Regis Um Menino do Planeta Terra escrita por Celso Innocente


Capítulo 4
Regis e Arthur




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Pouco tempo depois, naquele que seria nosso quarto. O mesmo em que dormimos juntos na noite que passara o menino do espaço tirara a camiseta, no intuito de vestir outra, a qual eu lhe dera.

Percebendo seu peito nu, pude notar um aparelhinho tradutor, semelhante ao que também ganhara do senhor Tony na primeira vez em que saí da Terra. Então me aproximei e com cuidado tirei aquele ornamento, com a corrente na cor azulada bem transparente e aparelho oval, praticamente sem cor, parecendo mais uma pedra de gelo.

— O que está fazendo, Regis? — Perguntou-me ele.

— Apenas um teste!

Guardei o aparelhinho no guarda roupas e me voltei a ele.

— Quando você ganhou aquele aparelho? — Perguntei-lhe.

— Ableaque! — Balbuciou o menino.

— Você me entende?

— Le marqui de senti? — Se apavorou ele.

— Você não fala meu idioma terráqueo — confirmei balançando negativamente a cabeça.

Ele me olhou assustado.

Voltei ao guarda roupas e apanhei não o dele, mas o meu aparelhinho tradutor, o qual, a muito tempo estava guardado dentro da caixa do álbum de fotos. Coloquei-o em meu pescoço e afirmei:

— Agora você me entende!

— O que você fez conosco? — Insistiu o menino.

— Surpresa! — Agi com sarcasmo. — Você não fala Português!

— Falamos a mesma linguagem — confirmou ele. — Não percebe?

— Nunca lhe falaram sobre tal aparelhinho? — Insisti.

— Sim! Com ele consigo entender qualquer idioma! Mas acreditava que entre nós, éramos iguais!

— Claro que não! Você nunca esteve na Terra! Como falaria Português?

— Sempre entendi Erick!

— Claro! Ou você, ou ele... Provavelmente ele, sempre esteve usando tal aparelho, criado por seu povo!

— Meu povo é você! Meu sangue é o seu sangue! Já lhe falei sobre isso.

— Não importa — afirmei. — Você terá que aprender meu idioma.

— Por quê? — Se admirou ele.

— Você viverá na Terra! Precisa se entender na Terra!

— Meu tradutor resolve este problema.

Voltei ao guarda roupas, apanhei seu aparelhinho, lhe devolvendo, junto a uma revista antiga, que lhe mostrando, pedi:

— Use seu aparelhinho e tente ler isto!

— Realmente não consigo — fez gesto com o canto inferior da boca. — Parece algumas fotos e um monte de borrão.

— Vamos ter que aprender!

— Como assim? — Franziu o nariz, me fazendo rir.

— Primeiro, vamos trocar seu nome.

— Por quê? — Tornou a franzir o nariz.

— De repente mamãe chama: Regis! Eu atendo e era pra você. Outra vez, você atende e era pra mim.

— Que nome vou ter? Ou melhor: que nome terei?

— Que tal o inverso de Regis?

— Como fica? — Questionou ele.

— Siger! — Eu é quem fiz careta.

Pensei um pouco e continuei:

— Saiguer! Se pensarmos em brasiliano é bem chato, mas se colocarmos em americano, melhora.

— Saiguer... Não é nada legal! — Foi incisivo ele.

Tirei meu aparelhinho tradutor e lhe pedi:

— Tire seu aparelhinho e diga seu nome.

Ele me obedeceu. Estando nós dois sem o aparelho, ele balbuciou:

— Ruhtra!

Fiz cara de reprovação e ele repetiu rindo:

— Ruhtra!?

Tornei a pendurar meu aparelhinho no pescoço e insinuei com sarcasmo:

— Seu idioma é horrível! Vamos ter que aprender o meu.

— Como você entendeu meu nome em meu idioma?

— Ruh...tra! Isso lá é nome?!

Pensei um pouco:

— Espera ai! Ruh...tra... Ar...thur! É isso! A partir de agora você será apenas, Arthur!

— Parece bonito — gesticulou ele.

— É bonito! Arthur é nome de um guerreiro, que se tornou rei com praticamente nosso tamanho — tive dúvidas. — Ou não! Sei lá!... Arthur e os cavaleiros da Távola redonda... Os três mosqueteiros na corte do Rei Arthur... Vixi! Acho que to fazendo a maior confusão com esse cara!

— Você ta mesmo biruta? — Ironizou o novo Arthur, girando o indicador direito sobre a própria cabeça.

— Em todo caso, você será mesmo o tal Arthur. Não o rei! Mas o que tirou a espada de uma pedra.

— É! — Franziu novamente o nariz — Acho que você tá biruta mesmo!

