Motsatt escrita por Monique Góes


Capítulo 17
Capítulo 16 - Um Ponto Delicado


Notas iniciais do capítulo

Olá pessoinhas! Demorei menos que no outro capítulo, mas ainda assim, desculpem a demora! D: Marcaram uma viagem encima da hora pro interior, e não consegui terminar o capítulo antes de ir pra lá, além de que acabei tendo um acidente (a ponte quebrou comigo encima. Não foi nada legal, a minha perna foi direto pra dentro do buraco.), então preferi primeiro cuidar da dor e a minha perna roxa-quase-preta pra então terminar o capítulo! Espero que gostem, porque pra mim esse é um dos mais importantes!



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Capítulo 16 – Um ponto delicado

Desespero.

Jake sentia-o borbulhando dentro de si.

Seus olhos passaram pelos símbolos dispostos nas árvores. Inicialmente sem qualquer significado, mas após mais algumas passadas de olhos, percebeu que conseguia lê-los. Era uma mensagem. Quando leu-a, sentiu como se houvesse recebido diversos golpes em seu estômago. Socos, chutes, tudo, e sentiu o ar sendo arrancado de seus pulmões.

“Estamos lhe observando, Galrdai.”

“A liberdade e vida delas estão em nossas mãos”.

– O-o que é isso? – Abigail questionou com a voz trêmula, o medo e descrença tão impressos que fez com que Jake recordasse de quem estava envolvendo naquilo tudo: Pessoas inocentes, sem nada a ver com aquilo tudo.

Sentiu o ódio crescendo descontrolado em seu âmago.

Deveria ter ido embora quando tivera a chance, deveria ter sumido da vista de todos quando pudera. Agora Far estava em perigo, e Lucy... Ela não tinha nada a ver com aquilo, nada! Simplesmente haviam-na pego justo para mostrar o quanto estavam dispostos a persegui-lo?! Já não havia bastado terem matado sua família adotiva?! Não bastava terem destruído a sua biológica?!

Aquele gosto amargo preenchia sua boca.

Sentia suas mãos tremendo.

Jake não era exatamente uma pessoa emotiva. Na realidade, poder-se-ia até chama-lo de apático, mas naquele momento, sentia um turbilhão dentro de si que o deixava tonto. Queria gritar, sentia que as lágrimas de raiva subiam aos seus olhos, queria socar alguma coisa com tanta ferocidade a ponto de quebrar o que viesse primeiro: Seus dedos ou o objeto. Mordeu seu lábio inferior até sentir o gosto de sangue, a respiração soando descompassada e barulhenta.

Eles queriam tanto que ele se juntasse ao seu exército assim?

Tudo isso porque eles culpavam o país em que nascera por sequestrarem a porcaria de uma princesa?

Deveria haver tantos outros Galrdai, porque ao invés de matá-los, não os treinavam, já que o perseguiam tanto?! Dane-se se eram mais fracos, mas aquilo já estava lhe fazendo perder as estribeiras!

Arranhou seu pescoço, rangendo seus dentes nervosamente. Sua visão parecia estar se avermelhando. Eles só ficariam satisfeitos quando pusessem as mãos em si, era isso?! Não bastava destruírem tudo?!

Em sua mente acabou passando o pensamento sobre o que eles poderiam estar fazendo às duas. Tentou reprimi-los, mas não conseguiu: sua cabeça estava tão bagunçada que só conseguia pensar nos piores cenários possíveis.

Sua cabeça latejava. Levou as mãos até as têmporas, pressionando-as com tal ferocidade que arranhava a própria cabeça a ponto da pele se cortar. Sentia um calor crescente dentro de si, quase que insuportável. Não conseguia suportar aquilo: Mais uma vez tudo passava por sua mente, sua família, sua mãe, sempre tão zelosa, Celinne, tão fortemente apegada às suas coisas, Pearl, sempre alegre...

E acabou pensando em Far. Os momentos que passaram juntos, como ela permanecera ao seu lado apesar de tudo o que acontecera...

Naquele dia mesmo haviam dormido juntos.

E agora aqueles malditos Bergais a sequestravam... Apenas para perturbá-lo?! Apenas para força-lo a se juntar a eles?!

Explodiu.

