As fantásticas crônicas de Sarah escrita por Helen


Capítulo 3
Crônica 3 — Velho do saco e Gerascofobia




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/558776/chapter/3

Sarah olhava atentamente para uma árvore, que era igual a maioria das árvores naquela floresta. A aprendiz estava encostada na parede da casa abandonada, de braços cruzados. Enquanto isso, lá dentro, pai e filho continuavam dormindo.

A cada minuto que se passava naquela manhã, mais impaciente Sarah ficava. Queria fazer alguma coisa, mas não sabia o que. Tudo a entediava no momento.

Foi então que um grito infantil rasgou o silêncio tedioso. Ela não se importou, e continuou olhando para a árvore, até ouvi-lo novamente. Então virou seus olhos na direção de onde deduziu sair o grito.

Um pequeno vulto corria pela floresta. Corria com todas as suas forças de um velho que carregava nas costas um saco de batatas vazio. Sarah tinha o coração duro demais para sentir piedade daquela criança. Sabia que ela tinha aprontado alguma coisa, e que iria pagar por isso.  justo." pensava.

Sarah encarou sua mão, ignorando a situação externa. Prestou atenção e viu que os riscos que a formavam eram escuros e grossos, como se sua pele tivesse sido costurada a algo preto. Isso a lembrou da vez que uma madame leu a mão esquerda. A mulher gritou de pavor e a soltou imediatamente, dizendo que tinha visto os portões do inferno com os próprios olhos. Ela teve que ser tirada dali o mais rápido possível, porque logo em seguida a madame começou a sentir os efeitos da maldição, e tentou atacar os pais de Sarah. A aprendiz suspirou. Olhou para o lado, onde naturalmente estaria sua sombra, e viu que lá havia nada. Sua sombra estava dentro de si, debaixo da pele.

Mais uma vez o grito da criança interrompeu seus pensamentos. Sarah gritou de raiva, impaciente. Sua voz saiu como um animal feroz, e fez tudo na floresta silenciar-se. Até mesmo os rebeldes pássaros que não se calavam por nada. Até mesmo a criança. Até mesmo o velho. Todos os olhares se voltaram para a dona do grito. Ela os encarou com desgosto, dizendo com os olhos: "Tirem seus olhares de mim, seus merdas."

Elas obedeceram ao olhar da aprendiz, voltando a cumprir seus afazeres. O velho desistiu da criança. Ela corria muito e ele não estava em forma havia tempos.

— Posso... ficar aí... do seu lado? — disse ele, se aproximando da moça, enquanto respirava com dificuldade. — Eu... não tenho... a mesma... disposição... de antes.

Sarah se afastou um pouco para o lado, deixando o velho se encostar na parede, molhando a estrutura de suor. Precisou de algum tempo até que ele recuperasse o fôlego e voltasse a falar normalmente.

— Eu odeio ter que fazer isso... Já estou começando a passar fome. — franziu a testa, lembrando de sucessivas falhas. — As crianças daqui estão ficando mais espertas e atléticas, e as das cidades tem gosto horrível.

Sarah ficou ouvindo as reclamações do velho, até que ele se virou pra ela.

— O que você está fazendo por aqui?

— Esperando Slender acordar. — Sarah desviou os olhos para suas unhas roídas.

— Sozinha? — ele abriu um sorriso malicioso.

Sarah sabia o que ele iria fazer. Mas seus reflexos eram lentos demais. Em um piscar de olhos ela estava dentro do saco, sendo carregada para só-Deus-sabe-onde. Percebeu logo que o velho havia mentido. Ele correu por todo o trajeto sem se cansar, fazendo com que o saco balançasse freneticamente.

De repente, o movimento parou e Sarah foi despejada em cima de um grande prato de marfim, no chão de pedra. Sarah tentou escapar mas havia algo como um campo de força do tamanho do prato, a impedindo. Olhando ao redor, ela viu várias crianças muito mais novas que ela em outros pratos menores, esperando o velho, que estava se decidindo qual das várias das suas facas fincadas nas paredes de madeira iria usar.

Sarah olhou para cima, e viu que o teto não parecia ter fim. Uma escuridão silenciosa e medonha se pendurava no topo daquilo que parecia ser o interior de uma árvore oca, e ameaçava cair sobre todo mundo a qualquer momento. Sentiu medo e raiva, os dois sentimentos misturados em uma só ordem: amaldiçoe esse velho.

Ele pegou uma faca com uma cabeça de abutre no punho. Seus olhos de esmeralda brilharam, famintos por sangue. O velho sorriu, e então se aproximou de uma das crianças, puxou sua mão para fora do campo de força e fez cortes seguindo a linha das suas mãos. A lâmina afiada cortava sem empecilhos, e a coitada da criança começou a berrar de desespero ao ver todo aquele sangue derramando e se espalhando pelo chão.

