo, seguimos caminho para o Mundo Inferior. Lá, descobrimos que Luna era o Capuz — Julieta e Colin soltaram sons de nojo. — Mas, mesmo assim, Dylan prosseguiu. Eu não sei muito bem o que aconteceu no ritual em si, porque fiquei no lado de fora, protegendo o local onde estávamos do ataque de centenas de monstros que corriam atrás de Dylan, por causa do segredo. Depois, quando estava acabado, Luna havia sumido. Dylan apareceu, e me disse que tinha conseguido. Ele também disse que não poderia voltar por causa dos monstros. Explicou que, se ele voltasse, acabaria matando todos aqui. Então ele…

— Deuses... — Julieta exclamou, passando a mão pelos braços.

Eu assenti.

— Ele pulou de um precipício, para proteger a todos.

Colin levantou-se para abraçar Julieta.

— Então eu peguei o berrante e voltei para cá, com Louise e Mirina.

Quíron não mudou de expressão. Na verdade, ele parecia mais cauteloso que o normal.

— Louise escolheu uma nova vida — ele disse.

— O que disse? — perguntei.

— Louise. Enquanto vocês estavam procurando um jeito de realizar o ritual, ela escolheu renascer.

— Então ela deixou de existir como Louise, não é?

— Exatamente.

— E Dylan ainda a trouxe de volta dos mortos. Como é possível?

— Não é. Julieta, Colin, vocês estão encarregados de esclarecer tudo a todos os campistas. Eu tenho que falar com o conselho dos deuses.

Ele saiu, com mais pressa do que quando tinha entrado.

Colin e Julieta se olharam, apreensivos.

— O que foi? — perguntei.

— Se essa história que a Louise escolheu renascer for verdade… — Colin começou.

— O que tem? — agora eu estava curiosa.

— Eu estou grávida — Julieta disse.

Ψ

Quando acordei de novo — Julieta tinha me dado algo para dormir, porque eu ainda estava “fraca demais para entrar em ação” —, Mirina estava comendo a ambrosia da minha cabeceira.

— Foi mal — ela disse, com a boca cheia. — É que deu fome.

— Relaxa.

— Cadê o Dylan? Prometi à Louise que iria dar um chute na bunda dele caso ele conseguisse me trazer de volta, e olhem só a merda que ele fez!

Olhei para o lado, a maca de Louise estava vazia.

— Cadê a Louise? — perguntei. Ela ficou confusa.

— Do que você tá falando? Não te disseram que ela morreu? E, ah, ela escolheu renascer.

— Você acordou agora a pouco, não foi?

— É crime?

Levantei da cama. Minhas roupas estavam dentro da gaveta da minha cabeceira. Tirei o vestido branco sem me importar com quem estivesse vendo, e pus as roupas às quais eu estava acostumada. Também tinha algo dentro da gaveta. Peguei e coloquei no bolso da calça jeans. Depois, fui até a porta.

— Para onde você tá indo?

Eu saí sem respondê-la.

— Você descobrirá em breve.

— Maldita… — ouvi ela resmungar atrás de mim.

Fui para onde eu tinha certeza que iria achar Louise.

E lá estava ela, sentada ao lado da lápide de Dylan, que tinha ficado onde a dela estava. A de Mirina havia sumido.

Encostei em uma árvore próxima. Os cabelos dela estavam tão longos que se espalhavam pelo chão.

— Ele fazia isso todo dia.

Ela não ficou surpresa com a minha presença. Também não falou nada.

— Vinha para cá e ficava horas sentado, olhando para o seu nome.

— Parece que invertemos os papeis.

Ficamos em silêncio por um tempo, até que ela começou a chorar.

Não hesitei, apenas fui até ela e a abracei. Ela não me empurrou para longe, como eu teria feito. Aceitou o abraço, chorando no meu ombro.

— Se for pra ficar sem ele, eu prefiro estar morta.

— Não fale isso. Ele morreu por você, assim como você fez por ele. Eu implicava com o Dylan, sabe? Mas só porque eu queria que alguém me amasse do jeito que você o ama. Eu tinha inveja dele. Por favor, não diga isso a ninguém.

Entre o choro, ela deu uma risada fraca. Me senti bem sabendo que eu a tinha confortado, mesmo que só um pouco.