Sentiu como se uma parede invisível houvesse caído de sua mente, e foi como se o calor do ódio houvesse se externado. Era como se seu corpo sempre esfriasse, entretanto, a sensação era de uma aura de calor à sua volta. Abriu os olhos que sequer notara que fechara, percebendo o que havia ocorrido.

Havia literalmente explodido em chamas.

As labaredas prateadas desprendiam-se de seu corpo, tremulando furiosamente em direção ao céu. Com um estalo, percebeu que suas roupas eram lentamente consumidas por elas. Olhou para trás, vendo que Abigail caíra – certamente devido àquela cena surreal -, uma mão em sua boca, os olhos castanhos tão esbugalhados que pareciam prestes a saltar das órbitas. Jake não sabia o que dizer a ela, não sabia como se explicar.

– Me desculpe. – disse por fim, quando Rarac aparecia em disparada atrás dela. Foi rapidamente até à estaca onde o colar de Far estava, a qual começou a derreter assim que se aproximou. Pegou-o e saiu dali o mais rápido que pôde.

Um rapaz bastante alto pegando fogo – valendo lembrar que este era prateado – não era exatamente uma figura discreta, mas seguiu correndo por vielas vazias às quais sequer prestava atenção. Quando chegou a um beco entre dois prédios mal encarados, com sua tinta descascando, Rarac transformou-se em homem, pegando a Jake pelos ombros com tanta força que seus joelhos se dobraram, forçando-o a parar. Ainda assim, debateu-se entre as mãos enormes do Denor, tentando se soltar, mas ele o balançou, fazendo a cabeça do ruivo dar um tranco que o deixou tonto.

– Klodike, se acalme! O que aconteceu?!

– E-eu não sei como... – Jake moveu-se nervosamente. – Eles... Os Bergais, eles ficaram sabendo sobre Far... E descobriram onde eu estava, então...

– Os Bergais as mataram?

– Não! – balançou a cabeça furiosamente. – Rarac, não me faça pensar nisso! Eles deixaram bem claro que as sequestraram. – Mordeu o lábio já maltratado novamente. – Estava escrito na árvore, disseram que estariam observando e que “a vida e liberdade” delas estavam em suas mãos...

– Tente pensar com clareza, eles podem estar tentando te deixar desesperado justamente para lhe manipular Klodike...

Jake negou com a cabeça novamente.

– A mãe da Far ligou para lá, dizendo que ela ainda não havia voltado. Lucy também não. E... – Ergueu o colar de maneira trêmula. Já sentia as lágrimas de raiva escorrendo, mas tão logo elas saíam de seus olhos evaporavam devido à alta temperatura de seu corpo. – Isso é dela. É da Far. E eles fincaram isso na estaca de gelo da árvore. – Baixou a mão com raiva. – Para mim já prova o suficiente.

Rarac manteve-se em silêncio, encarando-o como se ainda tentasse encontrar o que dizer. Olhou para mão de Jake novamente, antes de balançar a cabeça.

– Agora as coisas estão mais complicadas. Você consegue usar seus poderes novamente, mas... – Soltou os ombros de Jake, as suas mãos vermelhas, provando que ele havia claramente se queimado por tê-lo segurado, embora agisse com indiferença diante aquilo. – Eles perceberam que não vão conseguir pôr as mãos em ti tão facilmente, então claramente vão tentar perturbá-lo para força-lo a se entregar.

Jake arranhou seu rosto nervosamente, antes de se jogar no chão e esfregou seus olhos furiosamente na tentativa de impedir as lágrimas de virem. Aquele não era o momento de chorar – aliás, não era do feitio de Jake de chorar. Nem lembrava da última vez que chorara. –, mas elas simplesmente vinham, para sua raiva. Não era apenas pelo acontecimento daquela noite, mas sim por tudo.

– Se acalme. Assim a temperatura de seu corpo irá cair também, será melhor assim.

Jake tentou fazer o que o Denor pedira, o que demandou certo tempo. Quando finalmente sentiu-se mais calma, também sentia que o calor abrasante ao redor de si havia se apaziguado, mas o deixou alarmado pelo fato de lembrar que suas roupas queimavam quando saíra da casa dos Lovelace.

