Jogo de Mentiras escrita por Kiyuu


Capítulo 1
Único




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c4pt4inBurger abriu um novo tópico privado no fórum

COMUNICADO IMPORTANTE, BROS. ESSE TÓPICO SÓ TÁ VISÍVEL PRA QUEM EU ESCOLHI.

É ESSA MADRUGADA QUE A GENTE ENTRA EM AÇÃO. ESPERO QUE NINGUÉM DESISTA AGORA. NÃO QUERO NENHUM BROXA NO GRUPO, FLW?

A INTERNET É TODA MINHA, QUER DIZER, NOSSA. COM ESSES CÓDIGOS, A GENTE PODE TUDO. NINGUÉM NUNCA PERCEBE QUE A GENTE TÁ ALI, SEMPRE OBSERVANDO E REGISTRANDO. SÓ SERVEM DE PEÕES PRA GENTE, PRA CONTRIBUIR COM O NOSSO JOGUINHO. BANDO DE IDIOTAS. A INTERNET NÃO É E NUNCA FOI LIVRE E SEGURA. É SÓ MAIS UM LUGAR PRA GENTE SE DIVERTIR. E A GENTE QUEM VAI LIDERAR ESSA FESTA!!!

VAMOS CONSEGUIR TIRAR UMA GRANA PRETA DISSO, PODEM CONFIAR. E VAI SER DIVERTIDO PRA CARALHO!! LULZ!

Assim que terminou de digitar com uma velocidade inumana, o garoto no quarto escuro, iluminado apenas pela tela do computador à sua frente, ergueu os braços para se espreguiçar e alcançou uma lata de energético sobre a escrivaninha.

Estivera digitando códigos há exatamente cinquenta e três horas, como constatou após checar o horário na barra de tarefas do computador. Não se lembrava bem da última vez que dormira ou desligara o computador, mas o seu corpo se movia praticamente à base dos energéticos e pacotes de batata frita.

Alguém tinha respondido a postagem no fórum. Ele deu um último gole na bebida e atirou a lata para trás, ouvindo-a cair na pilha de tralhas que era o chão do seu quarto – aliás, de todo o seu apartamento.

silverPhantom diz:

isso aí, cap!! vamos mostrar pra esses agentes retardados quem é q manda.a gnt so vai parar quando todos eles usarem sapatos na cabeça, lulz XD eu passei anos esperando por isso.

- Eu também passei, bro – Ele respondeu em voz alta, mesmo que não estivesse em uma conversa de voz.

E de fato, passara anos esperando. Três anos trancado naquele quarto daquele apartamento alugado. Na frente do computador vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana. Alfred F. Jones não era o melhor exemplo da família. Abandonara a faculdade logo no primeiro ano, ainda que tivesse recebido uma ótima bolsa de estudos numa faculdade a milhares de quilômetros da casa dos seus parentes.

Apesar de ser um NEET virgem que quase nunca respirava o ar do exterior, Alfred era um jovem ambicioso. Entretanto, ao cair na armadilha que é a vida real (após a emancipação), rendeu-se sem muita demora. É claro que queria se tornar um empresário famoso e renomado, ou ser contratado pela NASA para dar um rolê pela Lua vez ou outra. Mas aquilo não era fácil de ser obtido, e ele só percebeu isso a certo nível de maturidade, assim como no momento em que descobriu que não podia ser um super-herói quando crescesse. Em suma, Alfred não teve a determinação para estudar todas aquelas apostilas que pesavam uma tonelada.

Decidiu ficar na Califórnia e conseguiu alugar um apartamento com um colega – colega esse que agora mal aparecia na residência. Ele não sabia o que o cara fazia o dia todo, mas quando raramente aparecia, era com alguma vadia da rua – e por isso que era inviável dividir o quarto com o colega. Alfred também não fazia ideia de como ele arrumava o dinheiro para pagar a sua parte do aluguel. Já ouvira que o tal Gilbert estava envolvido numa gangue ou algo do tipo, mas ele trazia para casa o estoque de hambúrguer congelado, e para o jovem trancafiado no quarto, aquilo era o bastante que precisava saber.

O garoto, aos seus dezenove para vinte anos, nunca se preocupara em procurar trabalho. O dinheiro que conseguia vinha da internet. Roubando senhas de cartão de crédito, hackeando e vendendo informações e arquivos ilegais. A internet era sua vida e seu tesouro.

Era o “comandante” de um grupo hacker que já atacava redes sociais e vendia informações pessoais com frequência, além de outros atos considerados crimes virtuais, tudo apenas por diversão. Mas agora, Alfred – ou deve-se dizer c4pt4inBurger - planejava o maior ataque da história do grupo. Iriam tentar invadir o site da CIA naquela madrugada, no dia 30 de agosto. Estavam escrevendo e testando códigos há meses, vagarosamente planejando o ataque como víboras prestes a dar o bote.

Enquanto respondia às mensagens no fórum e jogava online simultaneamente, sentiu que precisava de um hambúrguer naquele exato instante. Se arrastou para a cozinha-sala apertada do apartamento, mas ao abrir a geladeira menor do que ele, não encontrou nenhum vestígio de hot-pocket. Gilbert ainda não havia aparecido, e o relógio estava prestes a tocar a meia-noite.

Sim, ele podia sair de casa e ir até a loja de conveniência do posto de gasolina, mas... Não ponderou sobre aquela ideia por muito tempo, e apenas pegou mais uma lata de energético com cafeína extra antes de regressar à toca. Tinha coisas para preparar, e perder tempo não é viável quando você está prestes a invadir um site nacional e confidencial.

--

Kirkland soltou um suspiro pesado após desligar o celular e guardá-lo no bolso da calça social. Aquele panaca da barbicha ridícula não entendia quando ele não podia tratar de assuntos pessoais? Sinceramente, não merecia isso.

Não demorou a atender a porta da sua sala, pois alguém esteve batendo por um minuto inteiro, enquanto o rapaz tentava se livrar do ex-namorado no telefone. Antes de puxar a maçaneta, passou novamente as mãos pelos cabelos loiro claros, na esperança de que ficassem jogados para trás.

Encontrou o seu colega de trabalho, fitando-o com um olhar alerta e preocupado. O agente ficou curioso, e juntou as grossas e escuras sobrancelhas.

- Senhor Kirkland – Disse o homem com o nome “William” em seu crachá, e foi bem direto: – Uma invasão ao website.

- O quê?! - Exasperou-se Kirkland, com um olhar espantado. - Uma invasão? Como… Quem?

- E-Estão chamando o senhor na sala de controle…

O agente mal esperou para ouvir o fim da frase e saiu às pressas de sua sala. Todos ao redor estavam com a mesma expressão de incredulidade grudada em seus rostos.

Arthur Kirkland era parte da divisão NCS - National Clandestine Service (Serviço Clandestino Nacional) - dentro da Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos - mais conhecida como CIA, há um período de quatro anos. Conseguira ser contratado por uma Agência de tamanha importância bastante cedo, por ter uma mente excepcional: ainda era consideravelmente jovem, visto que há pouco tempo chegara aos seus trinta.

Inglês de alma e coração, Kirkland não exatamente amava os Estados Unidos com tanto patriotismo quanto era comum em seu ambiente de trabalho e convivência, por mais que fosse praticamente uma exigência. Sentia saudades do seu país de nascença, mas o seu trabalho em Washington DC gastava quase todo o seu tempo disponível. A despeito da distância, Arthur ainda mantinha seu sotaque britânico evidente e forte, se negando a habituar-se ao modo americano de falar.

Passou o seu cartão no leitor ao lado da porta, enquanto um homem urso de óculos escuros o fitava - não por estranhamento, na verdade, mas por uma indecente curiosidade sobre uma marquinha visível no pescoço do agente.

Assim que entrou, foi abordado por mais daqueles olhares. Vozes de vários agentes e sons de teclas sendo pressionadas freneticamente eram a trilha sonora do aposento. Os painéis de toda a sala mostravam a imagem do website da CIA. Fora do ar.

- Quem deixou isso acontecer?! - Indagou o agente, avançando sala adentro.