Por que eu estava assim? Eu não era assim. Eu deveria estar pouco ligando para o que Louise pensa. Eu deveria ficar na minha. Com certeza era a Mina agindo nos meus sentimentos. Ou talvez não...

— Sabe, eu acho que ele…

Uma explosão me interrompeu. Logo após, gritos aterrorizados ecoaram por todos os lugares. Eu e Louise nos levantamos imediatamente, correndo para ver o que estava acontecendo. No caminho, eu tropecei em algo e caí no chão.

Algo não, alguém. Eu tinha topado com um campista caído. Seus olhos estavam esbugalhados, e o pescoço cortado, com uma poça de sangue se formando. Alguns metros à frente, alguém estava de pé, com uma espada na mão.

Alguém não, algo. Parecia humano, mas era completamente negro, excetuando-se os olhos, que eram inteiramente brancos. Um tipo de monstro que eu nunca tinha visto na vida. Transformei minha mão em uma espada, e fui para cima dele. O monstro defendeu os primeiros ataques, mas logo eu levei a melhor, perfurando-lhe no coração, se é que ele tinha um. Logo, só restava um monte de cinzas.

Mas, para minha surpresa, o monte de cinzas cresceu, transformando-se de novo no monstro.

— O que é isso? — perguntei. — Ele deveria estar morto, mas não está.

— Monstros não morrem — Louise respondeu. — Apenas ficam um tempo se regenerando no Mundo Inferior. A regeneração desse foi instantânea.

— Isso é normal?

— Nem um pouco. Corra. Só corra.

Para nossa sorte, ele era lento, e não conseguiu nos acompanhar na corrida. Quando saímos da floresta, nos deparamos com uma carnificina. Vários campistas estavam mortos no chão, alguns com membros separados do corpo, outros com o pescoço virado em ângulos estranhos. Dezenas de monstros atacavam o Acampamento.

Colin apareceu de repente, com a espada em punho, e vários cortes.

— Anne, venha, temos que sair daqui.

— Não, eu vou lutar!

— Não vai adiantar. Eles se regeneram assim que são derrotados. Eles não morrem. As barreiras do Acampamento foram quebradas. Temos que juntar todo mundo e sair daqui.

— O que diabos está acontecendo!? — perguntei.

— Não sei muito mais que você — e saiu para ajudar uma garota que lutava sozinha contra um bando de harpias.

A cada segundo, mais campistas caíam no chão, mortos, e eu não podia fazer nada, apenas olhar.

— É minha culpa — Louise disse.

— Do que diabos você está falando agora?

— Eu escolhi renascer.

— E o que isso tem a ver?

— Dylan me trouxe de volta mesmo assim. Ele recuperou minha essência, mesmo ela estando perdida para sempre.

— Ainda não entendi.

Ela estava com medo. Estranho, porque pelo que me falaram, ela nunca tinha medo.

— Ele abriu as portas da morte, e saiu sem fechá-las.

Ψ

Eu estava em pé, olhando para o mar, com a brisa batendo no meu rosto, a água tocando meus pés descalços e os gritos dos campistas ecoando sem cessar.

Ela disse que viria ao meu encontro, aqui, então eu a estava esperando. Depois de algum tempo, ela finalmente chegou.

Quase fiquei cega devido ao brilho dela. Ajoelhei-me.

— Minha senhora.

— Levante-se, Hellen. Você não deve se ajoelhar perante mim.

Levantei-me, fitando o mar.

— Queria me ver?

— Sim. Dylan Fletcher já foi descartado?

— Certamente.

— Louise Martin e Mirina Murray estão vivas?

— Certamente.

— A essência de Louise permanece no ventre de Julieta Leicerd?

— Certamente.

— Dei ordens restritas para que a arma não fosse afetada.

— A arma, como a senhora gosta de chamar, está intacta.

— Então podemos partir para a fase final. Creio eu que você saiba como começar.

Assenti. A água, por um momento, pareceu mais fria, o vento pareceu mais forte, e os gritos mais altos.

— Destruir o Acampamento.

Ψ Ψ Ψ




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Notas finais do capítulo

AEHO! Acabou, minha gente :(
Parte 2/3 completa. Leiam os agradecimentos



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