Olhou para si mesmo, percebendo que estava num estado semelhante ao de Arenai: Sua pele brilhava como se estivesse iluminada por dentro, e conseguia enxergar seu cabelo como chamas tremulando a frente de sua visão, graças à sua franja. Não estava mais prateado, mas conseguia percebê-lo ligeiramente ondulado – sendo que os fios eram normalmente impecavelmente lisos -, e embora não conseguisse enxergar o fato, seus olhos azuis haviam se tornado dourados.

Mas o que realmente lhe aliviou foi perceber que ainda havia algo cobrindo seu corpo. Parecia que trajava vestes completamente feitas de cinzas, bem mais simples, entretanto bem semelhantes às que normalmente usava: Era simplesmente uma camisa de mangas curtas e uma calça. Percebeu só então também que já havia dado adeus a seus sapatos.

– Mais calmo? – assentiu. – Ótimo, temos então que ver o que podemos fazer agora. Os bergais já haviam provado antes o quão longe eram capazes de chegar, e creio que não terão escrúpulos para demonstrar novamente.

– Temos que encontrar Naphees... – Jake murmurou quase entorpecido.

– Sim, mas algo me diz que ele já está ciente do que está acontecendo. Aquele garoto sempre está um passo à frente de todos nós.

Assentiu, algo passando então por sua cabeça.

– Rarac... O meu pai.

O Denor olhou-o com estranheza, e quando este abriu a boca para falar algo, Jake explicou-se melhor.

– Meu pai adotivo. Ele ainda está vivo... Ou pelo menos, até onde eu sei, ele está. Os bergais haviam-no envenenado.

– Acha que ele pode virar alvo?

Jake hesitou.

– Acho que não, pois provavelmente creem que ele possa ter morrido, mas... Ele... Ele parecia saber algo sobre mim. Mesmo que pouco, ele sabia. – suspirou. – Meu pai passou anos escondendo a existência de Nero de mim, mesmo conhecendo-o... Ele não faria isso por nada, certo?

Rarac franziu o cenho, parecendo incomodado.

– Quer ir até ele?

–... Não me parece ser a melhor ideia no momento... Mas algo me diz que devo. Algo me diz também que preciso saber como fui encontrado.

O Denor olhou-o intensamente, mas como se confiando em sua intuição, transformou-se num cão, encarando-o como se apenas esperasse o primeiro passo de Jake. E foi o que fez. Sabia onde era a casa de Ariel, o local onde seu pai e Debrah estavam vivendo desde o assassinato. Não parecia de todo uma boa ideia, porém sentia como se fosse seu dever ir lá.

Levou bastante tempo para chegar à casa de Ariel. Era distante de onde estava localizado, mas o que mais lhe demandou tempo foi o fato de escolher as ruas mais escondidas para transitar, se perdendo algumas vezes no caminho. Levou aproximadamente duas ou três horas para finalmente chegar na casa branca de fachada amarela que normalmente repudiaria do fundo de seu ser... Mas aquele não era o momento e além do mais, ele não estava ali para visitar Ariel mesmo.

Deu um profundo suspiro, encarando o lugar, antes de saltar a cerca, parando um instante para se certificar de que mesmo com sua temperatura mais baixa, não havia a incendiado ou algo do tipo. Seguiu para os fundos, e questionou a Rarac:

– Consegue sentir o cheiro dele? Não faço a mínima ideia de onde ele possa estar.

O Denor ergueu o focinho, farejando o ar, antes de dizer:

– Segundo quarto à esquerda. – respondeu e se assustou quando ele se transformou numa águia, alçando voo e pousando exatamente na janela indicada.

Jake olhou em volta mais uma vez, verificando se alguém não o havia visto, antes de escalar até lá com a usual facilidade que sempre o surpreendia. Era sempre fácil para si escalar as coisas, mesmo que raramente o fizesse. Apoiou seus pés em uma depressão nas paredes e se soltando, abriu a janela rapidamente, antes de voltar a se agarrar no parapeito. Ficou alarmado quando percebeu o vidro estalando.

– Não era mais fácil abrir essa janela com uma mão?

– Todas as janelas dessa casa são emperradas.

Cuidadosamente entrou no quarto. Este encontrava-se escuro, entretanto, a luz que provinha de Jake foi o suficiente para que pudesse ver as formas claramente ali. Via a poltrona verde arrumada próxima a lareira, e de frente para ela, a cama.

