Você escrita por Blue Butterfly


Capítulo 1
Será que você lembra?


Notas iniciais do capítulo

Oi^^
Estou de volta, desta vez com Free!- se você não assistiu o anime está perdendo seu tempo. O mundo precisa de Tachibana Makoto. Muitos Makotos. Makoto todo dia,pra todo mundo ^^
Essa fic é um pouco diferente das histórias que eu estou acostumada a postar,espero que gostem desse jeito mais reflexivo.
Boa leitura ^^



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Eu não sei se eu já te disse, mas tinha que ser você. Sempre foi você.

Você estava lá no primeiro dia, lembra? Eu estava nervoso, era minha primeira vez numa escola e tudo parecia tão diferente, havia tanto barulho, tantas crianças… Você me encontrou na multidão e sorriu para mim, acho que você percebeu que eu estava aflito e tentou me animar. Engraçado como desde a primeira vez você conseguiu ler minha expressão melhor do que ninguém.

Levou três semanas para que eu finalmente falasse com você, mesmo com a sua insistência e perguntas educadas. Sempre educado para que me sentisse confortável, eu gostava disso, mesmo que você também fosse um pouco barulhento. E quando eu finalmente disse: “Makoto, você faz muito barulho” você corou profundamente e sorriu para mim, um pedido suave de desculpa em seu olhar. Onde qualquer criança teria se afastado após ouvir algo assim, você apenas sorriu ainda mais e permaneceu ao meu lado.

Eu não sabia que gostava tanto de água até você me dizer. As pessoas julgam que eu sempre estive afundado numa banheira ou correndo loucamente para a praia, mas nem sempre foi desse jeito. Na verdade, eu nem sabia que podia ser tão legal nadar até você insistir naquele clube de natação. Você disse que queria ir, mas só se eu fosse junto, e eu acabei aceitando. Eu não sei se já te agradeci por isso, então obrigado, você me apresentou meu segundo grande amor.

A escola não é um lugar bom quando se é pequeno e calado, ainda assim você estava lá todos os dias e fingia não ouvir o que os outros diziam sobre mim. Como sempre me disse “eu conheço Haru-chan melhor”. E eu nunca duvidei disso.

Você sempre foi gentil com tudo e com todos, sempre ajudando o mundo antes de ver suas próprias necessidades. Isso realmente me irritava, ainda mais quando claramente abusavam de sua inocência e boa vontade, sei que não justifica, mas me tornei egoísta para tentar impedir isso. Monopolizando sua atenção, era mais fácil afastar os interesseiros e deixar apenas os bons se aproximar. Nem sempre deu certo, mas eu nunca desisti.

Com você, eu aprendi a importância de repartir, fosse a comida com Ran e Ren até sua amizade com Nagisa e depois com Rin. Eu já contei que no começo fiquei com medo de ser abandonado? Entretanto, será que alguma vez eu precisei expressar com palavras o que ia na minha cabeça? Você sempre entendia tudo apenas me olhando.

Quando Rin foi embora parte de mim sentiu falta, mas a outra parte estava aliviada, pode parecer cruel, mas eu estava grato que se alguém tinha que partir era ele e não você. Sempre pensar positivo, independe da situação, e lembrar que poderia ser pior era o que minha avó dizia toda noite. Então, que bom que não foi você.

O problema foi quando ele voltou pouco tempo depois e quis disputar, eu estava feliz por ele ter voltado e pretendia dividir isso com você, porém, ao vê-lo jogado no chão, chorando, dizendo que ia desistir de nadar porque tinha perdido para mim, eu acabei perdendo o rumo. Eu era jovem demais para entender que minhas atitudes poderiam afetar tanto a vida de outra pessoa. Até lá tudo tinha sido simples, eu não tinha que me preocupar. Rin me fez amadurecer de uma forma dolorosa, talvez se aquilo não tivesse acontecido você me ensinaria essa lição de uma maneira suave e confortável.

Nessa mesma época meus pais começaram a fazer planos para mudar de cidade por causa do emprego. Acho que isso ajudou a me quebrar, eu não queria partir, eu gostava da nossa cidadezinha pequena, do cheiro de peixe e sal que invadia o ar nos fins de semana em que sua família nos levava a praia, de ir para a escola ao seu lado, do sorriso sempre pronto que você me dava a qualquer momento.