Um rapaz baixinho e com aparência de muitos anos mais jovem, em seu crachá gravado “Honda Kiku” e logo abaixo, “Clandestine Service” , prontificou-se:

- Desculpe, Kirkland, nós… Não conseguimos bloquear de jeito nenhum. Parece que usaram uma espécie de código que nunca vimos antes, e…

- Tá, não importa! Só ponham o site de volta no ar! - Exigiu Arthur, uma ruga formada entre suas sobrancelhas escuras e grosseiras. Aquele traço lhe dava um ar estranhamente intimidador. - Qual o IP e localização desse bastardo?

- 208.64.255.158, Los Angeles, Califórnia - Informou quase de imediato uma agente que digitava sem parar, enquanto Arthur percorria a sala com frustração.

Ele olhou para o painel com o site fora do ar, e montou uma expressão intimidadora para ele antes de ordenar, com uma voz firme:

- Mandem pegá-lo.

--

Uma mesa tão encerada que se parecia com um espelho. Sobre ela, uma plaquinha folheada a ouro com os dizeres “Alfred F. Jones - Presidente dos Estados Unidos da América”. E na cadeira, um homem com um sorriso ofuscante e uma gravata apertada.

Podia mandar aviões de caça destruirem a cidade de nascença do Justin Bieber. Podia aprofundar-se em pesquisas sobre mutações para fazer chover hambúrguer ao invés de água. Podia mandar construírem milhares de robôs transformers e mandá-los em patrulhas colonizadoras pelo espaço. Ele era o presidente dos… O presid… Estados… Améric…

- Acorda, ô rapaz - Interrompeu um homem de terno e óculos escuros. No entanto, ele não se parecia nem um pouco com um dos súditos de Alfred F. Jones.

- Quê...? - Balbuciou o jovem de cabelos loiros, ainda tentando abrir seus olhos. - Ué… Quem é você? E por que eu tô usando algemas?

O homem de óculos olhou para outro homem de óculos que o acompanhava, e fez um comentário sarcástico.

- A droga deve ter afetado ele. Vem, saia - E fez um sinal para que ele saísse da cela, segurando a porta da grade.

Na cela. Alfred então se deu conta de que estava algemado, dentro de uma cela, usando roupas de presidiário.

Ah, sim, ele fez mentalmente quando se recordou do que tinha acontecido antes de o drogarem com alguma coisa. Tinham conseguido invadir o site da CIA com sucesso, e ele ficou fora do ar por alguns minutos, mas aí… Homens com armas assustadoras invadiram o apartamento e tentaram levá-lo. Sem entender nada, protestou, mas só o que conseguiu foi ser drogado. Depois disso, não havia mais nada além do sonho do presidente.

O homem na porta da cela pigarreou. Alfred levantou-se num pulo, com suas mãos tremendo e os olhos azuis arregalados.

Os dois homens de terno e provavelmente com armas sob eles escoltaram Alfred, que suava remorso e pensava em como devia ter considerado as consequências antes de agir, até a porta de uma sala.

Fizeram o rapaz algemado entrar, sem nenhuma palavra sequer, e desapareceram. Ele ergueu seu olhar assustado para se encontrar em uma sala simples, escura, com paredes de painéis brancos e um ar bastante monótono. Um segurança enorme de óculos escuros mantinha-se ereto no canto, com seu cacetete de confiança na cintura. Mas o que chamou mais a atenção do jovem foi a mesa no centro, iluminada por uma luz amarelada, com duas cadeiras. Sobre uma delas, uma silhueta meio encoberta pela penumbra escura.

- Sente-se - Disse, ou melhor, ordenou o homem de terno.

Alfred engoliu em seco, mas resolveu não hesitar muito, e sentou-se na cadeira, sentindo-se desconfortável. Tentou enxergar melhor o outro rapaz, porém a lâmpada amarelada recaía mais sobre si.

Ouviu um estalo de língua, e se preparou para o pior dos interrogatórios.

- Você tem mesmo aparência de um adolescente virgem, hein, garoto. Qual sua idade?

O quê? Que tipo de pergunta era aquela…? Alfred não compreendeu o objetivo do interrogador - que possuía um ridículo sotaque inglês - com uma pergunta tão trivial.

- V-Vinte… E um… - Murmurou, ainda mais assustado do que antes.

- Uh-huh. Não como se eu não soubesse. Queria ver se iria mentir.

Alfred encarou a mesa pesarosamente.

- Até que é bonito para um daqueles que vivem alienados ao computador.

Ele só podia estar brincando consigo, Alfred pensou. Aquilo era mesmo um interrogatório? Ele tinha invadido o site da CIA. Onde estava toda a pressão?

- Então, Jones. Deixe-me saber sobre você. - Kirkland disse num tom forçadamente descontraído. - Tem namorada ou namorado?

- Q-Que tipo de pergunta é essa? - Interrompeu Alfred antes mesmo do outro terminar a frase. - Tá pensando que eu… Eu sou gay?! Olha, você não tá dando em cima de mim, né?

Ele reage com desconfiança quando acusado, como se tivesse sido insultado. Com esse tipo de reação, provavelmente irá arrumar desculpas e mentir se for acusado, anotou mentalmente o agente Kirkland.

- Não vamos embarcar em discussões divergentes - Disse, seu falso jeito descontraído desaparecendo. - Tem amigos?

- A… A maioria pela internet.

- Claro. Mas nenhum próximo na vida real?

- Tem o… Gil, o meu colega de apartamento - Confessou Alfred, lembrando-se de Gilbert e ponderando se ele estaria preocupado consigo. Provavelmente não.

Ainda assim, Alfred achou que não seria bom colocar Gilbert na confusão. Ele não merecia sofrer pelas suas mancadas. Era melhor dar alguma desculpa para esquecerem o assunto.

- Mas ele não é tão próximo assim, na verdade...

- Uh-huh. Por acaso esse seu colega estava em casa na madrugada anterior?

-... Não.

Não deixa de ser um cúmplice, avaliou o agente Kirkland, focando nas expressões e reações do culpado com bastante atenção.

- Vamos ao ponto desse interrogatório. - Cortou Arthur, inclinando-se sobre a mesa e apoiando os cotovelos sobre a superfície.

A luz amarelada permitiu que Alfred visualizasse melhor sua face, apesar da sombra que cobria os seus olhos. Entretanto, não foi difícil ver aquele olhar gelado fixo em si, enquanto ele fazia a afirmação que fez Alfred suar frio.

- Você é o suspeito principal da última invasão ilegal ao nosso site, que contém inúmeras informações confidenciais.

Alfred não soube bem como reagir, ainda mais com aquele olhar pesaroso sobre si. Suas mãos algemadas tremiam, seu coração acelerava e suor molhava sua testa. O que dizer? Que não o tinha feito? Eles tinham seu endereço de IP, não havia como negar.

- S-Sabe, vocês podem ter confundido…

- Há! Confundido?! - Riu o agente com escárnio. - Não sei se já percebeu, querido Jones, mas nós somos a Agência Central de Inteligência. Nunca iríamos jogar a pessoa errada numa cela.

Kirkland tamborilava os dedos sobre a mesa com desdém. Alfred engoliu um bolo de nervosismo que estava preso em sua garganta.

- Sabe que vou ficar aqui até ouvir você confessar da sua própria boca, não sabe? Não adianta continuar negando - Ele desafiou.

Alfred teria que confessar. Não havia outro caminho a se seguir. Aquele agente tinha todas as informações sobre ele, e um método profissional de fazer pressão em quem interroga.

Não. Ele não podia desistir tão cedo.

Não era ele, Alfred F. Jones, quem sempre dizia não ter medo das autoridades? Agora era a hora de tentar provar que não era um hipócrita covarde. Um choque de súbita coragem o atingiu no momento em que disse:

- Não tenho medo de você.

A reação de Kirkland foi lenta, como se avaliasse as palavras que o suspeito jogara no ar, com as sobrancelhas erguidas. Consegue ser persistente e otimista mesmo quando não há esperanças concretas, ele rabiscou no seu bloco de notas mental.

