Colunas de Myr escrita por Andre Abreu


Capítulo 1
Que Lyonn arda no inferno - 20/10/5


Notas iniciais do capítulo

Antes de começar essa pequena crônica, gostaria de dizer que o amor e a ilusão são coisas que movem até os mais fortes homens. Só.-Gardevoè Arqueax



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Vigésimo dia de outubro do ano quatro, após a invasão de Myr, são oito horas da noite e não me aparece que tenhamos realmente entendido o que aconteceu.
Vou explicar enquanto tenha essa pequena pausa durante as trincheiras.
Depois da declaração de Von Kirst, rei de Lyonn, capital de Illion, todas as terras com crenças diferentes da Cartha foram "domadas" pelo pensamento Carthesiano forçado. Em linhas curtas, Lyonn liderou diversos feudos junto a Igreja, para expandir a fé sobre Deus. Dilaceraram cada parte da crença em que passaram, e expandir sua maldita raça perfeita. Aqui redijo uma parte da declaração de Kirst:
"Que Deus nos ajude em nossa luta! Somos todos os filhos dele, e assim devemos conseguir sua honra! Não existem outros deuses além do nosso e não devemos sucumbir a essa história de relativismo histórico-cultural que tanto nos enchem a paciência! Venham homens e mulheres, jovens e sábios, devemos proteger nossa fé e mostrar como estamos certos e liderando essa Cruzada até o Reino dos Céus, mostrando a todos os seres a verdadeira Luz!"
Esse simples trecho fala por si só. Creio também que mesmo estando no interior do Deserto Uivante, não estou a salvo da Guerra, tendo em vista que estou numa trincheira agora -risos - e como é um momento de tensão, vou abandonar um pouco a minha abordagem normalmente jornalística sobre os fatos e deixar um pouco a literatura fluir pelas minhas veias. Não tenho muito tempo até que o exercito carthesiano cheguei as minhas linhas de frente, então direi o que hoje me ocorreu enquanto sofria de pequenos devaneios na varanda, em frente a minha casa.
Me mantia a pequenas respirações, bem compassadas e relaxadas, o que é bem complicado para alguém que está em uma constante Guerra com A Potência Mundial. Mesmo no interior, as coisas são agitadas por aqui. Já eram meio dia quando as luas Ko e Me, com suas cores laranja e roxa, abrandavam o azul céu de Myr. Recostado em minha cadeira e olhando pro céu com meus óculos escuros, coçando meu topete, e sem minha camisa, percebi que uma jovem moça levava compras bem pesadas para casa e com dificuldade. Minha varanda é no segundo andar, e como não é lá grande altura, pulei sem cerimônia para ajudar a moça. Aterrissei em seu lado, e acho que tomou um pequeno susto. Não me importe muito. Só sei que quando caí, não pude deixar de perceber o quanto ela era bonita e tinha um rosto bem desenhado. Tinha os dentes meio tortos, e um cabelo que parecia há alguns dias sem lavar - o que é bem comum num deserto - e diferente de mim, ela era de pele bem morena, quase negra. Eu tenho o porte Europeu de todo Illioniano esteriotipado: Pele e olhos brancos, cabelos lisos e loiros; ela não. Tinha o porte simples e matreiro de uma moça do interior, mas seus olhos demonstravam toda força de vontade de querer mudar o mundo e sair daquela constante briga. Tinha os olhos de uma raposa num trigal. Era linda. Linda não, bonita.
– O senhor deseja algo? - Interrompeu meu devaneio depois de alguns segundos em silêncio.
–Oh, sim, me desculpe - Mesurei, e acertei meu cabelo, mantendo meu topete -Sou Gardevoè Arqueax, e percebi que a senhorita precisava de uma ajudinha com as compras. Quer que eu lhe ajude?
–Nossa, pra que falar formal assim, senhor? - Riu a menina - Não tamo num congresso de gente rica e da cidade não. Pode falar normalmente, que dá pra entender. - Riu novamente. - Claro que eu quero ajuda com as compras, e fico feliz do senhor poder me ajudar. - Deu-me um sorriso lindo, um sorriso bem cuidado e bem marcado. É hoje.
Levei-a em casa, e no caminho ela me contou algumas coisas de sua vida, como as plantações do pai dela, um latifundiário de outra região, tinham pego fogo com a baixa estiagem desse ano. Me falou de sua escolaridade completíssima, mas sua vontade de querer falar como uma pessoal normal. Disse "Só por que ganhei um pouco de conhecimento não quer dizer que eu seja superior a todos. Sou só uma mocinha do interior de qualquer jeito. Não quero suprimir as pessoas que amo pelo meu ego. Gosto de viver assim." Achei seu ponto de vista louvável e muito bem pensando. Na hora até pensei em entrar também nesse movimento, mas, desisti. Não suprimo ninguém com meu pouco conhecimento. Só quem eu quero.
