Eating Disorders-distúrbios Alimentares escrita por chibi_cold_mari


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Hey guys, bulimia não é legal (y)



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/55885/chapter/1

            O seu grande inimigo estava novamente a desapontá-la, a explorar seu maior medo, fazendo-a sentir repulsa de si própria. Ele a deprimia, a entristecia com as suas zombarias e denuncias. Ela podia quase ouvi-lo rir de sua imagem. E mesmo com todos os insultos, ela continuava ali por horas e mais horas. Desejando ardentemente que ele mostrasse algo que a agradasse.

            Mas era impossível.

            A imagem que o espelho lhe mostrava era grotesca para ela.

            O reflexo da garota gorda trajada apenas com sua roupa intima era o seu maior pesadelo. Olhava com desprezo para as marcas e dobras do excesso de gordura em sua barriga e coxas, o grande volume que ali eram refletidos a fazia odiar-se. Odiar-se.

             Virou-se de costas para o inimigo, tentando ter uma nova perspectiva animadora de seu roliço corpo, talvez um alívio para os olhos afogados em ódio. Em vão, a grossa camada de pele pendia esmagada pelo sutiã desbotado que vestia. As nádegas estavam deformadas pela gordura acumulada, marcadas por pequenos e numerosos sulcos que se distribuíam por todo o corpo.

            Seus olhos castanhos imersos se encontraram na outra dimensão, demonstrando-se raivosos e melancólicos, envoltos pela decepção e pela tristeza.

            As mãos enormes e tremulas tentavam secar as lágrimas incessantes que rolavam pelo rosto redondo. A garota se amaldiçoava por dentro, amaldiçoava o monstro que observava pelo espelho.

            Como chegara a tal ponto? Por que não era como as modelos que jaziam espalhadas pelo quarto?

            Linda, estonteante e magérrima.

            O ideal da beleza perfeita.

            As mãos esconderam os castanhos em pânico, fechando a garota em seu próprio desgosto com suas lágrimas amargas. E ali ficou a chorar copiosamente sua forma nada escultural.

Até que o monstro impiedoso e desumano apossou-se da pobre e fragilizada garota, fazendo-a cair em um transe profundo, abandonada de corpo e alma naquela vontade que a arrebatara no instante.

A de comer, comer compulsivamente.

E então desesperada dirigiu-se até a despensa, suas mãos trêmulas abriram a leve porta de madeira compensada com dificuldade, ela parecia pesar toneladas!

Com a mesma dificuldade abriu um pacote de guloseimas, que logo foram parar em sua boca faminta. Deploravelmente mastigava a grande quantidade em sua boca, preparando-se para engolir mais. Abria potes e embalagens com urgência, ansiando pelo conteúdo altamente calórico e tão prazeroso para o monstro.

Enquanto comia compulsivamente as lágrimas insistiam em cair, numa lamúria prévia do que ela mesma premeditava, um fato irremediável nestas horas. Mas enquanto o monstro não a deixava só fazia comer, engolir balas, doces, bolos, salgados e sintéticos. Milhares e milhares de calorias em menos de 10 minutos.

Foi quando depois de devorar a última caixa de chocolates e tomar uma grande quantidade do liquido gasoso e venoso que tanto adorava que o monstro desapareceu. E como a névoa que permanece remanescente após o tiroteio, e se assenta deixando a vista o estrago feito pelas balas mortais, que ela se deu conta do que havia feito.

 Os castanhos desesperados e afogados vasculharam todo o recinto, varrendo as embalagens multicoloridas do que fora por ela ingerido. As mãos receosas agarraram uma em tons de rosa, virando-a para que pudesse ver as informações dos caramelos que comera sem culpa até o fim. Fazia a conta mentalmente de quanto haveria de engordar com tudo aquilo, e o resultado fora terrível para ela.

Como um animal mortalmente ferido urrou de dor, e novamente chorou copiosamente. E uma nova vontade a tomou. Diferente da anterior não era um terceiro que a controlava entorpecida, era ela mesma que conscientemente agia.

As pernas fracas fizeram um grande esforço para levantar-se do chão encoberto por cores e mais cores despedaçadas, dirigindo-se para o único cômodo aonde ia depois desses acontecimentos.

O azulejo branco e cuidadosamente cuidado não a acalmava, só a dava maior ânsia para continuar com o que fora fazer. Com certo custo, caiu sob seus joelhos doloridos e levantou a pesada tampa que a impedia de redimir-se. E logo o seu reflexo deplorável já era visível na água cristalina, mas ainda assim impura.