Eu nunca pensei que teria de fazer uma escolha tão difícil sendo tão jovem, ainda mais após descobrir que minhas escolhas poderiam ferir muito os outros. Eu não sabia direito se estava certo naquilo que escolhi, entretanto, até hoje nunca me arrependi por ter ficado. Sua família me acolheu sem perguntar ou exigir nada, seu quarto se abriu como um refúgio para minha solidão, ainda mais quando minha avó partiu. Nunca foi dito, nem por mim nem por você, mas no fundo nós dois sabíamos porquê eu permaneci. Eu via isso no seu sorriso.

Dizem que a adolescência é difícil. Pra mim não foi e acredito que nem para você, criamos uma rotina prática e confortável. Parece estranho usar confortável de novo, mas esse é o primeiro pensamento que me vem toda vez que te vejo. Você me faz confortável.

Todo dia você me buscava para a escola, não era necessário, eu poderia sair da banheira por conta própria, só que havia algo em ter sua mão estendida para mim que me prendia dentro de casa. Você sempre foi a primeira pessoa que eu via toda manhã e a última que veria no dia. Minha casa parou de ser somente minha há anos, em qualquer cômodo eu posso achar coisas suas espalhadas. Tem uma gaveta só sua no meu guarda roupa, uma escova de dente verde no meu banheiro, alguns mangás espalhados pela sala, dois jogos seus que eu finalmente roubei para mim – seus preferidos, era a desculpa perfeita para fazer você ficar até mais tarde. Algo parecido acontecia na sua casa, embora minha posse se restringisse apenas ao seu quarto. Não que pudesse ser diferente com sua imensa família. Nenhum de nós notou isso no começo, mas ficou bem claro no dia em que você me encontrou afundando em uma camisa imensa que certamente não me pertencia. Eu a roubei também.

Foi então que Nagisa voltou e deu a ideia do clube de natação. Eu não queria aceitar no começo, você me ensinou a amar a água, e isso nunca mudaria, só que eu não queria competir, eu não queria ter que disputar algo com um amigo mais uma vez, acima de tudo, eu não queria disputar nada com você. Você leu meus pensamentos sem que eu precisasse falar, e naquele mesmo dia, enquanto eu cozinhava nosso jantar, você tocou no assunto com cuidado, não querendo me magoar nem forçar nada. “Eu só nado livre” resmunguei, incerto se você conseguia ver o que eu realmente queria te dizer. “Eu posso só nadar costas” você brincou. Naquele momento, eu quis te abraçar e nunca mais te deixar ir.

E então Rin voltou e tudo ficou confuso de novo. Ele estava diferente, chegou a te insultar, você fingiu não ter notado, mas eu sabia que o fez. As pessoas acham que só você pode me ler, e que como você sempre está falando, eu não preciso fazer o mesmo. Só que é mentira, sim você sempre está falando, mas não de você, não do que você quer, não do que você detesta, do que você tem vontade, do que você sonha. Você nunca reclama, porém não significa que está feliz o tempo todo, há mais coisas por trás do seu sorriso do que as pessoas podem ver. Mas eu vejo, assim como você vê através do meu silêncio.

Ele me desafiou, eu aceitei. Eu estava disposto a perder naquela noite, refazer o que tinha acontecido anos atrás e tentar salvar um dos poucos amigos que fiz em toda minha vida. Só que a piscina não estava cheia e nossa pequena disputa ficou para outro dia. Quando voltamos para casa, você fez algo que não fazia há muito tempo: você segurou minha mão, eu olhei confuso, tentando entende o que te levara a isso, você apenas deu de ombros e segurou ainda mais forte. Você não estava sorrindo. Estava sofrendo por mim, não pelo que Rin dissera, não por ter sido ignorado, não por ter ficado com medo de entrar num lugar abandonado, mas por mim. Afinal, de alguma forma durante os anos, você assumiu para si o trabalho de cuidar e sofrer por mim, fazendo o impossível para que eu estivesse bem.