Apanhei em meu guarda roupas, dois lápis e duas folhas de um caderno, arrastei o outro menino pela mão até a mesa da sala, onde, arrastando a cadeira sentamos e lhe dando uma folha e um lápis, disse-lhe:

— Vai aprender meu idioma.

Tirei meu aparelhinho e desenhei no papel a letra a dizendo-lhe bem forte:

— A.

— Ele me olhou sério e eu repeti:

— A.

Ele escreveu a mesma letra em seu papel e rindo insinuou:

— A.

Desenhei: b

— B. — Afirmei sério.

Ele desenhou e rindo afirmou forte:

— B.

Continuei algumas letras, sempre repetindo e ele fazendo o mesmo: c – d – e – f...

— Acho que isso não vai nos levar a nada! — Fiz careta.

— Kraioakis! — Riu ele. — ismyrtris!

— Que linguagem idiota! — Ironizei olhando para ele.

— Ar...thur! — Falou ele pausadamente, apontando o dedo para seu peito.

— Isso! Arthur! Escreva isso.

Desenhei na folha: Arthur

Ele rindo, escreveu até que caprichado esta palavra e eu repeti, apontando para a palavra e pondo o dedo em seu peito:

— Arthur.

Coloquei meu aparelhinho e lhe entreguei o seu, que também pendurou em seu pescoço:

— Vai ser difícil — aleguei.

— Por que não me ensina apenas a escrever suas palavras?

— Mas é preciso aprender a falar meu Português — insinuei convicto.

— Quem se importa? — Reclamou ele se levantando — Este aparelho faz a tradução e pronto!

— Este aparelho poderá apresentar defeito algum dia!

— Temos dois.

— Os dois não são eternos! São eletrônicos que com certeza pifarão algum dia.

— Quando isso ocorrer veremos o que fazer — agiu ele com sarcasmo.

— Não vou aguentar ouvir você falando Kraioakis... Ruhtra... e sei lá mais o quê!

Ele apenas sorriu:

— Sabia que hoje é o dia do meu aniversário? — Insinuei — Estou fazendo trinta e oito aninhos de uma infância saudável.

— Parabéns! — Riu ele — Serei seu eterno amiguinho, de uma longa infância.

— Vamos comigo nadar no clube?

— Eu posso? — Não acreditou ele.

— Tentaremos! — Dei de ombros — É preciso ter uma carteirinha de sócio. Mas tentaremos.

Corri ao guarda roupas, apanhei duas sungas: uma preta e outra azul e branca; despimos-nos por completo e antes de vestirmos a sunga, percebi que ele, embora fosse idêntico a mim, pela marca branca, deixada pela cueca em suas regiões “proibidas”, dava para se notar que ele tinha a bonita pele bronzeada, bem mais escura do que a minha, talvez devido ao clima mais quente de Suster, onde a temperatura média seja entre trinta e cinco e quarenta graus centígrados, enquanto que em minha cidade, seja em torno de trinta graus, com exceção aos meses mais quentes do ano, entre final de outubro e final de março, onde pode também chegar a seus quarenta graus centígrados.

Também, antes de nos vestirmos, pude perceber que ele, assim como eu, trazia grudado na parte mais sensível de seu corpinho infantil, uma pequenina pele ornamental, que em meu caso, era fruto de um desejo gastronômico não realizado de uma mãe grávida.

— Sabe por que temos esta pelinha de porco grudada neste lugar? — Questionei-lhe, em tom gozador.

Ele simplesmente balançou os ombros como a dizer: “Quem se importa”!

— Quando mamãe estava grávida de mim, morava no sítio, onde carne de porco era o que nunca faltava, porém, justamente, certa noite, quando ela teve desejo em comer pele de porco, adivinha se tinha?

Ele levantou os ombros como a dizer: “Acho que não”!

— Não tinha! E por culpa disso, somos contemplados a carregar pra sempre, neste lugarzinho especial, o desejo de nossa mamãe!

— Não há problemas! Não atrapalha!

— Mas tinha que ser justo aqui? — Ironizei.

— Pior seria se fosse na ponta do nariz! — Retrucou ele convicto — Aqui pelo menos fica escondido.

Ele tinha razão e eu nunca me ostentara para este detalhe. Vesti a sunga preta e lhe entreguei a outra, que também vestiu imediatamente. Vestimos shorts e camiseta, coloquei outros dois shorts, duas toalhas, duas cuecas e um sabonete, em uma bolsa tipo mochila, azul e vermelha; apanhei minha carteirinha social e saímos juntos para a cozinha, onde avisei:

— Mamãe, a gente vai nadar no Lago Azul.

— Como nadar, meninos? — Retrucou ela surpresa. — É quase hora do almoço!

— Não estamos com fome — neguei com falso sorriso.

