Regis Um Menino do Planeta Terra escrita por Celso Innocente


Capítulo 12
Durante a longa viagem




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/558129/chapter/12

Poucos minutos depois, entrou Arthur, que deitou-se a meu lado e me convidou:

— Vamos ficar juntos na cabine da nave, pra podermos desfrutar da viagem.

— Não quero — neguei com tristeza, porém sem mais lágrimas — Acho que quero ficar um pouco sozinho, pra poder pensar o que vai ser de mim a partir de agora.

— A partir de agora, vou ficar com você e juntos seremos uma família. É isso!

— Obrigado por seu carinho e consolo. Mas ainda assim, prefiro que me deixe um pouco sozinho.

— Tudo bem! — Insinuou ele, se levantando tristemente — Qualquer coisa estarei na cabine.

A porta já se abrira e ele já estava se retirando, quando, me virei na cama e lhe pedi:

— Me perdoe.

— Perdoar o quê?

— Você tem se mostrado tão bom para comigo e eu tenho lhe ignorado É que dentro de meu peito, meu coração está partido. Não sei o que fazer, ou o que pensar.

— Não há o que perdoar. Sou seu sangue e sei muito bem o que está sentindo. Fique mesmo sozinho um pouco. Pense muito e chore se quiser. Chorar lhe fará muito bem. Dizem que as lágrimas são o espelho da alma.

A porta tornou a se fechar por trás dele. Tornei a me virar de bruços e permaneci sozinho.

Parece que queria pensar sobre tudo e sobre todos na Terra, mas minha memória se broqueava, me fazendo não pensar em nada. Mas minhas lágrimas de desespero voltaram rapidamente e apenas imaginando Elizabeth dentro de um caixão de madeira, ladeado por quatro velas, muitas flores, que exalavam um perfume forte e enjoativo, alem de muita gente vestindo negro, permaneci durante vários minutos, até que meus olhos, ainda cheio de lágrimas, se fecharam e eu cansado, estava dormindo.

©©©©

Já teria se passado várias horas, quando tornei a acordar e percebi Erick, dormindo na outra cama a meu lado e Arthur, dormindo na mesma cama, junto comigo. Virei-me devagar e deslizei minha mão direita sobre seus ombros; ele se espreguiçou, balbuciou algumas palavras sem nexo e continuou dormindo.

Talvez, sentindo falta de um abraço ou afago amigo, abracei aquele menino e permaneci assim, em silêncio, pensando em como ele teria surgido assim do nada, criado a partir de algo que fôra tirado de mim, sem nem mesmo que eu percebesse. Algo como talvez, um fio de cabelo, ou uma gota de saliva...

Arthur era realmente um grande milagre da natureza e principalmente da ciência, criado a partir da inteligência humana, deixada por Deus Nosso Pai Celestial e que com certeza, poderia ser a salvação daquele planeta quase imortal.

O ponto a ponderar, seria apenas quanto a princípios morais e religiosos, que dizia que em cada milagre da vida, criada por Esse Ser Supremo, era criado também um espírito em forma de áurea ou alma. Sendo assim, meu irmão Arthur, era apenas uma aberração; um mero experimento humano e que, em algum dia, ao deixar a vida, restará apenas uma carcaça, sem continuidade espiritual.

Não! Não poderia ser assim! Arthur era um menino muito bom; rico em sentimentos de carinho e amor, brotados com certeza de uma alma santa, que me fazia acreditar que no momento de sua concepção forçada pela ciência, Deus, através de seus anjos de benevolência, estava presente, completando seu ser, com a tal alma, com que todos somos abençoados.

Poucos minutos depois, já cansado de ficar naquela cama, me levantei e segui para a cabine da nave, onde Luecy permanecia robusto, controlando toda nossa viagem, para que pudéssemos ficar sem essa preocupação.

Imaginei naquela hora, como ele poderia ter permanecido por trinta anos, assim, sempre naquela cabine; sempre atento e sem ninguém para conversar. É! Máquina é máquina!

