Diante da situação, eu não podia reagir de forma ‘‘melhor’’. Minha respiração foi ficando cada vez mais lenta e profunda, minhas pernas bambas, meus braços trêmulos e tudo ao meu redor parecia ter congelado. Minha mãe gritava meu nome e balançava meu corpo esperando uma resposta, acreditando que sua filha não estava lúcida, e de fato eu não estava. Quando tentei dar um passo para ir até a porta do quarto de minha vó não tive mais controle do meu corpo. Minha vista foi ficando cada vez mais escura e acabei desmaiando. Era isso, ela se foi.

A Carta

‘’Olá, me chamo Blanca Santiago, tenho 67 anos e agora minha enfermeira Amanda está escrevendo por mim, já que não tenho mais condições de fazer movimentos, nem mesmo os mais sutis. Provavelmente você não sabe quem eu sou e muito menos que conheci sua falecida avó. Ela costumava me contar o quanto adorava sua única neta e como eram maravilhosas as tardes que passavam lendo poemas uma da outra e a vendo encenar Lady Macbeth de forma graciosa. Em uma de suas cartas ela citou o quanto se vê em você, assim fiquei muito interessada em conhecer a famosa Clarisse Petit, já que qualquer pessoa parecida com Louise deve ser maravilhosa. Acabei sabendo do que aconteceu com ela na semana passada por um de nossos amigos, fiquei sem chão e vi todos os nossos momentos passando em minha frente como em um filme. Era um segredo de poucas bocas, já que vários desconfiavam e eu podia contar no dedo os que tinham certeza dos meus sentimentos por sua avó, já que eu mesma fiz questão de contar. Agora depois do falecimento dela, tomei coragem para lhe escrever e contar parte da nossa história. Nós costumávamos caçoar das bobagens que nos chamavam anos atrás, ‘’Pecadoras’’, ‘’Monstros’’, ‘’Anormais’’, entre outros. Isso nunca foi problema para nós, já que qualquer sofrimento era motivo de sorriso ao lado dela. E o porquê dessa carta agora? Queria passar para uma das pessoas mais admiradas por Louise meus sentimentos e meu amor por cada pedaço e cada momento que vivi ao lado dela. Em você eu vejo a moça de sorriso encantador que conheci 48 anos atrás, que compartilhei momentos maravilhosos e sentimentos recíprocos. Eu realmente espero que você esteja bem, e que não se sinta triste com o falecimento de Louise, porque eu sou a pessoa certa para dizer que ela soube viver cada momento intensamente. Se tivesse uma oportunidade de lhe conhecer ficaria muito feliz e mesmo tão distante uma da outra, sinto que você deve ser extremamente graciosa e amigável. Não posso descrever nessa carta a imensa gratidão que sinto por Louise, nem tive mais a chance de contar pra ela. O tempo passou mais rápido do que percebi e esperei, mas isso também não foi problema. Voltamos a nos falar 15 anos atrás, quando seu avô faleceu. Louise me contou absolutamente tudo do que havia acontecido desde que nos afastamos e de como sua vida estava, eu fiz o mesmo e fiquei totalmente surpresa com essa carta, e assim espero que você fique. Acabei me acostumando com a rotina de preparar minhas enfermeiras e contar a história dos meus amores e de sua avó, pedindo para cada uma escrever por mim e mandar para Louise. A vida pode ser bem difícil, pode te deixar sem vontade de voltar pro seu cotidiano e te fazer desacreditar que possa melhorar, mas lembre-se de fazer algo que realmente lhe faça sentir bem em ter sempre mais um dia. Saiba que ela te amava de forma intensa e grandiosa, e não se deixa desabafar. Tente se erguer depois disso e formar sua vida como ela formou a dela. Quero que entenda que você é extremamente especial pra mim, já que é uma das lembranças de Louise que está pertinho de mim.

Com muito amor, Blanca ‘’.

1 ano depois

Anne – Clarisse? Chegou uma carta pra você, vou deixar aqui debaixo da porta, tá bom? - Eu já estava acordada quando minha mãe me mostrou a carta, já faz algumas semanas que não tenho dormido muito bem, desde o falecimento dela.

Clarisse – Tá bom, obrigada. – Eu levanto da cama rapidamente e pego a carta. Na parte da frente está escrito meu nome e atrás ''Blanca S'', antes de abrir a carta vou até o espelho, observo o meu estado pavoroso e tento arrumar um pouco meu cabelo. Vou até minha cama, me sento nela e começo a ler a carta. Antes mesmo de chegar na metade, pude sentir um nó na garganta e aperto no peito, aquela sensação está voltando de uma forma mais intensa e dolorosa. Parecia que tudo ao me redor estava se transformando na noite que ela se foi. Não soube reagir depois de ler tudo, não queria sair, eu não queria falar com ninguém, queria ficar aqui na minha cama por horas e horas, até pegar no sono e talvez esquecer o que tem embaraçado minha cabeça pelos 5 minutos. Era isso, tudo voltou.