- O que o faz pensar que é capaz de dizer algo assim com tanta confiança?

Kirkland esperou por uma resposta inteligente - afinal, talvez ele não fosse tão bobo e imaturo como o agente lhe julgara antes. No entanto, descobriu que o que pensara era mesmo o certo sobre Alfred F. Jones.

- Eu tive coragem pra fazer aquilo, então eu sabia que… Isso podia acontecer - Mentiu Alfred, sua expressão nervosa traindo toda a sua confiança. Kirkland achava extremamente fácil perceber quando ele mentia. Chegava a ser divertido.

- Então você se acha corajoso - Disse o agente, mais como uma afirmação aberta do que uma pergunta. - Não tem medo de nada. Por isso decidiu invadir o nosso site, apenas pelo medíocre motivo de tirar sarro da nossa cara. Você é um sujeito bem orgulhoso, Jones. Pena que orgulho não vai valer nada a seu favor.

O homem com sotaque britânico inclinou-se sobre a mesa. A luz sobre eles iluminou o seu rosto, e Alfred pôde ver um par de ácidos olhos esverdeados fitando-o.

O rapaz dos olhos azuis fez uma involuntária careta. Já vira vários filmes de investigação criminal, e até sabia alguns dos métodos que usavam nos interrogatórios. Às vezes, os criminosos conseguiam escapar. Talvez, se conseguisse utilizar uma daquelas estratégias e persuadir aquele interrogador de alguma maneira… Pudesse se livrar dessa.

Se ao menos conseguisse um bom plano… No entanto, Alfred não costumava subestimar a si mesmo. Muito pelo contrário: O seu orgulho, citado com tanto sarcasmo pelo agente, podia parecer estúpido à primeira vista, mas tinha muito potencial.

Arthur Kirkland saiu da sala de interrogatório com uma expressão tão irritada que um dos agentes que estava na sua frente saiu assustado do seu caminho.

- Er… Arthur, está bem? - Perguntou cautelosamente o agente, seu colega de trabalho, dono de olhos azulados e cabelos castanhos na altura do ombro. Aquele corte sempre recordava Arthur de certa pessoa desagradável com quem tinha um relacionamento.

- Ele me dá asco. - Grunhiu Kirkland, sem se preocupar em tentar ser simpático com o colega. - Ele é estúpido. Não tem nenhum motivo aparente para ter feito o que fez. Se parece até com uma criança idiota.

- Sim, Kirkland, nós vimos tudo - Disse Lukas, o agente de sérios olhos arroxeados, referindo-se à janela ampla que mostrava a sala do interrogatório. De dentro, ela se parecia exatamente como um espelho. A maioria dos suspeitos não faziam ideia.

Não viram tudo como eu, ele teve vontade de dizer. Contudo, apenas respirou fundo e pediu a uma das funcionárias que entregasse uma xícara de Earl Grey em sua sala.

Arthur não imaginou que aquele caso fosse se tornar tão sério. Apenas encontrariam o criador da confusão, fariam ele confessar e entregar o restante do grupo e daí discutir a penalidade.

Mal pensaria que o tal Alfred era mais inteligente do que o esperado. Sabia que nunca devia subestimar o inimigo, mas não pôde evitar. Afinal, era apenas um garoto daqueles que dependem da vida online para sobreviverem.

Ele tinha um plano, e Arthur sabia.

Inevitavelmente, Alfred permaneceu em cárcere até que uma decisão fosse tomada.

Claramente, o hacker odiava estar longe do seu computador e de comidas decentes - na visão dele, um hambúrguer ou uma pizza -, mas por incrível que pareça, não estavam o tratando tão rigidamente. Talvez seus planos estivessem começando a funcionar.

Um dia depois do interrogatório, ouviu que alguém estava vindo vê-lo. Com a esperança de que fossem seus pais, após terem pagado a fiança para tirá-lo dali, não esperou encontrar o agente das sobrancelhas. No entanto, não se sentiu nem um pouco decepcionado.

Kirkland semicerrou os olhos rispidamente assim que o rapaz na cela entrou em seu campo de visão. Ele aproximou-se com as mãos nos bolsos, cautelosamente.

- Agente sobrancelhas. - Alfred fez, como se fosse um cumprimento. - O que te traz aqui?

- Sei muito bem que o seu grau de miopia é baixo e que você é inteiramente capaz de ler Arthur Kirkland aqui no meu peito - Rebateu.

- Tá. Então, Agente Arthur…

- Eu não lhe dei consentimento para me chamar pelo meu primeiro nome.

Alfred bufou e pensou em comentar em como Kirkland era insuportável, mas provavelmente ganharia mais pena por desacato à autoridade. Há.

- Por acaso veio pra me insultar? Não pode me insultar só porque acha que é o James Bond.

- Jones, não estou lhe insultando - Kirkland rolou os olhos, e aproximou o rosto da grade. Alfred podia sentir um pouco do cheiro de cigarro que exalava do agente enquanto ele falava em um sussurro quase inaudivel, como se as palavras fossem apenas o ar que ele expirava.

- O que você sabe?

Alfred ergueu um dos cantos da boca.

- Muitas coisas que você não ia gostar se os outros soubessem...

- Espera me convencer desse jeito?

- Se eu fosse você, eu acreditaria, cara. O pessoal de Bristol não costuma confiar nas pessoas?

Arthur recuou, erguendo uma sobrancelha.

- Desde quando sabe do meu país natal?

O olhar que recebeu em seguida dizia exatamente “Não devia me subestimar”.

Arthur não cairia naquela. Ele nunca deixaria um idiota como aqueles, em uma posição muito inferior à sua, desafiá-lo daquele jeito.

- Também sei o que você costumava fazer lá pelos anos 90.

- ...O que disse? - Acidentalmente, o tom de voz de Kirkland elevou-se, e o carcereiro deu uma breve olhada para os dois (e por sorte, desviou logo após).

- Eu sei de tudo o que você fez antes de virar um James Bond da vida, Arthur Kirkland. - declarou Alfred (embora sua voz não passasse de um sussurro) com um sorriso matreiro, e Kirkland mal teve tempo de reagir à frase: - Eu já tô preso mesmo, então não vai me prejudicar dizer que eu vasculhei todo o seu arquivo. Você pode até aumentar minha pena, mas não vai apagar da minha memória. Seria muito chato se essas informações vazassem por aí. E o seu emprego de James Bond fosse pelos ares…

Arthur o encarou com a expressão mais severa e congelante que pudera compor. O mais jovem sustentou-a, com o seu orgulho de pé, ainda que estivesse sentado dentro de uma cela.

Ele podia estar blefando, e Bristol poderia ser um chute, Kirkland considerou. No entanto, as informações das quais falava eram o maior segredo do agente. Sempre manteve em sigilo o que era na fase da adolescência, antes de amadurecer. Sua ficha policial era incrivelmente suja, e se não tivesse usado de suas estratégias para dar a volta por cima, não estaria onde estava, em um cargo tão renomado quanto um agente da NCS.

Caso alguém superior descobrisse sobre o passado do ex-punk Arthur Kirkland, o seu emprego corria sérios riscos. E ele faria absolutamente tudo para guardar o seu segredo - e o dos outros agentes, que provavelmente tinham tido seus arquivos invadidos. Podia suborná-lo com milhares de dólares. Podia sacar a arma e acabar com o mal pela raiz.

Mas Arthur não era capaz. Apesar do semblante sério, havia uma parte de si que era diferente, pacífica e que se imaginava no lugar dos outros. Ela vivia coberta por uma grossa camada de orgulho, mas às vezes ele se tornava hesitante e sua mente vagava de uma parte para a outra.

-... Escuta aqui, Jones - Sussurrou Arthur após checar o carcereiro outra vez. - Eu sei o que você quer, mas não posso te dar todas as vantagens por causa disso.

- Então vai me deixar livre com as informações?

-... Creio que podemos estabelecer um acordo - Soltou Kirkland como se tivesse dificuldade em falar. - Mas por mim apenas, você não pode sair daí.