A respiração se acalmou durante um instante, o bastante para que ela se preparasse para o dedo que ela mesma introduziria em seu corpo, sem culpa e nem mesmo medo.

Sem cerimônia alguma, o dedo magro e ossudo viajou até a sua garganta provocando o que depois seria o seu alivio.

Um refluxo, nada.

Outro refluxo, bile.

Mais outro, e havia conseguido.

O bolo estomacal saia abundantemente por sua boca, numa torrente em tons de marrom e amarela mal cheirosa e ácida que lhe queimava o caminho de onde vinha. Os braços esqueléticos se seguravam com força à borda da privada, pois sabia que os refluxos a faziam tremer por inteira de forma patética e frágil.

O cabelo ralo que um dia já fora volumoso e cheio de vida agora só a atrapalhava em sua redenção consigo mesma, apenas sujava-se e grudava em sua face cadavérica suja de comida e vomito.

O dedo novamente forçou outro fluxo quando o anterior cessara, ela sabia que ainda havia resíduos em seu corpo e que deveria eliminá-los a qualquer custo.

Passado alguns soluços e refluxos, a bile amarela já havia sido eliminada rasgando-lhe a garganta.

Após recuperar o fôlego, encarou o reflexo da face gorda na água imunda lamentando-se ainda mais, mesmo que sentisse dores abdominais pelo esforço descomunal que a pouco fizera.

Os dedos magros tiraram a confusão loira escura – que um dia já fora clara-grudada em seu queixo e então perceberam o rastro lustroso que percorria todo o seu colo. Começou a despir-se das roupas sujas com o que já fora a sua refeição monstruosa e calórica, os castanhos já secos encontraram o grande inimigo enquanto a garota enorme da outra dimensão tirava a grande e apertada camiseta e mostrava seu tronco extremamente volumoso.

Com certa angústia a garota entrou debaixo da água quente que jorrava do aparelho, sempre havia de ser quente não importava o calor, já que ela sentia um frio absurdo. A água escaldante fazia bem a ela que não retia o próprio calor corporal, as costas se curvavam dando boas-vindas ao calor que a tomava.

As costas que deixavam em relevo ossos também deixavam marcas avermelhadas. Marcas que a garota fazia com as unhas quebradiças após sofrer os insultos do grande inimigo durante muito tempo, marcas de ódio, marcas de mutilação.

Sentimentos de ódio e de amargura a prendiam por inteiro, deixando as lágrimas frias verterem em meio à água quente.

Por que por mais que tentasse não era magra e linda? Por que por mais que se esforçasse, a garota obesa a encarava todos os dias?

 

 

 

Por que não era feliz consigo mesma?

 

 

 

E novamente lá estava ela nua, ao redor de todas aquelas modelos maravilhosas e esculturais, a encarar as formas acentuadas demais da garota também nua que seu inimigo lhe mostrava.

Tocava seus seios quase inexistentes pela desnutrição enquanto via os enormes do outro lado. Balançava o braço ossudo enquanto via o volumoso e instável do outro lado. Apertava a pele rala do seu abdômen enquanto via a dobra enorme que lhe escapava das mãos do outro lado. A face amargurada e cadavérica encarava a roliça e também amargurada do outro lado.

Os dedos – o esquelético e o macilento- se encontraram sob a superfície fria, como se provassem para a garota de que aquele não era um pesadelo horrendo, e sim a realidade que via em sua mente.

 

 

A realidade de que ela pesava cento quarenta quilos e não quarenta.

 

A realidade de que ela era obesa e horrenda e não esquelética de forma mortal, a de que ela era odiavél por comer demais por impulso e não de que ela sofria de compulsão alimentar, a de que depois de comer tanto ela devia vomitar para emagrecer e não a de que ela era vitima da bulimia há três anos.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Não venham me falar que eu não sei nada sobre o assunto, nem que é algo muito forte para se escrever.
Eu só acho que assim, pessoas desesperadas não vão recorrer a isso.
Essa doença mata.
Faz a sua garganta sangrar por causa do suco gástrico, você perde calor corporal e vive com frio, você tem dores freqüentes nos ossos e músculos, seus dentes ficam literalmente podres de fracos e seu cabelo caí. Muito.

Então, é isso. Não entrem nessa e procure ajuda se você for bulimico (a)