Aproximou-se cautelosamente, e ao ver seu pai deitado sobre a cama, sua garganta deu um nó e seu coração se apertou. John parecia pequeno e magro, ao contrário de todas as vezes que o vira, sua pele estava doentiamente pálida e parecia ter sido esticada até o limite contra seus ossos, com várias veias roxas gritando contra ela. Havia profundas olheiras sob os olhos fundos, que moveram-se quase que desesperadamente devido a claridade, depois fixaram-se nele.

Viu algo que não conseguiu identificar. Medo, talvez?

Sentia novamente aquela sensação em sua nuca. Era como se houvesse algo dando voltas no corpo de John, e ele tinha certeza do que era. Recordava-se de Kogen retirando o veneno de seu corpo, e se era meio Bergal, provavelmente poderia fazer o mesmo... Mas como? Agora que conseguira usar o fogo – ainda que por acidente.

– Tente pensar no frio. – Rarac disse atrás de si.

Olhou-o, antes de retornar hesitantemente ao seu pai. Tentou se concentrar em qualquer coisa que lhe fizesse lembrar daquela sensação. Inverno, gelo, do frio o açoitando quando não estava bem agasalhado, dos dentes doendo quando se bebia algo muito gelado – odiava aquela sensação, aliás -, queimaduras de frio...

Repentinamente sentiu como se estivesse gelado e o ar ao seu redor repentinamente parecia estar quente. Olhou para sua mão, e ela parecia mais pálida, e o brilho que emanava dela era diferente, era... Glacial. Retornou para seu pai, focando para aquela sensação que provinha de sua circulação.

Esperava que na tentativa não acabasse drenando seu sangue ou algo do tipo...

Foi mais por intuição. Simplesmente sentia como seu houvesse uma fria energia que fazia seus dedos formigarem ligada a algo, e deu a ordem mental para que ela viesse até sua mão. A boca de seu pai entreabriu-se e o líquido azulado saiu dela, concentrando-se em sua palma estendida em uma esfera como se fosse um bichinho enroscando-se na mão do dono.

Rarac voou, pegando a esfera com suas garras; saiu pela janela, logo retornando e se acomodando confortavelmente no ombro esquerdo de Jake, que se abaixara ao lado da cama e observava John enquanto este ofegava como se houvesse corrido uma maratona, trêmulo.

– Pai, o senhor... – Jake sentia aquele nó irritante na garganta. – O senhor está bem? Quer dizer, está melhor?

John olhou-o, a mão em seu peito, ainda atordoado pela falta de dor. Este deu mais algumas profundas inspirações antes de assentir. Olhando melhor, parecia que todo aquela situação havia também o envelhecido bastante, fazendo-o sentir-se ainda mais pesaroso por estarem sofrendo tanto por causa de si.

– Eu... Eu precisei falar com o senhor. – continuou hesitante. – Não é o melhor momento, mas pode ser o único que tenho para fazer isso.

–... Jake? – seu pai tentou sentar com certa dificuldade

– Sinto muito pelo que aconteceu... Com mamãe e com as meninas. E é exatamente sobre isso que quero falar. Eu sei que não foram atacados a esmo, e sim por... Por minha causa.

John manteve-se em silêncio, o que para Jake valeu muito mais que uma resposta verbal.

– E você sabe disso.

– Filho, eu simplesmente...

– Agora eu sei pelo menos uma boa parte do que eu sou pai, mas há alguns pontos que... Preciso realmente saber. – Passou as mãos pelos cabelos e olhou para porta, para verificar se ninguém vinha. – Como você me encontrou é um destes.

– E-eu... Eu não sei se posso, se...

– Pai, estão atrás de mim por algo que mal sei o que é, e estão dispostos a fazer qualquer coisa para isso. – Jake balançou a cabeça. – Mataram a mamãe e as meninas e agora... Agora eles sequestraram a Far, pois de algum modo descobriram que ela é importante para mim. – Os olhos de John pareceram dobrar de tamanho. – Eu realmente preciso saber algo, qualquer coisa pode é importante, afinal, não tenho nada.

– C-como...

– Eu não sei.

Ele suspirou, olhando envolta antes, como se verificando se não havia ninguém ali, o que Jake considerou uma reação válida. Estava com a sensação de que os bergais poderiam brotar do chão.