- Pensei que fosse um superior, sobrancelhas.

- Não tanto. Mas isso não é da sua conta. - E olhou de relance para o carcereiro, que já estava lhe encarando com desconfiança. -...Posso ver o que sou capaz de fazer por você.

Alfred sorriu com satisfação diante da expressão ainda meio contrariada do agente. Realmente tinha visto os seus arquivos presentes no site, dos mais confidenciais até os básicos. No entanto, não era preciso invadir nenhum site para perceber que Kirkland provavelmente não tinha o mínimo interesse no sexo oposto.

Diretamente, ele tinha cara de homossexual.

Fazendo uso dessa dedução, Alfred tentava olhar nos olhos dele constantemente, de modo a fazê-lo ficar constrangido. Arthur provavelmente tentava fazer a mesma coisa, mas o agente era formado em persuadir pessoas.

Seria difícil presumir quem ganharia a luta da persuasão na rivalidade daqueles dois. Talvez, perdesse quem deixasse de ter apenas interesse em “negócios” primeiro. Essa parte poderia ser a mais difícil de todas.

- Kirkland, o que tem na cabeça? Como quer liberar aquele meliante quando ele não cumpriu nem dois dias da sua pena? - Indignou-se o superior da área onde Arthur trabalhava, detrás de sua grandiosa mesa de escritório.

O agente das notáveis sobrancelhas pigarreou antes de justificar-se:

- Pessoalmente, eu… Acho que ele é jovem demais para ser condenado dessa maneira. Os pais estão preocupados e dispostos a pagar qualquer coisa…

- Hum. - Resmungou o homem, pouco convencido. - O que dele lhe fez mudar de ideia? Pensei que o detestasse.

- Sim, mas… Pelo que avaliei dele, imagino que poderíamos dar uma chance. - Argumentou Arthur.

- Kirkland, não posso simplesmente liberá-lo. Se ele ao menos tivesse alguma informação relevante para nos dar em troca, seria possível aliviar a pena.

Arthur não tinha mais nada para contradizer o superior, então apenas abaixou a cabeça com um quase silencioso estalo de língua. Ele tinha informações, mas elas não eram exatamente as que a CIA procurava.

Tinha considerado seriamente se ajudá-lo seria uma boa ideia. Alfred F. Jones tinha cometido um crime, mas ainda assim, tinha um poder de envolver e convencer as pessoas ao seu redor. E considerando que Arthur, um homem quase zero por cento tolerante, estivesse sendo lentamente manipulado por essa habilidade, ele devia ser esperto.

Pensou se tinha vontade de ajudá-lo porque o jovem era tão bonito como um astro pornô de algum filme que tinha na sua coleção secreta. E em como isso seria estúpido da sua parte. Aliviar o criminoso, apenas porque tinha uma boa aparência. E um corpo incrivelmente bem-feito para o seu tipo de pessoa. Um rosto com feições bonitas. Além dos olhos naquele azul estranhamente cativante.

Kirkland se sentiu patético quando se deu conta de que estava avaliando a aparência daquele rapaz enquanto distraidamente caminhava pelos corredores.

- Arthur! Onde esteve? - Toris, o agente dos cabelos castanhos na altura do ombro, surgiu no corredor e passou a acompanhar o loiro.

- Resolvendo uns assuntos com o superior. - Murmurou Kirkland, usando sua típica expressão mal-humorada.

- Soube das… Manifestações?

-... Manifestações? - Arthur mostrou-se confuso.

- Percebi que andava um pouco nas nuvens esses dias… - Disse Toris, sem o menor intuito de ofender o outro agente. Ele parou um pouco na máquina de expresso para fazer um café para si mesmo. - Nessa semana surgiram várias manifestações, ao que parece, de grupos ativistas. Não aconteceu nada sério, ainda, mas nós precisamos ficar alerta.

- Ah, aqueles adolescentes desocupados com as máscaras? Nunca sabem com o que estão lidando - Fez Arthur, indiferente. - É só jogarmos gás e eles desistem de serem rebeldes.

- É… Veremos - Toris deu um gole no seu café, sem oferecer ao outro, não por falta de educação, mas por saber sobre o ódio que Arthur tinha daquela bebida.

E realmente, veriam. Veriam uma explosão inesperada em Washington no dia seguinte, de nível terrorista. Dez feridos e um morto. O susto alertou todos os da agência e do país, e por mais que policiais estivessem presentes no acontecido, o suspeito não foi encontrado.

Black blocs. Um termo usado para denominar uma tática usada por grupos anarquistas que agem contra a ordem, no caso, o governo capitalista dos Estados Unidos. Vivem mascarados e trajados de preto, no intuito de manterem a integridade em suas ações anti-capitalistas, com a justificativa de que nada melhorará se apenas criticarem e não agirem unidos, como um bloco contra a repressão do governo.

Estava em todos os lugares na mídia, e dentro da Agência Central, o clima era bastante tenso. Arthur chegou ao trabalho atônito, indo diretamente para a sala de controle.

- Kirkland!! – Era o superior, que acenou para Arthur assim que o viu. O agente apressou-se para ir até ele.

- Sim?

- Libere aquele Jones para mim – Declarou o homem, para o espanto de Kirkland.

- Perdão...?

- Não era você mesmo que queria liberá-lo? Traga-o para cá.

-... Certo.

Kirkland ainda estava confuso, mas obedeceu à ordem. Voou até o local onde Jones estava em cárcere, e mal pediu para entrar – apenas mostrou seu cartão de agente para os policiais e adentrou o lugar sem nenhum problema.

Alfred estava sentado no chão, distraído com um cubo mágico - que Kirkland não fazia ideia de onde tinha arranjado –, porém quando viu o agente outra vez, esqueceu-se completamente do brinquedo.

- Agente sobrancelhas? O que tá fazendo aqui?

- Eu vim te liberar, seu idiota. – E enfiou o maço de chaves na porta da cela, logo ouvindo o barulho que indicava que estava aberta. – Precisam de você agora na Agência.

Alfred ficou parado por um tempo, surpreso. No entanto, um sorriso não demorou a preencher seu rosto enquanto se levantava num pulo.

Já do lado de fora, se sentiu extremamente aliviado por finalmente sair daquele canto nojento – que até se parecia um pouco com o seu quarto, na verdade.

- Não pensei que fosse mesmo vir me salvar – Ele disse, enquanto acompanhava Arthur com seus passos apressados até o lado de fora, onde um helicóptero os esperava.

- Me mandaram te liberar – Justificou-se o agente, subindo no helicóptero. De dentro, acenou para que Alfred se apressasse.

O mais jovem nunca tinha voado de helicóptero antes, então se sentiu incrível quando a hélice começou a girar e alçar voo, tanto quanto uma criança boba. Apenas Alfred era capaz de achar divertido voar num helicóptero, ainda que estivesse algemado e em roupas de presidiário.

De volta à Agência, Alfred foi escoltado por dois dos homens armados de óculos escuros, até o superior. Kirkland mal teve tempo de falar com nenhum dos dois, pois aparentemente tinha sido selecionado para a próxima missão – os melhores agentes da área NCS seriam enviados à procura do suspeito do ataque terrorista.

Todos os agentes destinados à missão estavam reunidos na sala de controle, esperando pelas ordens do superior. Quando este finalmente apareceu, Kirkland e mais uma série de agentes pareceram indignados.

Ele trazia Alfred F. Jones, sem algemas e no terno e gravata padrão dos agentes da CIA. O rapaz tinha um sorriso enorme no rosto, e ao ver Kirkland encarando-o com tamanha surpresa, piscou-lhe o olho direito.

O superior tratou logo de explicar o que estava acontecendo:

- Devem pensar no Sr. Jones como o hacker que invadiu nosso site dias atrás. No entanto, considerei que ele poderia contribuir conosco no caso atual. Nós usaremos Jones como uma peça que se infiltrará no black bloc. Ele nos enviará as informações que conseguir, secretamente, contribuindo para que encontremos o culpado. – E fez uma breve pausa, tempo o bastante para os outros se habituarem à informação. – Sei que pode parecer um absurdo, mas Jones concordou em trabalhar para nós, em troca da sua liberdade. Devo frisar também que caso ele desrespeite o acordo, não haverá mais tolerância.