Como minha intuição me dizia, assim que deixei-a em casa, ela me convidou para entrar. Tomamos um chá, conversamos, interpretamos uma peça juntos, e depois nos amamos, como se fossêmos um casal de longa data. E meu deus, que mulher! Criei um afeto tão grande por ela, que não tinha sequer mensura. Como ela ainda não tinha me dito seu nome, a chamei de Madame, para ficar um pouco classudo.
O dia se passou e continuamos juntos, até que o Exercito entrou em nossa cidadezinha. Não esperávamos por isso, e foi um ataque surpresa. Eles vieram com pequenos carros e cavalos, todos armados de baionetas de repetição, e longos arcos incandescentes. Eu estava desesperado. Disse com a mais breve palavra:
–Madame, tenho que ir em casa recolher minhas escrituras, partituras, minha pena de Guert e minhas armas. Se esconda no armário, entendeu? - Ela acenou, ainda nua na cama que sim, mas consegui ver em seus olhos um pouco de medo, na verdade, muito medo. Cheguei perto dela, dei-lhe um beijo e disse - Olha, eu sei que é muito cedo para dizer isso, mas eu te amo. - Acariciei sua face com minha mão esquerda, enquanto a direita segurava fortemente uma de suas mãos - Não vou deixar nada acontecer com você.
Corri até minha casa, enquanto me escondia de tropas que passavam, estava somente de calça, óculos e botas. Não tinha arma alguma além de minha coragem. Corri e me escondi atrás de barris. Levantei a cabeça para olhar as tro... Outro pelotão, me escondi debaixo da armação de uma casa. Me arrastei naquela lama úmida e saí atrás de um bar. Não havia música. Entrei nele.
Haviam sete soldados usando aqueles uniformes ridículos da Cartha, um misturado de branco e vermelho. Branco para representar a paz, e o vermelho para representar o sangue de deus. Megalomaníacos desgraçados. Me esgueirei até o bar,procurando alguma arma que pudesse usar. Os soldados se mantinham ocupados examinando os presentes no bar. Quando olhei o espelho, pude perceber um conhecido, - é difícil não ter conhecidos em cidade pequenas como Garn - o dono do bar, Gul. Gul tinha visão minha pelo espelho apesar de estar de joelhos, como ordenavam os guardas, e fez um sinal com o pescoço para que eu pegasse no lado esquerdo do balcão. Procurei e procurei, não achava a arma de jeito nenhum, até que ouvi uma voz:
–Ei, você! O que está fazendo aí?
Fiquei estático, não me mexi. Até que poucos segundos depois, me deitei no chão e me arrastei para fora do balcão e tentei ver por debaixo das mesas do bar o que estava acontecendo. Um dos soldados segurando uma baioneta estava olhando para Gul, e falou outra vez:
–O que você pensa que está fazendo? Está rezando?
Pude perceber um leve mexer no bigode de Gul, enquanto ele suava bastante e fechava seus olhos. Estava provavelmente orando. Droga. Me apressei a procurar a arma atrás do balcão. Veio outra voz:
–Estão todos orando afinal? Nenhum de vocês imprestáveis sabe o que é um Deus! Idiotas. Retardados. Dignos de pena! - Um dos soldados de exaltou - Vou dar a vocês o julgamento de Deus, e mostrar como as coisas funcionam para quem não segue a Cartha. - Apontou a arma para Gul - Mas antes vou dar uma chance a vocês. Aquele que se converter a religião abençoada. Um Julgamento! - Riu e levantou as mãos, uma livre e outra segurando a baioneta. Os outros soldados o acompanharam.
Droga! Está na hora de eu agir. Não posso deixar isso continuar. Droga, droga, droga. Não conseguia achar nenhum arma no balcão. Mentalizei o que Gul tinha sinalizado, e continuei procurando. Não conseguia achar nada.
–Nosso primeiro julgado será você - Apontou para Gul - O bigodudo.
–Por que e.. - Levou uma forte coronhada do soldado.
–Não fale até ter permissão, seu cão! - Gul abaixou a cabeça -Vamos, me diga o nome do deus da Cartha.
–Decarthan. - Outra coronhada, mais forte que a primeira.
–NÃO, SEU CÃO! NOSSO DEUS NÃO TEM NOME! - Mais coronhadas, uma seguida da outra. Gul já estava muito ferido e sangrando. Provavelmente já deveria ter perdido a arcada dentária dianteria inteira por conta das porradas que levava.
Merda!, tenho que achar logo essa arma! Meu Qo, me ajude, por favor. Socorro. Por favor. O interrogatório continuava, e as coronhadas também. E eu ainda atrás da arma. Até que uma hora o soldado disse:
–Acho que esse negro imundo não merece entrar e nossa religião. Você. Foi. Negado! - Riu o soldado. Os outros também.
Achei a merda da arma, finalmente. Estava carregando-a. Consegui ouvir o soldado também carregando sua baioneta. Levantei-me do balcão. O Soldado apontou a arma na cabeça de Gul. Eu apontei a arma em direção a sua cabeça. Gritou assim como eu:
–QUE DEUS TENHA PIEDADE DA SUA ALMA!
E atiramos.
Depois de muitas trocas de tiros, e execuções rápidas, todos no bar estavam mortos, menos eu. Não consegui salvar nenhum daqueles que estavam lá. Uma mulher, com seus dois filhos, Gul e seu bigode, um cangaceiro, um macaxeiro e fazendeiros. Os sete soldados eu fiz questão de executar com a baioneta de cada um, por mais dificil que fosse arrancar a baioneta deles. Tive que nocautear uns, aleijar outros, cortar-lhes os braços. Coisas terríveis que não tenho de contar. Já basta essa guerra ser sangrenta. Já basta as pessoas morrerem todos os dias por religião, ou causas fúteis em que uma simples conversa já resolveria. Qual a necessidade de haver dor, quando era na verdade para ter paz, amizade, harmonia? Não. Não tem como nesse mundo.
Armei-me com minha farda, facas, pistola, rifles e outras coisas que não vejo muito necessidade de dizer, por que, afinal, são meus armamentos pessoais. Já deveriam ser quatro da tarde, ou seja, deixei Madame por horas! Eu tenho que ajuda-la!
Depois disso só me lembro de quando cheguei lá e fui apanhado por soldados. Eles me espancaram, atiraram em minha perna e me puseram amarrado em uma cadeira. Até que ouvi um grito feminino. Madame! E então um soldado apareceu pela vão da porta, sorriu e perguntou:
–Você sabe de onde vem esse grito, não sabe, Nautinho? - Neguei com a cabeça. - Mas é claro que tem... - Riu - Foi andando até o armário em que Madame estava - Por acaso tem mais alguém nessa cada, seu verme? - Neguei com a cabeça - Então porque você veio até aqui desesperado? Com certeza tem algo de muito valor aqui... - Coçou a tampa do armário - Quem sabe aqui nesse armário, não é? Ouvi dizer que coisas valiosas ficam em armários. - Risadas - Vamos ver o que tem aqui. - Apontou uma pistola para o armário - Que Deus tenha piedade se sua alma! - E atirou.
Abriu o armário, e Madame despencou, com uma bala no peito. O sangue manchou todo o carpete, até fazer uma poça. Sua respiração foi minguando lentamente, até a barriga de Madame parar de se mexer. Morta. E eu nem se quer sei o seu nome.
Não me lembro direito o que ocorreu depois, mas sei que matei aquele soldado, mesmo estando preso a minha cadeira, e depois os outros soldado na casa eu explodi com uma granada enquanto eles conversavam na cozinha, em que eu e Madame tínhamos tomado café. Foi triste manchar a cozinha toda daquele sangue imundo, mas eles já a tinham ceifado. Como era apenas um carro e três cavalos, supus que fossem uns vinte ou trinta soldados na cidade. Estava certo, eram vinte e cinco. Executei todos com suas baionetas e estaquei a cabeça de cada um em pilares que coloquei na entrada da cidade - exceto dos que explodi com a granada implosiva, esses eu apenas botei seus IDs.
Voltei a casa de Madame, e lhe dei um banho, coloquei uma roupa nova em seu corpo, escovei-lhe o cabelo, limpei as unhas, a maquiei e a beijei. Deixei-a em cima de sua cama, o único lugar em que os soldados não haviam mexido, enquanto fui comprar-lhe um caixão. Minha surpresa foi tremenda até perceber que todos na cidade estavam mortos, exceto alguns feridos, ou com medo demais para aparecerem. Peguei um caixão na funerária, e levei de volta até madame. Coloquei-a lá dentro, orei para todos os Deuses que conhecia, e fui enterrá-la. Durante uma de nossas conversas, ela disse que amava rios, então cacei um no mapa, até achar o mais próximo, que ficava à alguns dias de caminhada. Decidi leva-la comigo até o rio.
Após isso, eu fui vasculhar Garn, a cidadezinha, e sobraram apenas poucas pessoas, dentre elas o Velho Juk - que de velho não tinha nada - e o Youn - um asiático de Aika, que veio parar em Myr pra caçar borboletas gigantes. Pobre coitado. Quando descobriu que não existem borboletas no deserto ficou um pouco chateado, e acabou ficando por essas paragens por que não tinha dinheiro para voltar para casa, ou ir para Brynhyldr, onde realmente existiam borboletas gigantes . Com esses dois, fui-me até as trincheiras, que ficavam na Vanguarda.
Como eu disse, estou nas trincheiras junto com Juk, Youn e o caixão de Madame, e ao longo do tempo em que passei escrevendo, nenhuma outra troca de tiros aconteceu. Oh, droga, é só falar... Se eu estiver vivo até o final disso, continuo o que escrevo.
Adié,
Gardevoè Arqueax


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Notas finais do capítulo

Sentirei sua falta, Madame.



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