– Eu... Eu nunca esqueci daquele dia. – John passou a mão por seu rosto. – Céus, faz tanto tempo, mas parece-me sempre como se fosse ontem. – suspirou. – Lembro que quando você tinha uns catorze anos, perguntou-me se eu havia o encontrado em Berlim ou algo do tipo, mas não. Realmente não. Estava procurando relaxar, já que ainda estava estressado pela guerra e tudo mais, então eu e Robert decidimos aproveitar a temporada de caça.

Ajudou-o a se ajeitar, pois a posição em que este encontrava-se parecia desconfortável. Entretanto, John se encolheu, fazendo com que Jake percebesse que o queimava de frio. Com uma careta, pediu desculpas e soltou-o.

– Estávamos na mata há uns dias, nem lembro quantos mais... Mas lembro-me que era o suficiente para termos abatido um ou dois veados. Enquanto estávamos procurando um local para acampar, Robert disse ter visto o que parecia fogo e correu para lá, aquele idiota... Mas acabei indo atrás dele.

Rarac moveu-se nervosamente no ombro de Jake, fincando suas garras em seu ombro.

– Era estranho. Havia uma cabana pegando fogo, mas ele não se alastrava nem nada do tipo, e não havia ninguém por lá. Quando vi, ele parecia mudar de cor, ficando cor de sangue, e então negro... Lembro-me de me perguntar se o demônio sairia de lá ou coisa do tipo. – deu uma risada fraca e sem o mínimo de humor. – O que saiu foi um homem, carregando o que no começo pensei ser duas sacolas pretas.

“Meu pai”. Jake pensou, sem entender porque exatamente, mas com pesar.

– Achei que havia ficado louco ou algo do tipo, mas quando percebi que aquilo estava acontecendo, passei para o chão direto. Todos os três pareciam ser feitos de fogo, e todos estavam tão machucados. – estremeceu. – Lembro que pareciam ter retalhando o peito daquele homem, e o sangue dele parecia lava! Brilhava e queimava a grama ao tocar o chão. Ele desabou a nossa frente, e foi quando finalmente percebi que aquelas coisas eram sacolas pretas eram crianças vestidas de couro negro.

– Eu e meu irmão, no caso...

– Sim. Vocês não estavam num estado melhor que ele. Na realidade, no começo pensei que estivessem mortos, pois estavam com sangue da cabeça aos pés, mas percebi que parecia ser um sangue... Diferente. Não era como o daquele homem. Nem eu nem Robert sabíamos o que fazer, apenas ficávamos encarando aquilo com a boca escancarada e eu pelo menos não conseguia ter nenhum pensamento coerente. E então quando pareceu se recompor o suficiente para tal, ele falou. Não conhecia a língua em que ele falava, algo que ao mesmo tempo parecia e não parecia ser árabe, mas de algum modo, ele parecia entrar em nossas mentes e se fazia entender.

Pareceu esperar, para ver se Jake havia algo para dizer. Diante nenhuma objeção, continuou.

– Aquele homem... Parecia ter sido mais para si mesmo, porém ele disse que estava aliviado pelo fato de ter chegado a um local sem muitas pessoas e depois... Foi muito estranho. Ele nos olhou, e pareceu quase como se houvesse entrado em nossa cabeça e lesse todas as nossas vidas. Só então falou diretamente conosco. A primeira pergunta foi óbvia.

– “Estão com medo?” ou algo do tipo.

– Sim. Estávamos sem condições de falar, então ele questionou se acreditávamos que monstros seriam capazes de abandonar alguém apenas pelo fato de amá-la, apenas para o seu próprio bem, ou se... Isto o tornaria mais parecido a um monstro. Lembro-me de olhar para vocês, e comecei a me dar conta do que ele pretendia fazer.

“Isso de certo modo me fez lembrar da guerra. Na qual me alistei e acabei por deixar Carolina e Debrah... Por isso eu disse que não. Que... O que ele poderia fazer era algo totalmente compreensível. Então ele me questionou o que achava se abandonasse em um mundo estranho, e deixando... Esta pessoa crua. Sem nada, nem mesmo sua identidade. Ainda sinto o frio que me deu quando ele disse aquilo, e mais uma vez fiquei sem reação.”