Alguns agentes pareceram não gostar da ideia, mas se era o superior quem falava, ninguém podia contradizê-lo. Todos fizeram um aceno positivo com a cabeça, mesmo que a contragosto.

E Alfred F. Jones estava na missão.

Arthur não acreditava que teria que ficar de olho em Alfred enquanto ele estivesse na missão. Como uma pessoa era inimiga há menos de uma semana e de repente se torna uma aliada? O agente estava incerto se devia realmente confiar nele. Suas ideias estavam de cabeça para baixo em relação ao rapaz, e por isso, mal conseguia olhar na direção dele por um longo período.

Alfred, pelo contrário, parecia extremamente contente em trabalhar junto com Kirkland. Passou a aproximar-se mais dele, a falar de maneira mais casual, como se tivessem se tornado amigos de súbito. Mantinha uma distância cada vez menor dele enquanto conversavam, e vez ou outra soltava um flerte demasiadamente explícito para cima do mais velho – que fingia não ouvir e ignorava completamente.

Era óbvio que o hacker estava tentando conquistá-lo, e isso apenas o deixava mais confuso. Arthur era inteligente o bastante para saber que ele poderia estar brincando consigo, apenas para passar-lhe a perna. Só que, como todo ser humano, o agente tinha suas fraquezas. E uma delas estava começando a se desenvolver com uma velocidade inumana: Era o próprio Alfred.

Tanto, que Kirkland sentiu uma esquisita preocupação quando o rapaz loiro foi mandado para o grupo, como planejado. Pensava no que poderia acontecer se ele nunca mais visse a cara daquele idiota de novo. Só que ele não aceitava o fato de que isso importava para si. Alfred era só uma peça. Só isso.

Não foi difícil para Alfred seguir o plano. Era tão inteligente quanto muitos dos agentes treinados. Infiltrou-se numa manifestação na noite seguinte, trajando roupas idênticas ao dos manifestantes – o casaco preto e a máscara.

Usava um colete sob a roupa e tinha vinagre para neutralizar o efeito do gás. A sua única e efetiva arma era o plano em seu cérebro.

Passou a agir exatamente como se fosse um deles, ajudando no coro como se estivesse genuinamente empolgado. Porém, precisava tomar cuidado com o gás lacrimogêneo que os policiais lançavam aqui ou ali, ou as balas de borracha.

Houve um momento em que um grupo reservado começou a atirar pedras nos carros que estavam parados na rua. Era o que ele estava esperando. Podia aproximar-se daquele grupo, e daí casualmente perguntar sobre o ato terrorista de dias atrás.

O hacker saiu da multidão no meio da rua e foi para mais perto da calçada. Uma das pessoas não estava usando máscara, e o lenço que antes estava usando sobre metade do rosto tinha caído em algum lugar. Ele conhecia aquela pessoa. Alfred aproximou-se sorrateiramente do quebra-quebra para confirmar a sua dúvida.

Gilbert, o seu colega de quarto, estava ateando fogo em um carro.

Por sorte, o próprio Alfred ainda estava com a máscara, então ninguém pôde ver a expressão de espanto com a qual reagiu a isso. Ficou parado detrás de um poste próximo, por alguns minutos, apenas assistindo a confusão.

Nunca imaginaria que uma pessoa tão próxima a si... Fosse seu inimigo agora. Mas também nunca imaginaria que um dia trabalharia com a CIA.

Ele precisava escolher um lado. Mas tudo o que Alfred conseguia escolher era que item comprar para o seu personagem de RPG online. Se escolhesse ajudar a CIA, teria que trair Gilbert. Colocar o seu colega de quarto na prisão. Mas se escolhesse o outro lado, voltaria à cela, sem hambúrgueres nem computadores. Ou era egoísta demais, ou altruísta o bastante.

Algo explodiu no meio da multidão, e alguns gritos ecoaram do aglomerado de pessoas de preto, que foram envolvidas por uma névoa de fumaça. Alfred deu um pulo de susto e tratou de se afastar ainda mais dali.

Acabou se aproximando do grupo que estava quebrando o carro. E foi então que Gilbert lhe chamou, com um aceno. Incerto de como agir, ele apenas pegou as pedras que o albino lhe entregou. Encarou-as, enquanto o restante dos capuzes pretos atiravam-nas nos vidros das casas, dos carros, em monumentos.

- Qualé, não vai quebrar? – Perguntou Gilbert, indignado com a passividade do outro. Mal fazia ideia de que estava falando com seu colega de quarto.

Uma hora, Alfred teria que falar e tirar a máscara. E esperava que Gilbert não o rejeitasse por causa disso. Na verdade, seria positivo para ele um membro a mais no grupo, mas ainda assim, o loiro não tinha muita certeza se era certo revelar-se.

Alfred atirou uma pedra numa janela de um carro, que se estilhaçou imediatamente. De certa forma, sentiu-se mal por fazer aquilo sem motivo algum. Mas se quisesse se infiltrar no grupo deles, teria que agir como eles.

Todavia, ele não precisou quebrar outra janela, porque policiais surgiram dos bueiros e começaram a atirar balas de borracha nos encapuzados. Alguns tentaram se defender com as próprias armas que carregavam: pedras, placas de trânsito, pedaços de metal. Era inútil, já que não podiam usar armas de fogo e nem machucar os policiais.

A maioria correu, enquanto alguns atingidos nas pernas e nos braços mancavam para sair dali. Enquanto corria, seguindo Gilbert, Alfred viu várias pessoas atingidas no rosto, e se perguntou se os policiais podiam fazer isso.

Acabaram em uma espécie de esconderijo, um prédio abandonado que parecia ser o centro de reuniões dos rebeldes. Haviam pessoas consumindo drogas nos cantos. Alfred não pôde deixar de se sentir desconfortável.

Alguns encapuzados vigiavam a entrada, para terem certeza de que nenhum policial estivesse por perto. A atmosfera se acalmou um pouco, e o rapaz sentiu-se mais aliviado. No entanto, todos passaram a tirar as máscaras e mostraram suas faces.

Ele hesitou por tempo o bastante até que olhares estivessem focados em si. Fazendo o máximo para não deixar transparecer o nervosismo, ele retirou a máscara.

-... Alfred? – Perguntou a voz rouca e escandalosa de Gilbert.

O loiro abriu a boca, mas não soube o que dizer. O albino aproximou-se dele, com uma expressão surpresa. E deu uma tapinha amigável em seu ombro.

- Cara! ‘Cê tava sumido! Não sabia que era parceiro da gente também – ele disse, com um sorriso. As expressões dele pareciam forçadas às vezes.

- É... Você também – Admitiu Alfred, sorrindo amarelo. – Pois é, eu sou.

- Maneiro, cara! Pensei que fosse ter que esconder de você pra sempre – Animou-se Gilbert, e sons de aprovação foram ouvidos dos outros. - Toma aqui pra comemorar!

Alfred nunca imaginou que fosse ter que fumar maconha na vida. Mas com todos aqueles olhares sobre si... Fitou o rolinho com as folhas verdes por alguns segundos, enquanto o resto dos encapuzados tragavam seus cigarros. Por fim, fechou os olhos e puxou a fumaça, tentando parecer o mais natural possível.

Gilbert soltou aquela risada esquisita, que Alfred só costumava ouvir quando ele estava vendo algum filme idiota na televisão do apartamento. Parecia que estava tendo um ataque epiléptico ou algo do tipo.

Mas o loiro se sentiu contente. Não pelo efeito da droga – ainda -, mas por ter conseguido ingressar tão facilmente. Agora, apenas precisava seguir o resto do plano. Ou não. Era sua própria escolha.

Alfred escapou da manifestação, esperando que ninguém o notasse. Espreitou-se por um beco escuro e úmido. Era difícil ver o caminho na escuridão da noite, mas ele sabia exatamente para onde estava indo.