Todos que nos conhecem juram que você foi quem se apaixonou primeiro e que eu, sempre fechado, é que levei tempo para perceber e aceitar seus sentimentos. Isso é tão errado…

Foi no dia me que invadimos a piscina de outra escola – ideia de Nagisa, como não podia ser diferente – para nadar e acabamos encontrando Rin, eu sei que o objetivo inicial era justamente encontrá-lo, mas havia água, muita água, por isso não era como se eu fosse pensar em coisas tão tolas. Disputamos, eu perdi, ele ganhou e esfregou a vitória na minha cara, você não ficou feliz com a atitude dele, mas percebeu meu alívio e por isso se manteve quieto, se tinha uma coisa que nossos colegas de classe aprenderam é que o mais inteligente era me deixar em paz, quando algo me afetava, você sempre ficou mais… assustador. Por mais que seus irmãos neguem e seus pais também, há uma parte realmente séria e violenta em você atrás de toda sua calma e ternura. Normalmente ela só aparece para me defender.

Eu segurei sua mão para sair da piscina como fazia todos os dias de manhã e trocamos um breve olhar, eu nunca precisei te comparar a ninguém, você sempre foi superior, sempre foi melhor, e ali era gritante o quanto isso era real. Eu sabia que você jamais faria isso comigo, você jamais me ensinaria pela dor, jamais… “Vamos pra casa” você chamou e eu apenas te segui.

Você também segurou minha mão naquela noite, só que desta vez por um motivo diferente, não estava sofrendo por mim, estava apenas me lembrando que eu tinha você.

Se tivesse que marcar uma data, eu escolheria esse dia. Não foi quando eu me apaixonei, foi quando eu me dei conta que estava apaixonado.

Você leu isso em meus olhos, porém, pela primeira vez você não tocou no assunto e eu permaneci calado. Não era um bom momento.

Eu quis mandar Rei para longe quando o vi pela primeira vez, ele era tão estranho, querendo só coisas bonitas e afundando como uma pedra na piscina. Não era belo e definitivamente não era o que eu esperaria para um nadador, entretanto você foi gentil e disse coisas boas para ele, mostrando seu coração doce e eu não podia fazer nada além de aceitar sua presença entre nós. E no fim, eu acabei gostando do nadador borboleta.

Não tocamos no assunto sobre meus sentimentos recém-descobertos, eu sabia que você sabia, eu sabia que você não estava pronto para devolvê-los e eu sabia que você ainda assim permaneceria meu amigo. Andar de mãos dadas se tornou mais frequente, principalmente quando era noite, nos trocamos mais olhares e quando me tirava da piscina, sua mão permanecia na minha por mais tempo que o convencional. Não era amor, pelo menos não ainda, porém era sua forma de cuidar de mim e mostrar que você estava pensando no assunto, mesmo que nada tenha saído de nossos lábios.

Rin não se contentou em ganhar daquela vez e voltou para me assombrar, eu devo tê-lo ferido mais do que imaginei e decidi que faria o que fosse possível para desfazer o mal feito.Acho que no meio do caminho eu acabei me afastando um pouco de você e comecei a ficar obcecado. Posso te pedir perdão?

E mais uma vez, como você pode ver o que eu sinto quando nem eu mesmo sei? Como você soube que eu precisava encerrar meu capítulo com Rin antes de continuar minha vida quando eu jurava que ele tinha ficado para trás?

No primeiro campeonato que participamos, eu perdi para ele e Rin disse que jamais nadaria comigo. Aquilo me feriu mais do que eu esperava, só então percebi que eu ainda queria nadar com ele, que o passado estava congelado, e não finalizado. Foi tão confuso.

Eu não ia ver as outras disputas, mas Nagisa me forçou a voltar e eu cheguei a tempo para te ver nadando, assim como eu você não conseguiu o primeiro lugar. Quando seus olhos finalmente me encontraram, você sorriu.

Eu preferia que não tivesse.

Eu sempre li seus sorrisos.

Você estava gritando para mim “Eu sabia que ele era importante para você. Muito importante”.