— Olá Regis da Terra! — Cumprimentou-me ele.

— Que horas são agora, Luecy? — Perguntei-lhe, me sentando na poltrona próxima à porta — Na Terra!

— De onde atrelamos, são quatro horas, trinta e sete minutos e vinte e dois segundos!

— É! Acho que dormi pelo menos umas oito horas! Que dia seria hoje na Terra?

— Vinte de abril, do ano dois mil e quarenta e um.

— Puxa! — Me entristeci — Já estou com setenta anos de idade! Estou velho!

— Você é apenas um garotinho ingênuo.

— Lembra-se quando eu desafiava sua inteligência, com perguntas fáceis e respostas difíceis?

— Não existem respostas difíceis para um robô susteriano!

— Qual é a minha idade real?

— Cento e onze anos, oitenta e sete dias, vinte e três horas, sessenta e três minutos e sessenta e cinco segundos.

— O Loco sô! Quero saber minha idade na Terra!

— Setenta anos, um mês, onze dias, vinte e três horas, trinta e oito minutos e trinta e um segundos.

Permaneci um pouco em silêncio, depois insinuei pensativo:

— Luecy, você poderia me levar de volta?

— Isto aqui está parecendo um iô-iô! — Ironizou ele.

— Por quê?

— Sempre pra baixo e pra cima, sem chegar a lugar algum!

— Você poderia me levar? — Perguntei triste.

— Foi você quem quis vir! Por que quer voltar?

— Não estou falando pra me levar de volta à Terra! Eu queria que você me levasse de volta, aos meus nove anos — insinuei triste.

— Impossível!

— Não é impossível! Principalmente pra você!

— Mesmo que eu estivesse programado para receber ordens suas, esta missão é impossível até para mim.

— Não é! Por favor, me leve de volta a estar dormindo em minha cama e faça com que ao acordar e chegar à cozinha encontre mamãe lavando a louça do jantar e faça-a me receber com um beijo no rosto. Faça com que encontre papai, se preparando para o trabalho e meus irmãos se despedindo para a escola. Faça com que a Beth vá comigo rindo e falando muito, como sempre fez. Deixe-me reencontrar minha professora, dona Regina e meu amigo, Senhor Luciano e sua esposa Sara que sempre me amaram com muito carinho. Faça isso por mim Luecy e me transforme na pessoa mais feliz de todo o Universo.

— Nem o poder de seu Deus poderá fazer isto — negou o robô, sem um pingo de sentimentos.

— Dizem que pra Deus nada é impossível!

Eu estava novamente chorando.

A porta se abriu e entrou Arthur:

— Olá! — Cumprimentou-nos, bocejando.

— Vai engolir um sapo! — Caçoou Luecy.

Nem sei por que ele usava estas metáforas, se em seu mundo nem existia qualquer espécie animal, além do ser humano.

— O que há com você Regis? — Franziu os lábios Arthur, se sentando na outra poltrona e a fazendo girar — Ainda triste?

— Eu estraguei tudo, Arthur! — Chorei ainda mais.

— Por quê? — Questionou-me ele preocupado.

— Fui eu quem sabotou a nave, há trinta anos — confessei triste.

— Eu sei! — O confirmou em voz suave — Você já disse isso!

— Pois é. Eu poderia ter seguido com vocês até Suster. Chegando lá, convenceria o senhor Frene a me devolver pra Terra e em poucos dias estaria tudo bem. Eu estaria ao lado de minha família. Mas não: o imbecil aqui, se fazendo de bebezinho mimado, teve que pôr as mãos aonde não devia e estragar tudo.

— Nada disso! — Negou Arthur, tentando me consolar — Mesmo que você não tivesse agido daquele jeito, os trinta anos já teriam se passado e todos teriam tido o mesmo destino. A vida é assim mesmo!

— Não! Enquanto o mimadinho aqui ficou dormindo por trinta anos, meu pai estava morrendo... Minha mãe, sofrendo com a minha ausência e meus irmãos também morrendo todos. Meus amigos... Nem mesmo a Beth pôde me esperar.