Já fazia uma semana que tinha ingressado nos black blocs, e podia dizer que tudo estava indo relativamente bem. Gilbert ajudava-o a se enturmar com os outros, e ele tentava participar das discussões moralistas e dos planos de protestos futuros.

Porém, ainda não conseguira nenhuma informação sobre os suspeitos de ataques, ou ao menos de algum “líder” do grupo, se é que havia um.

Então, quando encontrou Kirkland no final daquele beco, não teve conclusões prontas para dizer. Contou-lhe sobre a rotina, sobre os princípios e ideais do grupo, e sobre o seu envolvimento atual.

Na verdade, Arthur estava sempre atrás do rapaz, vigiando-o, como lhe fora ordenado. Caso algo acontecesse, ele devia proteger o cúmplice, e em casos drásticos, cancelar a missão. Tudo parecia estar indo bem até então, e não houve necessidade para Arthur sacar sua arma.

- Me sinto até como um daqueles caras ricos, tendo um agente da CIA como guarda-costas – Disse Alfred, seu sorriso brilhando com a fraca luz dos postes. – E que, além disso, é britânico e bonito.

Estava escuro demais, mas Alfred presumiu que o inglês estivesse corado. Ele sempre ficava envergonhado com qualquer flerte casual que o mais novo soltava em sua direção, e na maioria das vezes fingia não ouvir.

- N-Não diga idiotices, Jones. – Arthur resmungou, com um cigarro na boca, que ajudava a aprimorar sua falsa imagem de descaso.

- Estou dizendo a verdade. Arthur, ‘cê não é casado, né? Nunca vi nenhuma aliança.

Arthur fingiu tossir com a fumaça do cigarro.

- Porque é difícil achar um cara de... Uns trinta e cinco que esteja solteiro.

- Eu não tenho trinta e cinco – o agente replicou, ofendido. – e... Por que isso importa?!

- Eu sei a sua idade – Admitiu Alfred, rindo. – Bem, é que a maioria dos caras como você são... Hm.

- O... O que quer diz—

Kirkland foi interrompido por uma voz distante, porém escandalosa, chamando o nome de Alfred. Ambos alertaram-se, e o mais novo fez menção de ir embora.

- Minha hora de ir – Ele sussurrou, lançando uma piscadela na direção do inglês.

Desapareceu do mesmo lugar de onde tinha vindo. Arthur ficou ali, plantado, se sentindo extremamente idiota com o seu coração correndo uma maratona em seu peito.

O dia estava quente, mas nem por isso Alfred tirou o seu capuz preto. Andava um pouco perdido pelas ruas praticamente desertas daquela parte da cidade, mas tinha recebido uma missão – agora por parte dos seus colegas encapuzados - de receber a nova “mercadoria” e levá-la de volta para o grupo. Nesse caso, a mercadoria se referia às drogas.

O garoto ficou um pouco assustado com o pedido, mas Gilbert lhe garantiu, com aquela risada, que o cara era gente boa. Alfred nunca ouvira de nenhum traficante gente boa, mas não tinha muito o que fazer.

Parou no final de uma rua sem saída, onde havia uma casa abandonada, sem nenhuma informação na frente. No começo, não soube se estava no local certo, mas assim que sentiu o cheiro da droga, teve certeza.

Assim que pôs um pé dentro do território, alguém imediatamente bloqueou o seu caminho. Era um cara alto, de cabelos loiros - que pareciam desafiar a gravidade, mantendo-se sempre em pé – e semblante sério, com um olhar congelante. Ele tinha uma cicatriz na testa e tinha um cachimbo entre os lábios. Além disso, estava acariciando um... Um coelhinho branco.

Que tipo de traficante cria coelhos?, pensou Alfred, porém nada disse.

Soltou a fumaça antes de perguntar:

- Quem é você?

Alfred pigarreou, um tanto desconfortável.

-... Alfred, sou um colega do Gilbert. Ele me mandou pegar umas coisas.

O rapaz alto assentiu devagar, e deu as costas para o mais novo, que permaneceu plantado lá. Ele entrou na casa aparentemente abandonada, para pegar a mercadoria.

Alfred tomou aquilo como um sinal de paz, e sentou-se na beira do muro baixo da casa, esperando o cara dos coelhos.

Até que uma conversa paralela o atraiu. Haviam dois caras do lado de fora, encostados no muro de tijolos sujos da casa, com seus cigarros de maconha. No entanto, ainda não pareciam tão afetados pela droga, ou não estariam conversando coerentemente.

- Mano... ‘Cê ouviu que o Scott tá fazendo mais umas bombas aí?

- Mais? Aquele cara é louco, pô. Um dia vão acabar descobrindo ele e vai parar no xadrez.

- ‘Té agora, nem descobriram nada, acho que o cara tem sorte, hein.

Depois disso, eles passaram a dizer coisas com cada vez menos sentido, e Alfred deixou de prestar atenção. Entretanto, aquelas informações o alarmaram.

Então realmente havia uma pessoa relacionada àquele grupo que poderia estar envolvida. Afinal, qualquer um que mexesse com bombas era suspeito de alguma coisa. Só precisava descobrir quem era o tal Scott. E encontrá-lo. Estava cada vez mais perto de ter sucesso naquela missão.

Alfred voltou normalmente até o prédio dos encapuzados, nem tão nervoso por estar carregando uma grande quantidade de maconha na mochila.

Enquanto Gilbert enrolava uns cigarros, o rapaz loiro casualmente perguntou, como se apenas quisesse saber por curiosidade:

- Gil, ‘cê sabe quem é um tal de Scott?

O albino arregalou os raros olhos de íris vermelhas para Alfred.

- Cara. Não brinca com isso.

- Ué, por quê? – Persistiu o de óculos. – O que tem ele?

- Al, o cara faz bombas. – Disse Gilbert, num tom incrivelmente sério. - Por isso é melhor nunca mexer com ele.

Alfred entendia que preferiam não falar muito do tal cara. Não queria ser explodido ou coisa do tipo. Todavia, continuou insistindo no assunto.

- E pra que ele faz essas bombas...?

Gilbert pareceu incerto se devia responder. Ele olhou para as pessoas de capuzes em volta, e fez um sinal para que o loiro se aproximasse.

- A gente não devia estar falando isso pra ninguém, mas como tu é meu bro, vou te dizer – Ele estava sussurrando, e Alfred era todos ouvidos. – O nome real dele é Allistor. O cara é um terrorista, ele é doido. Ouvi dizer... Que foi ele quem planejou aquele ataque. Ele faz as bombas ele mesmo. Antes ele era aliado nosso, né, mas o cara passou dos limites com essa de explodir coisas, é perigoso demais.

- Puta merda, cara. Onde é que ele faz essas bombas?

- Acho que ele tá escondido num canto lá na parte sul do subúrbio. Ninguém anda por aquela área lá, porque é muito arriscado, tá ligado. Chamam até de... Campo proibido.

- Caraca – Foi tudo o que Alfred pôde dizer, tentando esconder seu sentimento de vitória por descobrir algo realmente útil.

E Alfred não se importou com o nome do lugar quando decidiu ir até lá na madrugada seguinte. Já tinha visitado muitas áreas proibidas nos seus games de RPG online.

Também preferiu não contar nada ao seu “guarda-costas da CIA”. Queria mostrar àquele James Bond como conseguia fazer algo sozinho. Como não era um NEET medíocre e que aquela missão era inútil.

Arrumou sua mochila com uma arma e balas reserva e saiu tranquilamente após mentir para o “vigilante” que ficava na porta do prédio dos anarquistas, para checar se alguém suspeito entrava ou saía sem permissão.

Ele sabia onde ficava a parte sul do subúrbio, mas não onde exatamente era o tal campo proibido. E não podia perguntar a ninguém, porque qualquer um que soubesse do que se tratava o impediria de ir.

Se Arthur estivesse seguindo-o, devia estar se perguntando para onde diabos ele estava indo às duas da manhã. Alfred realmente esperava que ele estivesse bem longe.

Pedalou mais rápido na sua medíocre bicicleta – porque não sabia pilotar as motos dos seus bros anarquistas, e porque uma moto faria barulho -, e com o passar dos quilômetros, o cenário à sua volta se tornava mais e mais esquisito.