Eu não te esperei para voltar para casa, ao invés disso eu fui nadar. Eu sabia o que sentia por você, era algo estável, tranquilo, seguro, confortável. O que eu sentia por Rin era desconhecido, nem se quer sabia se era bom ou se era ruim, porém não era desprezível, e até que eu entendesse, não poderia me aproximar de você mais do que já tinha feito.

Foi por isso que você nunca tocou no assunto?

Você me esperava em casa, dormindo como uma criança. Eu recebi a mensagem, o time queria nadar em um revezamento, e se você estava lá era porque você também queria. Então eu aceitei.

Na primeira vez eu achei que íamos perder por causa de Rei, mas por algum milagre conseguimos chegar em primeiro lugar.Você estava lá para me puxar para cima, o sorriso que podia aquecer o mundo destinado apenas para mim. Você elogiou Rei e Nagisa, contrariando minha opinião pessoal, entretanto, ao ver a alegria de Rei eu lembrei que ser um time significava aceitar a importância de cada um na equipe. Você me ensinou isso ao longo do tempo.

E depois Rin fez uma grande bagunça de novo e eu tive que agir. Nós brigamos e eu quis muito bater nele até minha raiva passar. No fim, as coisas se ajeitaram, ou quase, e ele nadou conosco no segundo revezamento. Fomos desclassificados por causa disso, alguém deveria ter pensado melhor antes de trocar Rei por Rin, mesmo lembrando que se havia alguém que conhecia todas as regras, esse alguém era Rei e foi ele quem deu a ideia.

Mas o que mais me marcou foi encontrar sua mão mais uma vez me convidando para fora, e não Rin. Seu sorriso era diferente, havia algo claramente decidido nele. “Eu estou dando espaço para você pensar. Mas definitivamente não estou te entregando de bandeja”. Eu me apaixonei mais uma vez.

Quando as coisas pareciam se acalmar, começou a pressão. Rin, como sempre, foi quem deu o pontapé inicial, ele questionou nossos planos para o futuro e eu obviamente o ignorei. Eu queria nadar e estar com você, vivendo na nossa pequena cidade eu teria as duas coisas, então porque me preocupar?

Você não levou a questão tão levianamente, entre nós dois, eu nunca tive dúvidas de quem foi o responsável, foi nessa época que as coisas começaram a ficar estranhas, eu percebi seu olhar meio perdido, seu sorriso mais raro, você procurou alguns professores e passou mais tempo fazendo pesquisas. Eu sabia que você tinha decidido alguma coisa quando afundou nos livros e suas notas aumentaram ainda mais. Fiquei confuso, quando você foi ajudar no clube de natação e ensinou algumas crianças, você parecia tão feliz, como se tivesse encontrado seu lugar, o que mais você queria?

Eu não tinha definido ainda onde Rin estava na minha vida quando uma nova competição começou e você me pediu o impossível: nadar contra você. Meu mundo desmoronou, eu quis chorar, desde o começo tudo o que eu queria era nunca te machucar, e agora você me pedia isso? E ainda por cima queria que nadasse com todas as minhas forças?

Foi uma das poucas vezes que eu disse antes que você lesse meu olhar.

-Por quê?

Eu estava ferido com o seu pedido, ainda assim o levei adiante, você nunca tinha pedido nada para si mesmo, nem quando era seu aniversário! Eu ainda lembro que quando sua família ofereceu uma viagem qualquer você escolheu o aquário só porque eu queria ir!

Parte de mim sabia que ganharia, não que você não fosse capaz de me superar, só que você estava nadando apenas costas nos últimos tempos e mesmo que alguns achem que craw e costas seja o mesmo, só que invertido, nós dois sabíamos que não era. Eu quis berrar. Pensei em implorar. Qualquer coisa para você desistir.

-Haru, vai ficar tudo bem – você sussurrou uma noite antes da prova – Eu juro que vai.

-Por favor…

-Haru, por favor!

E eu aceitei.

Ganhar de você foi… Estranho, não parecia nem um pouco certo, quando você continuou de cabeça baixa e algumas lágrimas começaram a correr, eu entrei em desespero, eu te fiz chorar, foi o pior dia da minha…

Não, não foi.

O pior dia da minha vida foi naquele maldito acampamento na praia quando eu quase te perdi. Desculpe, eu ainda não consigo falar sobre aquele dia.

