O Diário de Sophitia escrita por Hikaru


Capítulo 1
Sophitia Marinos




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15 de setembro de 2012, sábado

Universidade de Roma

Finalmente o dia da minha graduação chegou. Um peso enorme é tirado dos meus ombros cada vez que eu olho para o canudo do diploma. A cerimônia foi bela, como todas são, mas não acho que seja digna de nota neste diário. Estou escrevendo aqui por causa do que aconteceu depois da cerimônia.

Estava eu conversando com meus amigos sobre planos futuros, alguns distantes, outros nem tanto. Um caso raro entre meus colegas, eu sabia exatamente o que fazer agora que havia me graduado. Com o diploma de História nas mãos, irei me especializar em arqueologia e, talvez, com alguma sorte, conseguir alguma autoridade em mitologia. Não é um bom prospecto em termos de renda, mas, fazer o quê. Melhor viver feliz do que viver rica.

Fui interrompida no meio das minhas conversas e meus devaneios por um toque no meu ombro. Dra. Amelia, minha professora de História Antiga, queria dar uma palavra em particular comigo. Éramos amigas de longa data, desde que eu tinha feito e me apaixonado pela sua matéria. Estava inclusive trabalhando em estágios voluntários com ela, e achei que fosse disso que se tratasse.

- Olá Sophitia. Queria te dar pessoalmente os parabéns pela sua graduação. Você foi com certeza uma das melhores alunas que eu já tive.

- Obrigada, professora. Você também foi uma das melhores professoras que eu já tive.

- A mais enrolada também, eu aposto. Escuta, Sophitia, agora que você tem um tempo livre, gostaria de te fazer uma proposta.

- É claro que vou fazer meu mestrado com você, professora.

- Me deixa muito feliz saber disso, mas na verdade, não era isso que eu tinha em mente. Você conhece minha pesquisa, digamos, “secreta”, não?

O tal livro. Amelia era obcecada com o livro. Algo sobre a Igreja Católica e a Inquisição. Pessoalmente, acho um desperdício de talento de uma professora tão brilhante.

- Conheço por alto, sim. O que tem ela?

- Bom, eu irei fazer uma expedição às catacumbas daqui de Roma e tentar procurar pistas sobre esse livro. E claro, não tive ninguém que quisesse me acompanhar. Eu não necessariamente preciso de ajuda, mas ela é sempre bem-vinda...

Não gostei do rumo que esta conversa estava tomando.

- Professora, eu sinto muito, mas eu acho que não posso investir numa expedição dessas. Eu irei voltar para a Grécia daqui a uma semana para ver minha família, e só voltarei para a prova do mestrado.

A decepção no rosto dela era devastadora, e por um momento eu quase reconsiderei a oferta. Meu apreço pela professora é grande, mas eu tenho que ter prioridades. A missão dela certamente é puro desperdício de tempo, tempo esse que eu não planejo gastar à toa.

- Tudo bem, eu entendo. Te desejaria boa sorte na prova, mas não acho que você vá precisar dela. Irei manter contato.

Assim ela se despediu, saindo cabisbaixa. Me senti bastante culpada por deixa-la assim, e ainda me sinto. Talvez por isso que, assim que cheguei no apartamento, fiz uma extensiva pesquisa sobre o tal livro.

Tudo o que achei foram teorias conspiratórias sem pé nem cabeça, histórias que mais pareciam ter saído de um livro para adolescentes, entre outras informações bizarras. Me intriga bastante que uma profissional séria como Amelia perca tempo com algo tão estupidamente fictício como este livro. Na verdade, estou no momento escrevendo deitada na cama, sem conseguir dormir, de tão intrigada que estou.

21 de dezembro de 2012, sexta- feira

Minha casa em Atenas, Grécia

Os dias passaram sem maiores surpresas desde meu último registro neste diário, mas os eventos de hoje são dignos de nota.

Estava eu estudando para minha prova do mestrado que será mês que vem (ou seria, não sei como os eventos de hoje vão afetar, praticamente, bem, tudo) quando eu senti. Eu senti, com todos os sentidos do meu corpo, um estalo. Um clique profundo, abismal, sobrenatural, que reverberou e preencheu todo o meu corpo. Fui ao chão, chocada e sem controle do meu corpo, que me falhou no momento. Meu cérebro desligou-se de todas as funções básicas que me mantinham viva por alguns segundos, e parece que se dedicou inteira e exclusivamente ao fenômeno que ocorrera. Inconscientemente, eu sabia que algo grande estava acontecendo.

Acordei. Após alguma dificuldade para me levantar, chequei o horário no computador e vi que tinha passado apenas alguns minutos desmaiada. Corri para o andar de baixo da minha casa para verificar se meu pai e minha mãe, que certamente tinham uma saúde mais sensível que a minha, estavam bem. Meu pai estava vermelhíssimo e suando, sentado em uma cadeira. Minha mãe parecia bem, mas extremamente preocupada.

- Minha filha, você está bem?

- Sim, mãe, estou. O que houve com o pai?

- Parece que eu ele teve algum tipo de parada cardíaca, mas já passou. Estava quase chamando a ambulância quando ele me impediu e disse que estava bem.

Ficamos algum instantes em silêncio, olhando para o meu pai.

- Mãe... O que foi aquilo?

Ela olhou para mim, preocupadíssima.

- Você também sentiu? Será que nós estamos com alguma doença, Sophie?