“Ele limpou o rosto de vocês quando começou a contar o que me pareceu inicialmente ser uma historinha, dizendo que em um lugar ao mesmo tempo próximo e distante ocorria uma guerra. Uma guerra que era fogo contra água. Talvez eu tenha pensado que fosse besteira até me recordar que aquele homem pegava fogo.”

“Falou que havia filhos de água e fogo e que estavam sendo perseguidos apenas pelo que eram. E que duas dessas crianças eram filhos deles. Que acreditava que talvez fosse melhor fazer aquilo, mesmo que pudesse vir a se arrepender depois, afinal... Era uma medida desesperada. Ele parecia estar tão dividido, tão em conflito consigo mesmo que para mim, como pai, me pondo na situação em que ele estava, foi tão... Eu não consigo descrever exatamente o que se passou por minha cabeça, porém disse que se talvez isso melhorasse as coisas, eu cuidaria deles.”

– Totalmente sem pensar.

– Talvez no dia em que se tornar pai você entenda Jake. Me pus passando por aquilo com Debrah, e tudo o que eu vi naquela guerra pareceu pesar na decisão... Porém ele disse que teria de separar os dois, pois seriam encontrados muito mais facilmente se estivesse juntos, e quem os perseguia não teriam escrúpulos em pôr as mãos em vocês. O porquê ele não explicou. Depois disso, mesmo que estivessem inconscientes, falou algo com vocês e beijou a testa de cada um, quase como se estivesse os pondo para dormir. – John passou a mão no rosto. – Só Deus sabe como aquilo me perturbou. Era óbvio que ele não queria fazer aquilo... Mas quando ele beijou cada um, vocês apagaram, e ficaram... Bem, normais. Então ele entrou naquela casa e o fogo apagou quase como mágica. Eu poderia muito bem ter acreditado que tudo fora um delírio se não fosse por vocês dois jogados na nossa frente.

– E... Foi isso?

– Bem, demorou um bom tempo até eu convencer Robert a ficar com um de vocês... Porque segundo ele “Foi você que aceitou ficar com... Essas coisinhas, não eu! Se ele por fogo na minha casa?!” – disse, imitando a voz do amigo, quase fazendo Jake rir. – Só depois de os limparmos que percebemos que eram gêmeos. Não sabíamos quem era quem, nem nada sobre vocês, então acabamos escolhendo um na sorte.

– Como quem escolhe um bichinho.

– Jake, eu sabia muito bem que eram crianças, mas literalmente tinha que escolher um. Acabei pegando você, pondo no carro, e passei o caminho de volta tentando encontrar uma história plausível para contar a Carolina. Acabei passando por um lago e dela saiu uma garotinha com uma trouxa amarrada nas costas e desmaiou na margem. Ela parecia ser o inverso do que você era, quase como gelo. E depois ficou normal. A trouxa que ela trazia amarrada às costas era um bebê.

–... Celinne e Pearl?!

– Sim. Eram tão pequenas que...

– Ficou com pena e as trouxe junto.

– É. Foi assim que os encontrei. Você acordou no meio da viagem de volta... Foi um desastre. Quando me viu, ficou olhando em volta quase como um animal preso, então quebrou o vidro carro com um soco, vomitou sangue do lado de fora e começou a chorar. Pulou da janela e saiu correndo. Literalmente me levou horas até te encontrar, tinha momentos em que eu te perdia de vista e só conseguia escutá-lo gritando, como se chamando alguém, talvez seu pai e seu irmão. – John balançou a cabeça. - Só te alcancei quando já estava escuro. Parecia ter apagado de exaustão.

–... Não consigo me lembrar disso.

– Quando acordou, parecia uma criança completamente diferente. – continuou. – Só ficava quieto, me encarando. Tentei falar contigo, lhe oferecer água e comida... Mas nada. Só ficava me observando. Foi um tanto quanto assustador. Talvez... Só então tenha perdido suas memórias. Não sei, nem tento entender essas coisas. De resto, quase tudo foi como você se lembra.

– Quase?

– No inverno que se seguiu à eu ter lhe encontrado, numa madrugada, desci para apagar a lareira. Quase tive um ataque... Pois seu pai estava sentado de pernas cruzadas no sofá, me encarando. Pensava que nunca mais o veria depois bem... Daquele dia. Ele perguntou onde você estava e pensei que fosse leva-lo, porém apenas foi até o seu quarto enquanto dormia, ficou lá durante um tempo e foi embora... Pela lareira.