— Se acalme que tudo vai ficar muito bem! Você ainda será muito feliz! Eu tenho certeza!

— Como? Em um mundo que não é meu.

— Faremos de meu mundo, o seu mundo! Pode acreditar. Temos uma nave muito chique, que nos levará pra conhecer todas as cidades de Suster. Só nós quatro: eu, você, Erick e Luecy.

— Meu coração está doendo demais — aleguei soluçando. — Eu sinto uma tristeza mortal.

— Sei disso! — Compreendeu o outro menino, tristonho — Vamos falar com o senhor Frene?

Levantou-se rapidamente, para alcançar o botão ligar do monitor, no alto da cabine.

— Não! Por favor! — Neguei segurando seu braço, evitando que ligasse o aparelho.

Voltou a se sentar.

— Tudo bem! Não está mais aqui quem falou!

Continuamos ali naquela cabine, os três. Enquanto eu e Arthur permanecíamos sentados, fazendo aquelas poltronas em acrílico girar em tipo de brincadeira inconsciente, o robô permanecia de pé atrás das poltronas, acompanhando toda a nossa longa viagem interplanetária, em uma nave totalmente automatizada, obedecendo a uma rota preestabelecida.

Embora Arthur se preocupasse com meus sentimentos, ele sabia que nada poderia fazer para me ajudar e que talvez, só mesmo o tempo, poderia curar, cicatrizando minhas doloridas feridas da alma.

— Regis, tire seu aparelhinho tradutor — pediu-me ele, tentando me animar.

— Pra quê?

— Tire-o! Também vou tirar o meu e vou tentar repetir o que você fala em seu idioma da Terra.

Obedeci a ele, deixando o tal aparelho, depositado sobre pequeno receptáculo, no painel frontal de nossa nave, enquanto ele fez o mesmo, então olhando bem para seus olhos, no intuito que notasse meus lábios se movendo, como em leitura labial, insinuei:

— Vo...cê é um me...ni...no bo...ni...to.

—Do...zê e u ne...ni...no vo...ni...do — repetiu ele, esquisitíssimo.

— Não é nada disso! — Ri de seu jeito.

— daun e nata jissu! — Balbuciou rindo.

— Preste atenção: — pedi, fazendo gestos com ambas as mãos.

— Cresdi abenson — fez bico com os lábios.

— Me...ni...no!

— Mee...nii...no!

Fiz gestos de que estava melhorando.

— Té...rrá! — Aleguei.

— Téé...rráá — riu ele.

— Lu...e...ci!

— Nu...de...ci.

Coloquei meu aparelhinho, o qual fazia nos entendermos corretamente.

— Fui bem? — Especulou ele.

— Tá ficando bom!

— Agora eu vou falar meu idioma e você vai repetir!

— Não quero não! — Fiz careta — Seu idioma é muito esquisito.

— Mas é você quem vai viver em meu mundo! Precisará aprender um dia!

Tirei o aparelhinho e ele balbuciou:

— Niskrow dis fracindu estony.

— Niscrô diz fracinu stone — repeti.

Ele riu e fez gesto que estava mais ou menos.

— Brandru scandy scalidi — tornou balbuciar.

— Bandoo iscandi iscalidi — repeti.

— Izahady... Ismandoo — fez careta.

— Izarradi ismandu.

Coloquei o aparelhinho e lhe perguntei:

— O que foi que você falou?

— Primeiro eu disse a mesma coisa que você me disse: Você é um menino bonito.

— Uh! — Fiz careta — Bem esquisito.

— Depois lhe convidei: venha brincar comigo.

— E a última?

— Só reclamei que estava muito feio.

— Você tem um papel e um lápis? — Lhe perguntei.

— Acho que o Erick tem! Vamos ver?

Saímos correndo da cabine, nos dirigindo aos aposentos, onde acordamos Erick, com nossa chegada barulhenta.

