Garota Positivo escrita por Bia Brasileiro


Capítulo 2
Capítulo 2 - O Rapaz na Estação




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Quando olhei no relógio, já haviam se passado mais de duas horas. Folhas com cálculos e outros rabiscos estavam espalhadas por toda a cama e algumas mais, caídas no chão do quarto. Abri caminho por entre alguns livros e me dirigi ao banheiro, tropeçando em algumas tralhas.

A água estava gelada, mas eu gostava assim. Sentei de pernas cruzadas no piso azulejado do Box e fiquei ali, sentido a água bater nas minhas costas e encharcar meu cabelo, escorrendo pelos meus braços e pelo meu colo, rodeando meus seios e formando pequenas cascatas descendo em direção ao meio das minhas pernas. Ainda de cabeça baixa, ergui um braço e encontrei a saboneteira, e com os dedos molhados tentei agarrar o sabonete, em vão. Senti enquanto ele escorregava entre meus dedos, caindo em direção ao chão, atingindo minha perna e deixando uma marca delicada no local. Dei um suspiro de dor e me ensaboei.

Os nós em meus cabelos se desfaziam facilmente sob meus dedos, um dos prós em ter cabelos lisos. Porém, por serem muito longos, precisavam de muitos cuidados. Em pé, sentia as pontas roçarem suavemente em minha pele, descendo e colando pelo meu corpo, encharcadas. Com um movimento das mãos, joguei todo o cabelo para as costas, e estava tão longo que chegava à altura das minhas coxas.

Só não corto essa desgraça porque Vinícius a ama. Suspirei. Algum dia convenceria meu namorado a permitir que eu cortasse ao menos meio metro de toda aquela extensão capilar.

Saí do banheiro. Em cima da cama, o celular estava aceso. Empurrei os livros no chão com um dos pés, e com um salto, me joguei na cama, ouvindo as molas rangerem em reclamação.

Uma [01] Chamada Perdida – Vinícius K.

Droga, pensei.

Disquei o número dele e esperei. Caiu na caixa postal.

Tentei uma segunda vez. Caixa postal novamente.

Já estava na quinta tentativa quando a campainha soou.

Corri pela casa como se não houvesse amanhã, escorregando pelo corrimão do corredor e tropeçando no degrau entre a sala e a entrada, batendo o rosto na madeira fria da porta. Passando os dedos na dolorida protuberância em minha testa, girei a maçaneta.

– Erica! – Jessy gritou e me abraçou.

– Erica!? – Moe ria sonoramente – Por que você ‘tá pelada?

– Ai meu Deus – Laura fechava os olhos com as mãos – Vá colocar uma roupa, minha filha!

Jéssica começou a rir.

– ‘Tava esperando o Garanhão?

– Que nada! – Moe entrou empurrando Jessy – É o amante que ia passar por aqui, né gostosona?

– Calem a boca! – gritei, rindo – E entra logo, Laura! Acabei de sair do banho.

– Meu Deus, que demora! – Laura riu – E, por favor, coloque uma roupa.

Moe olhou desconfiadamente para Laura.

– Qual o problema? – ela se posicionou atrás de mim e agarrou meu seio direito – Tem medo de mudar de time, Laurinha?

– Cala a boca de uma vez, Moe. – ri – E larga meu peito. – dei uma tapa leve na mão dela, que respondeu se afastando de mim – Se alguém entre nós tem tendências pra “mudar de time”, esse alguém é você.

Moe riu e me abraçou com força, segurando meu rosto muito próximo do dela.

– Algum problema, gata?

– PARA, MÔNICA! – Laura esbravejou – E VAI LOGO COLOCAR UMA ROUPA, ERICA!

– Ui, ela me chamou de “Mônica”...

– Não continua... – Jessy estava trancando a porta – Anda logo, Erica. Não gosto da ideia de pegar o metrô da madrugada.
– Nem eu. – dissemos eu, Laura e Moe, juntas. Percebendo a cacofonia, rimos.

– Que assim seja. – Laura respondeu, colocando a mão esquerda sobre o peito e erguendo a direita em um gesto solene – Agora, Erica, você pode me fazer o favor de vestir alguma coisa?

Quando saímos, beirava as dez horas. Laura estava visivelmente preocupada, Jessy fingia tranqüilidade – sem sucesso – e Moe parecia distraída. A plataforma de metrô mais próxima era a duas quadras da minha casa, então eu não via motivos para preocupações. Mentira.

Compramos os bilhetes e corremos pra plataforma mal iluminada. Cominamos de andar segurando umas nas outras, pra evitar que alguém se perdesse ou fosse sequestrada. A melhor ideia até então, admito.