No subúrbio, àquele horário, haviam muitas prostitutas nas ruas, e até um movimento significante de carros. Mas quando ele foi seguindo em direção sul, as ruas eram literalmente desertas. Era raro ver um poste de luz que estivesse funcionando. Era como se o apocalipse tivesse passado por ali mais cedo.

Até que Alfred encontrou. Era uma grade com uma placa com os dizeres “Não entre”. Sobre a grade, uma cerca elétrica.

Por favor. Alfred estava no Top 100 de recordistas do jogo GTA nos Estados Unidos. Ele sabia muito bem como invadir propriedades. Só nunca havia praticado.

Ele socou a grade, e gemeu com a dor na mão. Ela continuou intacta.

- Pensa, Alfred... – Murmurou, examinando a grade com a mão direita.

Assim que tocou ali, porém, algo se moveu. Era um portão. Estava aberto.

Ele emitiu um “Oh”, e avaliou o ambiente à sua volta para checar se não havia nenhuma armadilha. Nada à vista. Então decidiu entrar, com a mão pronta para alcançar a arma na parte lateral da mochila.

Estava dentro. Olhou para os dois lados, mas não havia literalmente nada. Correu para a porta do prédio, e com apenas um empurrão, ela foi aberta.

Bem, talvez o tal Scott nunca esperasse que alguém entrasse ali, de qualquer forma.

Não havia nenhum vestígio de luz, então Alfred tirou a sua lanterna da mochila e encontrou as escadas. Ele tinha que admitir que ainda tinha um pouco de medo de lugares escuros, mesmo tendo jogado milhares de jogos de terror. Ignorou o fato da luz da lanterna estar tremendo, e foi subindo os degraus devagar e cautelosamente.

Esperou encontrar alguma lâmpada ligada, alguém em um dos andares. Mas não havia nem uma sombra fora a sua. Um arrepio percorreu a sua espinha, mas ele seguiu adiante.

Até que no quarto andar, encontrou uma misteriosa porta aberta. Todas as outras estavam fechadas. No entanto, a sala depois dela estava em completa escuridão.

O rapaz de capuz respirou fundo e rastejou até a porta. Com sua fraca lanterna, não era possível ver muita coisa lá dentro, mas não havia nenhum zumbi do mal, como sempre havia nos jogos.

Então ele entrou. E foi iluminando o ambiente com a luz tremeluzente.

Havia armas e bombas por todo lugar.

- Caraca – Sussurrou Alfred, boquiaberto. Não sabia dizer se estava assustado ou admirado, mas nunca tinha visto bombas de verdade. Que podiam explodir. Que podiam causar extrema destruição.

Ele olhou para fora da porta, mas não havia vestígios de ninguém. Voltou para dentro.

Sua lanterna iluminou uma bomba em particular. Eram dinamites, com um cronômetro. Alfred só vira aquilo em filmes. Será que era mesmo de verdade?

– Que irado... Como será que isso funciona?

5 minutos.

-... Merda.

Sim, era de verdade. Alfred se sentiu extremamente estúpido, e ficou encarando os segundos passarem por um instante. A bomba ia explodir, e então ia explodir as outras bombas. Ele ia causar uma explosão nuclear. O fim do mundo. Da humanidade.

Estava tremendo, e sua mente ainda demorou trinta segundos para perceber que ele precisava sair dali. Correndo. Naquele exato momento.

E foi o que fez. Mas antes, agarrou as dinamites, sem saber para onde levá-las. Ele não tinha jogado nenhum game onde precisava se livrar de uma bomba prestes a explodir.

Talvez... Talvez se levasse para o último andar, não causasse tanto dano quanto se explodisse... Explodisse no quarto... E o relógio estava apitando. O tempo estava passando. Seu coração estava batendo muito rápido.

Tick. Tack. Degrau por degrau. Mais um andar.

Sexto andar. 3 minutos. Outro andar. E mais outro.

Algo caiu e saiu rolando escada abaixo. A lanterna. 2 minutos.

Alfred foi subindo a escada no escuro, tentando não tropeçar e andar rápido ao mesmo tempo. Sentia o ar no rosto, grudando no seu suor. Outro andar. 1 minuto e meio.

Ele levou quarenta segundos para subir até a cobertura. Tinha cinquenta segundos para deixar a bomba ali. E talvez pular do prédio. Era uma maneira melhor de morrer do que ser despedaçado por uma bomba que ele mesmo ativara.

Ficou com a coisa na mão, sem saber para onde jogar. Colocou-a delicadamente no chão. Tinha trinta segundos para se salvar.

Não tinha tempo de descer. A bomba ia o atingir. Mas talvez, se descesse rápido, apenas fosse atingido por pedaços de teto ou algo do tipo. Se tivesse sorte.

E pulou para dentro do prédio de novo. Tropeçou no primeiro degrau de escada e saiu rolando até o andar de baixo. Sentiu que devia ter torcido alguma coisa, mas pelo menos estava mais longe da bomba. E pelo que estava contando, tinha quinze segundos.

Dez. Levantou-se, gemendo com a dor no tornozelo. Nem se preocupou em procurar os óculos, que já deviam estar em cacos.

Sete. Começou a descer para o andar inferior. Sentiu uma vontade enorme de cortar fora o seu pé por conta da dor.

Cinco. É isso. Naquela velocidade, ia ser atingido pela bomba.

Quatro. Três. Dois. Um.

Alfred ouviu.

E também ouviu o seu nome, em um lugar distante. Talvez fosse a morte falando com ele, com a foice pronta para ceifar sua alma.

Mas a morte não tinha um sotaque britânico como aquele.

Ele abriu os olhos devagar, e estava tudo alvo e brilhante. Jurou até ver um anjo, de cabelos loiros e olhos verdes. Talvez fosse quem iria lhe dar as boas-vindas ao mundo dos mortos.

- Eu não acredito que esse idiota fez uma merda dessas! – Bradou o anjo. – Nunca devíamos ter mandado ele nessa missão. Foi estúpido. Estúpido.

- Estúpida é... A sua mãe.

Arthur girou a cabeça para a cama no mesmo instante, seus olhos pasmados.

- Jones, seu... Filho da mãe!! – Disse Kirkland, que correu até a beira da cama e deu um tapa no rosto de Alfred.

- Ouch...!

- Eu... Vou avisar à enfermeira que ele acordou – Falou Toris, retirando-se prontamente do ambiente. Não tinha a menor intenção de ficar ali, naquele clima tenso.

Arthur sentou-se na beira da cama. Encarava Alfred, franzindo as sobrancelhas. O mais novo imaginou que aquela expressão demonstrava raiva, porém não esperava ver os olhos do agente umedecendo.

- Arthur... Você tá chor—

- Que merda, Alfred!! – Rosnou Kirkland, fungando com raiva.

Alfred. Ele nunca tinha ouvido Arthur chamá-lo pelo primeiro nome. Apenas se lembrava vagamente... Do que pensou ser a morte chamando-o.

Felizmente, não era a morte. Era Arthur. Arthur tinha o salvado na noite da bomba.

O agente tinha o braço esquerdo e a testa enfaixadas. Alfred então percebeu que o seu próprio tornozelo estava engessado, e algumas partes do seu corpo também enfaixadas.

Nenhum dos dois pareceu se importar muito com as feridas quando Alfred esticou os braços para abraçar Arthur. Nos primeiros segundos, ele não reagiu, mas em seguida lentamente ergueu os braços para envolver as costas do outro.

Os dois deviam ter consciência de que aquele abraço não se parecia muito com um abraço amigável qualquer, até porque passaram tempo demais daquele jeito.

E quando Arthur tirou a cabeça do peito do mais novo, passou a fitá-lo naqueles únicos olhos azuis. Eles se fecharam pouco tempo depois, porque foi Alfred quem tomou a iniciativa de tocar os lábios do agente primeiro.