— Seu irmão não poderá entrar — negou ela. — Ele não tem carteirinha.

— A partir de hoje o nome dele é Arthur, mamãe!

— Por quê?

— Chega de tanto Regis na Terra! — Neguei.

De fato, depois que fui sequestrado na Terra pela primeira vez, um grande amigo meu: senhor Luciano Cavalari, resolveu batizar seu filho, por Regis Gabriel, em minha homenagem; depois meu irmão Paulinho, resolveu me dar um sobrinho com o mesmo nome; Beth, minha primeira e única namoradinha, da época de escola, não podendo me esperar mais, me abandonou, se casando com outro homem e para demonstrar que ainda tinha um carinho especial por mim, batizou seu segundo filho, também com meu nome. Seu primeiro filho é uma menina e não poderia ser Regis.

Seguimos para o quintal e fazendo uso de duas bicicletas de tamanho médio: uma minha e outra de meu sobrinho Regis, saímos para a rua, onde lhe perguntei:

— Sabe andar de bicicleta?

— Quem não sabe? — Se exibiu ele, montando e começando a pedalar — Tenho uma das grandes!

Descemos iguais duas crianças peraltas, pela rua de minha casa. Menos de trezentos metros depois entramos na bifurcação da Rua Mato Grosso; depois de mais trezentos metros, viramos à direita na marginal do rio Maria Chica; chegamos à rodovia Luciano Arnaldo Colovan, onde a atravessamos, para ficarmos em nossa mão legítima de direção e então, fazendo mais força nas pernas curtas, no aclive acentuado, atravessamos sobre o viaduto da linha férrea; chegamos ao famoso trevo Caneco de Ouro, viramos a direita e em dupla avenida plana, pedalamos por mais quinhentos metros, onde deparamos com a fachada branca e azul do famoso Clube de Campo Lago Azul. Arthur apresentou minha carteirinha social, a qual, para facilitar na discussão com o porteiro, lhe emprestei.

Sem problemas: sua entrada foi liberada. Mas... e eu?

— Cadê a carteirinha, garoto? — Pediu-me o recepcionista. Um rapaz ainda muito jovem e educado.

— Eu não tenho! Meus pais ainda não fizeram!

— Quem é o outro garoto? Seu irmão?

— Parece? — Perguntei com sarcasmo.

— Irmão gêmeo — confirmou o rapaz. — E por que ele tem a carteirinha e você não?

— É que eu não costumo vir ao clube. Não sou muito chegado! Por isso papai não providenciou.

— Então você não poderá entrar! — Negou o rapaz, sério.

— Por favor! Prometo que vou pedir pro papai fazer minha carteirinha.

Ele se voltou à meu irmão e pediu:

— Garoto, me empreste sua carteirinha.

Arthur lhe entregou a carteirinha e ele conferindo-a, insinuou:

— Você também precisa mandar consertar a sua.

Ele forçou os lábios como a questionar: “Por quê?”.

— Sua data de aniversário está errada! — Alegou o rapaz — Aqui diz que você nasceu em oito de março de mil novecentos e setenta e um! Ou seja: hoje você estaria completando trinta e oito anos de idade.

— Quantos anos você tem? — Perguntei-lhe.

— Vinte e três — respondeu ele com sorriso irônico. — Ou seja: Sou quinze anos mais jovem do que seu irmão gêmeo.

Acontece (e sorte) que o tal rapaz, tendo mesmo seus vinte e três anos, não conhecia minha esquecida história de viajante da galáxia.

— Tudo bem — concordei. — Vou fazer minha carteirinha e pedir pra corrigir a de Regis. Posso entrar?... Por favor!

Ele fez gesto que sim, liberando a entrada.

Estacionamos as bicicletas no lado abaixo das piscinas, acima da quadra de areia; apanhei a mochila e seguimos ao banheiro, onde nos despimos, permanecendo de sunga, inclusive, meu irmão, tirando seu aparelhinho tradutor do pescoço, guardando-o junto à sua roupa e depois de uma breve ducha gelada, usando meu exame médico, passaríamos então por outra dificuldade: adentrar as dependências das piscinas.

Arthur entrou sem problemas. Mas novamente eu, como previsto, fui outra vez impedido por:

— Garoto! — Parou-me o salva vidas anfitrião: um senhor de seus cinquenta anos de idade, de jeito simpático — Cadê o exame médico?

— Não tenho! — Neguei, levantando os braços.

— Como você não tem e o seu irmão tem?

— No dia em que ele veio fazer o exame, eu estava doente! E nem adiantaria, papai ainda não fez minha carteirinha!

— Precisa providenciar urgente! — Reclamou o homem — Não é permitido nadar sem o exame!

Pensou um pouco, como se eu lhe tivesse causando um grande dilema, depois, concordou:

— Pode ir!

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