— Quando acordarem, quero vocês comportados, ouviram? Se não, da próxima vez vai ser pior. — o ancião ameaçou.

Sarah foi deixada por último por último. O velho pegou sua mão como tinha feito com a das outras crianças. Foi a direita, infelizmente. A esquerda, amaldiçoada, emanava uma aura escura. Ele percebeu a pontada de decepção, mas mesmo assim, pegou a faca e fez o mesmo que havia feito com as outras. Uma pequena lágrima de dor saiu dos olhos sem brilho de Sarah. Ela não berrou. Na verdade, mal disse alguma coisa. Se concentrava mais nos olhos do abutre, agora avermelhando-se com o contato com o sangue. Sentia a ave bebendo daquele escarlate, como se fosse água. Porém, a cabeça da faca virou-se para o dono, e reclamou:

Por que você quer me matar?

Perdão? — o velho franziu a testa.

Esse sangue tem veneno. — disse a cabeça. — Veneno de alma. Isso corrói bondade. E iria corroer minha bondade para contigo, criatura idiota.

— Ora, eu te trago tamanha coisa rara e ainda reclama?

Larga essa menina. Joga ela na floresta de novo. Antes que aquele homem esguio chegue até nós e...

Slender arrombou a porta.

Vocês não têm o que fazer?! — bradou, sua boca aberta mostrava as fileiras intimidadoras de dentes.

— Tenho uma vida de merda pra viver. — o idoso, tremendo de medo, largou a faca no chão, apesar da frase ousada.

O homem esguio deixou que o ódio fluísse pelas suas veias, e oito tentáculos saíram de suas costas, balançando num movimento hipnotizante.

— O que você vai ver agora, Sarah, é o motivo do porquê não se deve pegar coisas que não são suas.

Slender gritou e o bizarro som de estática de televisão soou em toda a estrutura, e a profunda escuridão do teto caiu com o abalo. Ela parecia um grosso edredom de cegueira, que não deixava Sarah ver um palmo à sua frente. As crianças entraram em desespero. De repente, ouviram o idoso gritando de dor. Sarah ouviu o som de cortes, de ossos sendo quebrados. Ouviu o som da dor, da tristeza, do arrependimento. Pensou ter ouvido um choro no meio da bagunça, mas não teve certeza. Depois de alguns minutos que pareceram horas, a escuridão se dissipou pela porta arrombada, e no recinto só restaram a aprendiz e Slender. As crianças, a adaga de abutre e o velho foram tragados pela cegueira.

Slender ajeitou seu terno (que se desarrumou um pouco na bagunça), parecendo um gentleman, ignorando o sangue que cobria suas mãos.

— Vamos?

— Não aprendi nada com essa escuridão. — bufou a moça.

— Você estava cega. Não conseguia ver as consequências dos atos cometidos, nem como eles se desenrolaram. Mas você não deixou de ouvir, não é?

—...Sim.

—Já é o suficiente.

Slender saiu andando pela floresta. Disse que iria caçar algo para o jantar, e deixou Sarah e Arthur sozinhos.

—... Hã? — Sarah virou-se para Arthur, confusa. — Do que diabos ele tava falando?

— O velho... tipo, ficou inspirado por uma condessa que usava sangue de virgens para se manter jovem, e quis fazer o mesmo. Slender disse que ele tinha medo de envelhecer e ficar feio. Então ele fez um pacto com um... abutre? Sei lá. Mas precisava alimentar ele com sangue. Daí acabou fazendo mais pactos, porque não achava que um só fazia muito efeito e...

—Mas... ué, se ele está velho, então significa que...

— Ele estava cego... Não literalmente. Mas conseguia ouvir a consciência. Por isso já não matava mais as crianças... eu acho...

—Então ele deu a alma de graça?

—S-sim...

—Que idiota.

Slender voltou mais tarde, e eles comeram carne de coelho assada, no jantar. A criatura esguia sumiu pela floresta, e Arthur dormiu novamente no seu canto. Sarah passou algum tempo deitada na grama, olhando para o céu limpo da floresta. Pensou sobre o seu futuro. Ele parecia incerto, apesar de Sarah lembrar bem dos ultimatos que todos diziam:

"Essa daí vai virar um monstro."

Ela odiava quando diziam isso, mas sentia cada vez mais que era verdade. Como se uma voz sussurrasse aquela ideia cada noite, cada pesadelo, cada rejeição. Mas desde que encontrara o velho dos sonhos, uma outra voz, doce e tranquila dizia o contrário da outra, levantando a bandeira da esperança e da inocência. Sarah não sabia quem deveria escutar, e por isso continuava ouvindo a mais velha. No entanto, nem por isso a outra voz deixava de afirmar:

"Ela parece um anjo..."


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "As fantásticas crônicas de Sarah" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.