No entanto, o beijo não foi igual às típicas cenas retratadas em histórias de ficção. Nelas, a cena tem enorme relevância, e é preparado um enorme suspense antes de finalmente escrever duas a três páginas de sensações e sentimentos.

Alfred apenas beijou Arthur, durante alguns segundos. Ele não tocou em seu rosto, ou em outra parte do corpo. O mais velho não demonstrou nenhum sinal de rejeição.

E quando acabou, era como se aquele não fosse o primeiro beijo que tinham trocado. Como se já fosse algo a que estavam acostumados antes. Ou talvez como se fosse algo irrelevante.

- O que diabos você foi fazer... Naquela área? – Perguntou Kirkland, retomando o seu tom de voz crítico, ainda que um pouco mais pacífico do que antes.

- Eu descobri – Murmurou Alfred – descobri quem é o cara. O terrorista.

Dessa vez, o anterior semblante mais calmo de Arthur se transformou em uma expressão de surpresa outra vez.

- E a sua melhor lógica foi ir atrás dele? – Arthur questionou, inconformado. - Pensei que tivesse capacidade de raciocinar e perceber o quanto isso foi arriscado.

- Eu não morri, Arthur – Foi a única desculpa que deu para o outro.

- Mas... Mas como descobriu?

- Consegui do Gilbert. Foi fácil. Com só umas perguntas casuais, ele me disse o nome do cara e onde ele vivia, fazendo as bombas. Um tal de... Allistor. Mas ouvi mais gente chamá-lo de Scott.

Arthur parecia ter sido afetado por um feitiço de paralisia, porque de todos os seus músculos, apenas o seu queixo caiu.

- O que...? – Fez o na cama, confuso.

O agente tinha os olhos alerta. Ele abriu a boca para dizer alguma coisa, porém foi cortado pela enfermeira, que entrou na sala e parou no vão da porta, não esperando encontrar visitas ao paciente.

- Falo com você depois – Arthur disse rápido, e apenas se retirou dali, sem mais nenhum toque entre os dois.

Não demorou muito tempo para que a CIA encontrasse o suspeito, examinasse-o e pusesse-o detrás das grades. O assunto voltava a ser abordado na mídia, e agora o foco era sobre o julgamento que aconteceria para decidir se o indivíduo era inocente ou culpado. Se fosse a última opção, pagaria uma pena pesada de longos anos na prisão.

O agente Kirkland ficou em choque no início. Nunca tinha se dado muito bem com o seu irmão, desde criança. Sentiu um enorme alívio quando ele deixou a casa da família e se mudou para outro lugar. Ninguém soube dele por anos. E Arthur acabou esquecendo, com o passar do tempo.

Agora tinha que lidar com a imagem do seu irmão, um terrorista, detrás das grades. Não tinha nenhum sentimento de vingança em relação a ele. Mas ver alguém que costumava conhecer ser acusado de um crime tão grave era demais para a cabeça do agente.

Ele se recusou a ir ao tribunal, fosse para defender ou para acusar Allistor. Nem sequer assistiu à transmissão ou às notícias nos canais de TV. Até mesmo os seus colegas, os agentes que tinham estratégia para aturá-lo, preferiram manter distância da aura negra que o envolvia permanentemente naqueles dias.

O único que aparentemente foi capaz de trazer um pouco de luz de volta a Arthur – se é que ele tinha alguma antes – foi Alfred, assim que foi liberado do hospital e chamado à Agência. Parecia que o superior queria lhe congratular e agradecer pela ajuda.

Precisaram fingir um abraço limitado à amizade na frente dos outros agentes, mas Kirkland foi paciente e esperou até a noite.

O superior agradeceu a Alfred por colaborar com a conclusão da missão, ainda que ele tivesse tentado prejudicá-los no começo. Acentuou sobre como era bom ter conseguido fazê-lo mudar para o lado da CIA e ajudar a manter os Estados Unidos um país mais justo e livre. E também parabenizou Kirkland e todos os outros agentes comprometidos com a missão.

Ele foi liberado apenas às sete da noite. E foi apenas nesse momento que parou para pensar sobre um assunto urgente.

Alfred não sabia bem para onde iria agora. Não tinha mais vontade de retornar para Los Angeles, ainda que sentisse falta do mundo virtual. Haviam coisas mais relevantes para ele agora. Como o agente que dirigia o luxuoso Audi preto vindo em sua direção.

Alfred entrou na máquina, não podendo esconder a empolgação quando Arthur pisou no acelerador.

- Pra onde estamos indo?

- Comemorar – Kirkland disse, com um sorriso matreiro.

E de fato, iriam comemorar. Arthur escolheu um motel cinco estrelas, e Alfred escolheu os drinques. Depois decidiriam quem escolheria a outra parte.

- Isso é coisa de bebê, Alfred – Reclamou o mais velho, assim que tomou o primeiro gole da sua taça. – Vou buscar algo mais forte. Eu nunca vou ficar bêbado o bastante pra transar com você com isso.

- Eu só pude começar a beber legalmente esse ano, ok? Não sou um velho bebum como você – Acusou o outro, que estava preguiçosamente deitado na cama, com a sua própria taça e petiscos.

- Como se você fosse legal – Atirou Kirkland, saindo do quarto e fechando a porta atrás de si.

Retornou pouco tempo depois, e encontrou Alfred sem camisa, deitado de lado na cama, apoiando o rosto na mão direita. O agente encarou a cena por dez segundos. E começou a rir.

- Eu não fui sensual o suficiente?! – Indagou Alfred, com um biquinho magoado.

Arthur espreitou-se pela cama e passou a acariciar a pele nua do torso do outro, mordendo o lábio.

- Nada mal – Avaliou, aproximando-se mais dele. Já podiam sentir suas próprias respirações, quentes e ansiosas.

Alguém bateu à porta, e Kirkland deu um salto, deixando um Alfred com cara de idiota na cama. Ele recebeu a bandeja com uma garrafa e duas taças da sua bebida favorita, e colocou-a sobre a mesinha após fechar a porta.

Então olhou de volta para Alfred.

- Feche os olhos – Ordenou.

Ele obedeceu.

- Já posso abrir? – Perguntou após dez segundos.

- Não.

Mais vinte segundos.

- Pode abrir.

Arthur estava... Arthur estava nu, com as duas taças na mão.

- Wow – Assoviou Alfred, recebendo a taça. – Nunca pensei que fosse ser servido por um agente sexy pelado.

- Digamos que... É seu dia de sorte. – E inclinou-se sobre a cama, com uma expressão provocadora e sua taça na mão. – Deve saber que... Eu costumava dormir com muitos caras no passado, já que pesquisou tanto sobre mim, huh? A maioria deles... Costumava me subestimar. Tentar me persuadir, com as minhas próprias fraquezas. Eu sempre provava que estavam errados. Muito errados. – O seu olhar tornou-se sério. - E sempre sofriam... Consequências.

- Eu não tenho medo do seu joguinho – Alfred ousou desafiar, cínico. – Tenho certeza que faço melhor.

- Então, veremos quem vencerá – E brindaram as taças.

Alfred tomou um gole e sorriu, confiante e vitorioso. O seu plano estava indo muito bem até agora. Arthur Kirkland estava na palma das suas mãos, e parecia estar caindo direitinho naquela falsa paixão. Só precisava mover mais algumas peças, devagar e com paciência... E poderia arrancar alguma coisa dele.

Seu sorriso se alargou. Sorriu por um bom tempo.

Até que não conseguiu mais respirar.

O agente Kirkland, por sua vez, esperou até que o veneno fizesse todo o efeito e corpo caísse de volta na cama, sem vida, para dar o seu próprio sorriso, que era mais vitorioso do que qualquer outro.

- Oh... Que pena, Jones – E riu, fitando os olhos assustados do cadáver. – Mas você não é o único quem sabe jogar.


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Notas finais do capítulo

Sei que esse final deve ter sido algo um tanto surpreendente, mas eu queria fazer algo que não terminasse como as típicas histórias de finais felizes... De qualquer forma, espero que tenham gostado! Ficaria muito contente se alguma adorável pessoa resolvesse deixar um review ♥ Obrigada por ler!



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