Ele, com a maior cara feia, de sono, se virou na cama, perguntando:

— O que está acontecendo?

— Você tem um pedaço de papel e um lápis? — Perguntei-lhe, pulando sobre sua cama.

— Pra quê?

— Empresta pra gente?

— Pode pegar no armário. Mas precisava tanta algazarra?

Arthur abriu o armário e pegou um velho caderno de brochura, com capa em seda vermelha e uma caneta Bic esferográfica preta, sentou-se sobre a mesma cama em que eu e ele repartíamos. Sentei-me a seu lado, pegando o caderno e dizendo, enquanto Erick permanecia preguiçoso em sua cama:

— Vou lhe falar uma palavra em meu idioma e escrever no caderno, nós ficaremos com o aparelho tradutor e você escreve em sua língua o que significa. Talvez assim, a gente consiga aprender alguma coisa dos dois mundos.

Ele concordou com a cabeça.

— Pla-ne-ta — pronunciei devagar.

— Que-ro ser seu a-mi-go pa-ra sem-pre — exagerei.

— Essa linguagem sua é muito doida! — Fiz micagem.

— Por quê? — Riu ele — É tudo tão simples!

— Veja aqui óh! — Mostrei no caderno — Terra começa com “te”, criança começa com “ce”! Como você pode começar as duas palavras com a mesma letra?

— Tá certo! — Confirmou ele, tornando a escrever e repetindo: — Té...rra!... ...Cri...an...ça!

escrito por Arthur

— Tá errado! — Não concordava eu. — Observe que a terceira e a quarta letra de terra é um “erre”! No entanto seus símbolos são diferentes! A terceira letra de criança é um “i” e você escreveu igual a terceira letra de terra!

— Tá certo! — Riu ele, me mostrando com o dedo.

Erick não entendendo minhas dúvidas se aproximou e analisando as palavras disse:

— Regis! Com certeza deve estar certo pra ele. Você deve analisar, que quando você fala “te...rra”, o ouvido dele escuta outra palavra completamente diferente, que não necessariamente comece com “tê” e que, quase certeza, comece com a mesma letra de quando você fala “criança”! É a mesma coisa de que quando um gringo chegue pra você e diz, “good night” ou que seja, “good evening”. O que você entende?

— Good night... Good evening! — Balancei os ombros.

— Por que você é burro! Eu entendo “boa noite”!

— Estou brincando! — Forcei os lábios — Já compreendi o linguajar estranho de meu maninho Arthur.

Nesta brincadeira que se tornou divertida, fazendo até me esquecer um pouco de minha tristeza, permanecemos bastante tempo rindo até exageradamente e fazendo com que Erick, sentindo que não haveria mesmo jeito de voltar a dormir, se levantasse e saísse para a tal dispensa da nave, a fim de comer alguma coisa.

Algum tempo depois, ele retornou, trazendo nas mãos, duas maçãs, jogando-as para nós, que a apanhamos no ar e rindo, conversando e escrevendo, passamos a devorá-las com muito apetite, pois já deveria fazer mais de cinquenta horas que não nos alimentávamos.

Como já mencionei: dentro da nave, como o tempo passa mais devagar e não há a necessidade de muita alimentação, era normal passarmos vários dias, sem sequer nos lembramos de que existia ali uma dispensa, ou cozinha, com alimentos saudáveis.

Ao final de uma completa hora terráquea, pelo menos umas quatro folhas completas daquele caderno, estavam repletas de minha caligrafia, misturada às estranhas letras, tipo símbolos, de meu irmão susteriano.

O interessante era que, o que nos parecia uma brincadeira, acabava tornando uma aula e nesse pouco tempo, deu para até decorar alguns de seus símbolos malucos, os quais, com certeza me seriam muito útil em seu planeta, onde, a linguagem, meu aparelhinho tradutor resolveria, mas a caligrafia, que estaria escrita por tudo quanto é lugar: prédios, ruas, livros, televisão... Teria mais, era que ser decorada mesmo.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Regis Um Menino do Planeta Terra" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.