Ter feito você chorar me quebrou de um jeito que ninguém tinha feito. Ver meus pais indo embora, ver Rin desistindo do seu sonho por minha causa, perder minha avó, nada doeu tanto quanto aquilo.

E então você ergueu a cabeça e…

Comemorou.

Comemorou porque perdeu para mim, porque eu levei nossa disputa a sério, e o seu rosto naquele momento foi deslumbrante. Alguns amam o que há fora para depois amar o que há dentro. Eu amei primeiro o que havia por dentro. Naquela hora, você fez com que eu me apaixonasse perdidamente pelo que havia fora, todos os dias eu agradeço por Nagisa ter tirado inúmeras fotos daquele momento.

E então você me ensinou algo que ninguém, nem mesmo Rin, poderia me ensinar: o que mantém duas pessoas unidas não é dividir uma mesma raia, é simplesmente querer estar junto. Foi por isso que mais tarde, quando nadamos no revezamento, vimos as coisas mais inacreditáveis.

Foi voltar para a escola e a pressão começou, primeiro foi Rin – ele nunca desiste, depois os professores, o diretor, até meus pais começaram a ligar exigindo uma decisão. Eu não queria ter descontado em você, mas quando me perguntou o que eu queria fazer no futuro, eu fui infantil, se eu tivesse contado tudo para você, eu teria decidido facilmente o que queria. Estava tão confuso que nem você pode ler ao certo o que eu estava pensando, porém você não recuou, seu sorriso estava lá, assim como sua mão.

Foi nesse período que eu comecei invadir sua cama ao invés de me aquietar no chão com meu fúton. Na primeira vez eu te assustei, mesmo assim você apenas sorriu, garantindo que estava tudo bem, e me abraçou, deveria ter sido estranho, entretanto era apenas nós dois, um pedido de socorro e um abraço que me impediu de afogar. Não precisava de explicações.

E então, pela primeira vez na vida, nós brigamos.

Eu disse coisas sem pensar, eu respondi para você o que eu queria ter dito para outras pessoas, eu joguei você para longe como se você não fizesse parte da minha vida, esquecendo por completo que desde que meus pesadelos começaram não teve uma noite em que você me deixou dormir sozinho, que na noite anterior você cantou até que eu caísse no sono, mesmo ficando envergonhado, que quando eu acordei suando frio, você estava lá pronto para me esquentar num abraço forte. E que nós últimos quinze anos você cuidou de mim, então sim, era da sua conta o que eu fazia com a vida que você me ajudou a construir.

Ouvir você dizer que ia para Tókio fez meu coração parar, se eu não estivesse tão perturbado eu teria ficado e ouvido o resto, eu teria olhado para sua boca e procuraria a verdade ao invés de sair correndo. Eu achei que você ia me abandonar.

Te abandonei primeiro.

Não posso dizer que aceitar viajar com Rin foi minha ideia mais genial, meus pais surtaram quando descobriram que eu estava na Austrália e devo ter te preocupado a beça, a coisa boa é que eu finalmente consegui colocar em ordem meus pensamentos. Estar longe de você era um constante choque de adrenalina – tenho certeza que, em algum dia, Rei disse que choques de adrenalina te fazem pensar melhor – e eu lembrei de certas coisas que o tempo tinha apagado.

Lembrei que um dia, conversando a toa enquanto voltávamos para casa, você falou onde eu queria fazer faculdade, eu dei risada, nós ainda éramos crianças, não havia Rei, Rin era um chorão e eu ainda era mais alto que você. Eu respondi entusiasmado Tókio, porque a equipe de natação de lá era excelente.

Lembrei que você prometeu se esforçar para entrar lá também e assim nós nadaríamos juntos para sempre.

Lembrei do acidente do velhinho pescador e do medo que você ganhou do mar, e como se tornou comum você ficar sentado na areia me olhando enquanto eu nadava, dizendo que estava feliz só por me observar.

Lembrei que você estava em todas as minhas disputas, torcendo por mim, e que você nunca ficou triste quando eu era escolhido primeiro. Para você, eu sempre seria um golfinho que merecia total e completa atenção.

Lembrei que não havia nenhuma memória minha em que você não estava lá, e se isso valia para mim, também valeria para você.