– Está querendo me dizer que...

– Ele vinha de vez em quando. Disse que aquele não era seu nome, mas se eu quisesse chama-lo de algo, que o chamasse de Zedkiel. Nunca dava para adivinhar quando viria e como nos encontrou, mas ele vinha... E às vezes trazia um homem ruivo consigo, que mais parecia que vinha para vigiar. Esse era assustador, nem me atrevi a perguntar quem era. Parecia que fazia a mesma coisa com Nero na casa de Robert. Também não sei dizer quantas vezes ele vinha, pois era bem capaz de por vezes ele vir e eu estar dormindo, obviamente.

–... Quando foi a última vez em que ele...

– No dia anterior ao... Ao ataque. – Jake sentiu como se houvessem lhe dado um soco no estômago. – Ele parecia estar tenso, e com muita pressa. Zedkiel sempre tinha uma rota certa: Sala, seu quarto, sala. Mas naquele dia ele literalmente vasculhou a casa toda: Olhava cada janela e cada fresta... Parecia um fantasma, não dava para escutá-lo ou vê-lo se mover, por vezes apenas percebia que ele já estava em outro lugar depois de muito tempo. Aquilo me perturbou o dia todo... Então veio a noite.

Jake balançou a cabeça. Durante todo aquele tempo então ele... Seu pai fizera tudo aquilo, mas nunca realmente o largara de mão? Ele sabia o que iria acontecer? Então...

Onde ele estava?

Estava finalmente com aquela sensação de que era informação demais para si.

– Eu... Eu não me lembro exatamente o que aconteceu, mas... Não acho que tenham feito nada a Celinne e Pearl.

– Pai, elas estão...

– Não! Eu lembro... – John cerrou os olhos, forçando a memória, parecendo perturbado. – E-eu lembro delas gritando, e eles jogando o que me pareceram ser bonecas no chão. Mas eu tenho certeza de que quando saíram, eles as levaram, e não é loucura minha!

–... Bonecas?

– Sim. Parece que ainda as escuto... – respondeu claramente perturbado, passando as mãos pelos ouvidos. – Lembro-me dos gritos se distanciando também. Não faço a mínima ideia de como os vizinhos não escutaram. Mas de certeza, creio que... Aqueles seres as levaram. Eu lembro disso... N-não posso estar alucinando...

Jake já sentia sua pulsação soando em seus ouvidos novamente. Seu pai estava lhe dizendo que... As meninas estavam vivas? Que haviam sido... Levadas? Que não estavam mortas?

Era isso?

Algo a mais começou a martelar dentro de si.

– Você está querendo dizer... Que o que foi enterrado... Foram bonecas?

– É o que acredito. – estremeceu. – Eles... Eles podem tê-las levado para onde vocês vieram, não sei. Eu simplesmente não sei...

Jake se levantou, atraindo a atenção de John.

– ...Filho?

– Obrigado pai. – disse, hesitando um pouco antes de continuar. – Por tudo.

O homem deu um suspiro, entendendo o que ele iria fazer.

– Espero revê-lo um dia.

Jake saltou da janela, pousando na grama com mais leveza do que esperava. Assim que restabeleceu seu equilíbrio, imediatamente começou a correr, fazendo com que Rarac saísse de seu ombro e começasse a voar a seu lado para acompanha-lo.

– O que vai fazer Klodike?

– Estou...

Não conseguiu terminar. Sentiu uma forte pancada em sua cabeça, que o levou ao chão. Praguejou enquanto o mundo girava a sua frente e antes que pudesse fazer qualquer outra coisa, ter qualquer reação ou pensamento coerente, outro golpe o acertou, fazendo com que tudo escurecesse.


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Notas finais do capítulo

Cara, como eu amo o Jake '-' Mais que ele, só o Hideo de Olhos de Sangue/Meia Alma. Quem leu vai entender do que eu tô falando. Mas bem, espero que tenham gostado! Vou tentar adiantar o próximo capítulo pra postar no ritmo que postava antes!
Bem, elogios, críticas, dúvidas, tuuuuuuudo nos comentários!



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