- Não acho que seja isso mãe... Seria uma doença bastante bem organizada para atacar nós três exatamente ao mesmo tempo.

- Mas então o que diabos foi isso?

Sentei-me à mesa, exausta.

- Eu não sei mãe, sinceramente.

Me levantei quase imediatamente, com as ideias já se realinhando na minha cabeça.

- Mas a internet sabe.

Disparei para o meu quarto, quase me jogando na cadeira da escrivaninha e caindo de novo. A internet, para minha surpresa, estava entupida de menções a fenômenos estranhíssimos, mas todos extremamente parecidos com o que eu havia experimentado. Pessoas ao redor do mundo todo sentiram um estalo que dominou absolutamente todos os seus sentidos, algumas por apenas alguns milésimos de segundos, e algumas ainda estavam em coma.

Como uma mulher da ciência, fiquei perplexa, e até um tanto assustada. Pois esse fenômeno não parecia ter nenhuma explicação científica. Pesquisadores e conhecedores dos mais diversos assuntos publicavam teorias vagas e sem base, tentando acalmar uma população que eu suspeito ser global. Bastante confuso, e sem precedentes na história. Algumas pessoas estão descrevendo o que aconteceu como “magia”. É uma explicação que se encaixa, mas não tem a menor lógica. Amanhã mesmo irei investigar o assunto. Por hoje, é melhor descansar e cuidar da minha família. Não sei se este evento pode ter deixado alguma sequela na nossa saúde.

27 de janeiro de 2013, domingo

Minha casa em Atenas, Grécia

Apesar dos acontecimentos bizarros de 21/12/2012, nada mais de estranho havia acontecido até hoje. No entanto, ao checar as notícias na internet hoje de manhã, me deparei com um vídeo no YouTube. Nele, uma jovem indiana movia cata-ventos. Ela simplesmente agitava as mãos, e os cata-ventos em sua frente giravam sozinhos. É óbvio que isso pode ser apenas truques de edição de vídeo para pregar uma peça ou algo do tipo. Mas, eu não sei o que pensar sobre isso. A qualidade do vídeo não era muito boa, e eu sinceramente não sei se isso torna sua edição mais fácil ou mais difícil.

Ao pesquisar sobre o assunto, descobri que alguns sites locais de notícias haviam realmente reportado algo sobre uma jovem que poderia controlar correntes de ar. Asha Parekh é o seu nome. Comprei um quadro desses que os policiais usam para pregar artigos de jornais e fotos, imprimi uma reportagem traduzida e uma foto da jovem e coloquei no quadro. Talvez eu esteja imaginando coisas, mas o fenômeno do ano passado me deixou extremamente intrigada sobre notícias desse tipo, e esta é a primeira que eu não consegui facilmente desmentir. No entanto ainda é muito pouco para iniciar uma investigação de verdade.

1 de fevereiro de 2013, quinta-feira

Um apartamento minúsculo no subúrbio de Londres

Com o lamentável caso do desaparecimento da Dra. Amelia, tive que procurar outro lugar para fazer meu mestrado. Londres me pareceu uma ótima opção na hora, então me deixei levar pelas ilusões da terra dos Beatles e da rainha. Fui logo recebida pelo famoso clima londrino assim que sai do avião: frio, nublado, chuvoso. Não que eu esteja reclamando, mas já sinto falta do sol grego.

Aluguei um pequeno apartamento em um daqueles bairros que você vê nos filmes onde todas as casas são exatamente iguais, grudadas umas nas outras, e o vermelho dos tijolos das paredes é onipresente. Como não tinha dinheiro para alugar um lugar só para mim, tenho uma colega de quarto.

Elizabeth Barrow é uma moça loira, alvíssima, de olhos extremamente azuis, uma ariana típica. É extremamente curiosa e inquisitiva, e em poucos instantes de que eu entrei no apartamento e encontrei-a assistindo TV na sala ela já sabe praticamente minha trajetória de vida inteira. Também da vida dela aprendi um pouco: se mudou de Durham para Londres para fazer mestrado em Evolução. Apesar de sua natureza inquieta ter me incomodado um pouco, não pude deixar de admirar seu conhecimento de biologia e ciências gerais.

É óbvio que ela ficou empolgadíssima com meu modesto quadro de eventos ligados ao estranho fenômeno de dezembro do ano passado. Ela admitiu que não tinha ocorrido a ela a possibilidade de o fenômeno e os estranhos relatos de habilidades sobrenaturais estejam ligados. Ela aceita bastante bem as teorias que apresento ela, apesar da estranheza que isso deveria causar a uma mulher da ciência como ela. Mostrei a ela todos os recortes e vídeos que eu havia juntado até agora.

Passamos boa parte do resto do dia discutindo sobre quem poderia desenvolver tais habilidades e o que desencadeavam elas. Elizabeth é de opinião que qualquer um possa desenvolve-las. Eu acho que nós não temos nem de perto informação suficiente para afirmar algo do tipo.

Como as aulas não começam em pelo menos umas duas semanas, decidimos investigar um pouco casos locais amanhã.


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Notas finais do capítulo

Engraçado como a Sophitia surgiu do nada na minha cabeça e eu já gostei dela pra caramba. A Elizabeth já habitava minha cabeça a algum tempo
Engraçado também como eu gosto desse pequeno mundo esquisito que eu criei, e como eu gosto de extrair histórias dele
Nunca vou contar como eu fiz a imagem da capa da história. É muito envergonhante



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