-Haru? – Rin chamou um dia antes de voltarmos.

-Você é meu amigo, só isso. Assim como Nagisa e Rei, que são diferentes, mas são só meus amigos – eu revelei.

-É claro que eu sou só seu amigo. Que outra coisa eu posso ser? Você é tão estranho.

Eu não sabia se você me aceitaria, mas quando te vi parado no portão de desembarque, nos esperando, eu finalmente consegui respirar sem a sensação de afogamento. Você me disse okaeri, que na nossa língua é o bem vindo que se dá quando alguém chega em casa, quando alguém volta para o lar.

Eu queria te pedir desculpas, mas as palavras não vinham, seu sorriso me garantiu que estava tudo bem e eu murmurei tadaima. Eu estava de volta.

Rin fez um barulho de vômito, ele sabia muito bem como ser irritante, eu finalmente te encarei e nós conversamos, você com seu sorriso, eu com meu olhar. Você não perguntou se eu tinha certeza, não pediu a opinião de Rin, apenas me estendeu a mão e me levou de volta pra casa.

Eu escolhi te seguir para Tókio, você não nadou mais competitivamente, porém estava em todos os torneios que participei, cada um tinha sua casa, só que era mais para desencargo de consciência dos nossos pais, a única coisa boa é que tínhamos mais espaço para guardar nossas coisas, e como foi na nossa pequena cidade, minha casa estava cheia de coisas suas e a sua estava repleta de coisas minhas.

Você me beijou pela primeira vez no dia em que eu voltei da Austrália, logo após abrir a porta da minha casa, foi um beijo casto e delicado, nada que pudesse me fazer desconfortável. Você não apressou as coisas, seguiu meu ritmo e eu segui o seu, eu não posso definir o exato momento em que você começou a corresponder meus sentimentos, mas com toda certeza havia amor naquele primeiro beijo.

Foi em Tókio que tivemos nossa primeira noite, foi calmo, quase preguiçoso, não movido pela bebida, por um arroubo de paixão, por hormônios desenfreados ou qualquer coisa que no dia seguinte trouxesse arrependimento. Você me tocou com cuidado e eu me senti a coisa mais preciosa da sua vida. Dizem que a primeira vez é ruim para qualquer um. A nossa foi incrível.

E quando terminou, você me abraçou.

Eu te amei como nunca tinha amado até então

Hoje é um dia especial. Há caixas espalhadas por toda a nova casa, a tinta ainda cheira fresca na sala e tirando o enorme futon no quarto e a cozinha, nada está no seu lugar. Só que isso não importa. Hoje é o primeiro dia na nossa casa. Há muito que fazer e arrumar, porém não precisamos ter pressa, eu sou preguiçoso pelas manhãs e você entende isso, por essa razão decidimos fazer a mudança aos poucos, estamos começando algo novo e é para ser bom desde o início, uma simples bagunça não pode arruinar nossa felicidade, não depois de tanto tempo lutando para ter nosso espaço.

A única coisa que eu faço questão de arrumar é uma foto nossa na porta da geladeira. Foi tirada quando éramos crianças e eu ainda sou mais alto nela. Quando eu olho o Haruka que está nessa imagem, eu consigo ler o olhar que ele dá para o garoto ao seu lado. Por incrível que parece, ele já sabe que ama seu melhor amigo, por isso a água nunca seria sua primeira paixão. Acho que o tempo acabou encobrindo essa certeza, por isso eu tive que redescobri-la. Eu não me importaria menos, todo dia ao seu lado é uma descoberta que eu te amo mais do que imaginava.

Uma porta se abre e eu vou ao seu encontro, eu sei que é você, meu coração aprendeu a te reconhecer antes mesmo de te encontrar.

Você está cansado, ensinar crianças exige muito, mas te faz feliz, você me olha em silêncio, buscando meus olhos, eu miro seu sorriso.

-Okaeri, Makoto.

-Tadaima, Haru-chan.

E eu me apaixono de novo.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado. Obrigada por ler e se quiser deixar meu dia mais feliz, você pode:
1)Me dar um Makoto,
ou
2)Comentar a fic.
Bjs



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