– Acho melhor ligarmos pra alguém e pedirmos uma carona. – disse Laura, que estava quase trepada no braço esquerdo de Moe – Está tarde e escuro e tenebroso e eu ‘tô com medo.

– Para de ser cagona, garota. – Moe sacudiu o braço, descolando Laura dele.

– Garotas, se acalmem. O trem logo deve vir – acenei com a cabeça – Relaxem. Sabem a regra: Na pior das hipóteses, chuta o saco e sai correndo e gritando.

Rimos juntas por alguns instantes e então o silêncio sepulcral retornou. Aquela era uma estação em bairro nobre, então não era muito utilizada pela população do local. De toda forma, estávamos ali.

Jessica parecia um ventilador, girando a cabeça para todos os lados, à procura de algum perigo. Sempre fora a mais esperta de todas nós. Se encontrasse qualquer sinal de perigo, daria um alerta e sairíamos correndo como as mocinhas indefesas que éramos.

Exceto Mônica. Acredito na possibilidade de ela enfrentar um agressor e ainda levar a melhor. Aquela ali tinha mais testosterona do que muitos caras do nosso colégio.

De repente, Jessica me cutucou com o cotovelo, balançando a cabeça pro lado.

– Hey, parece que não estamos tão sozinhas assim.

Olhei na direção pra qual ela apontava com a cabeça. Em um canto iluminado, porém quase fora do nosso campo de visão, havia um rapaz que parecia ter nossa idade, com a cabeça baixa, absorto nas páginas de um livro assustadoramente grosso. Usava óculos e tinha cabelo loiro bagunçado, daquele tipo que acorda, passa a mão e “tá ok”. Balançava a perna freneticamente, o que sugeria que o livro estava em um ótimo momento de suspense. Jessica me cutucou de novo.

– Parece você durante os intervalos. – riu – Você deveria ir lá falar com ele.

– Tá louca? – falei baixo, temendo que nosso alvo de conversa nos ouvisse – Eu tenho namorado, ô doida. Preciso ficar conhecendo guri novo não.

– Afe, só por conhecer vai... – Moe jogou lenha – Você não estará traindo o gostosão lá só em conversar com outro cara. Sério.

– Laura, me salva.

Ela deu de ombros e riu. Ótimas amigas as minhas, bando de safadas.

Quase empurrada por Jessica, cheguei a quase dois metros do cara, que mal pareceu notar minha presença. Foi quando notei as páginas amareladas do livro, e a letra inconfundível que a editora usara para aquela série.

– Game of Thrones? Cê jura? – ri. Assustado, ele ergueu a cabeça e me encarou por alguns segundos. Creio ter ficado vermelha de vergonha, porque ele sorriu e baixou a cabeça.

– Na verdade, é O Festim dos Corvos.

– Sim, eu notei pela cor da capa. – acrescentei – Chamo de “Game Of Thrones” todos os livros da série porque é meio broxante chegar e “olha, você está lendo As Crônicas de Gelo e Fogo!” – falei rápido.

– Verdade, fica uma frase muito longa.

– Exato!

Silêncio. Podia sentir as garotas rindo atrás de mim, e me senti a criatura mais estúpida da Terra.

– Então... acho que meu metrô já está vindo. Te encontro por aí?

– Claro. – ele respondeu sem tirar os olhos do livro.

Quando voltei à rodinha, elas se continham para não gargalhar.

– Moe, liga pro teu namoradinho novo e pede pra ele buscar a gente aqui. Eu realmente não quero mais ficar perto dele porque se eu pudesse, me escondia naquele túnel de tanta vergonha.

– Haha, claro, claro. – Mônica respondeu, sacando o telefone e discando o número do namorado.

– Como foi? – perguntou Laura – Qual é, ele é muito gatinho. Pelo menos foi o que pareceu quando levantou a cabeça e sorriu pra você.

Ignorei.

– Concordo, parecia uma delicinha de pessoa. E ainda gosta dos mesmos livros que você, olha que amor!

– Cala a boca, Jessica.

– Não fica brava, por favorzinho!

– Garotas, Ramón chega em dez minutos. – Mônica guardava o celular na mochila – Vamos voltar lá pra cima antes que nossa princesa exploda de vergonha.

Todas riram, menos eu.

Ao entrar no carro, notei que foi um terrível erro. Ramón parecia aquele tipo de cara que achava que as coisas de “Velozes e Furiosos” eram possíveis no plano mortal e não-cinematográfico. Provei estar redondamente correta.

– Odeio vocês. – falei quando paramos em um sinal vermelho, tão em cima do cruzamento que o carro deixou marcas de pneu queimado no asfalto. Por Deus, eu não queria morrer daquele jeito – Eu seriamente odeio cada uma de vocês.


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