O manual de sobrevivência de Havena Carry escrita por CherryBomb


Capítulo 2
Visita à psicóloga


Notas iniciais do capítulo

:D



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Chego em casa e Jake está lá. Eu queria paz, mas pelo jeito o dia de hoje não quer me ajudar.

– Hay? É você?

– Hmm.. Hmm..

– Como vai?

– Viva, infelizmente.

– Quanta raiva no coração. Aqui está você.

– Pois é

– E o oscar para a mais mal humorada vai para... Havena Carry.

Háhá. Muito engraçado você.

Jake sabe que me irrita e persiste. Senta-se ao meu lado. Droga.

– Sempre muito receptiva. Até me impressiono.

– São seus olhos querido.

– Cada dia que passa você fica mais insuportável.

– Valeu!

Eu costumava dormir à tarde. Costumava. As 14:30 meu celular vibra e me acorda.

Nova mensagem. “Olá, não se esqueça de sua sessão de hoje. Abraço, Shane.”

Conte até 10.. 9, 8, 7, 6, 5, 4.. Filho da puta e lá se vai meu celular de encontro com o chão. Posso ouvi-lo rindo após mandar essa mensagem. Cretino. Tripudiando da minha condição.

Devo correr, já são 14:40, não posso me atrasar no primeiro dia. Visto qualquer casaco, pego a mochila, com o mesmo material de manhã, e minha bicicleta.

Minha casa não é próxima à escola, porém não é muito longe. Uns 20 minutos andando, mas na bicicleta faço em 15.

Como todos os dias vou a pé ou de bicicleta, tenho uma boa forma física e consigo quebrar meus recordes. Chego em 10 minutos à escola. Ao virar a curva, já ouvia a gritaria do maternal e das criançadas. Paciência é uma virtude que não tenho.

Bati três vezes na porta da Dra. Lucy, e nenhuma resposta. Ótimo.

“Não se atrase, não se atrase e a droga da mulher se atrasa”.

Resolvo sentar num banco a frente. E esperar.

10 minutos depois, decido procurar o diretor, para mostrar ao menos um interesse. Na esperança de ele dizer “querida ela não veio hoje, você está liberada”.

Dei duas batidas na porta de Henri. Respirei fundo, e fiz o melhor sorriso que conseguia desempenhar.

Saiu mais como uma careta de dor e esforço.

– Boa tarde.

– Boa tarde Havena.

– Eu vim perguntar sobre a Dra. Lucy, ela não está em sua sala.

– Ah meu deus, esqueci-me de informa-la. Lucy a atenderá na sala 15, do outro lado da escola.

– Do outro lado? Do lado do maternal?

– Isso mesmo. É melhor se apressar, se não chegará atrasada.

Olho para o relógio, e vejo que já passam das 15 horas. Mais que D.R.O.G.A.

– Obrigada senhor.

Cretino. Aposto que fez isso por querer. Não me avisou sobre a sala só para eu me atrasar, quiçá, ir embora sem avisa-lo.

Corro pelo corredor, a procura da tal sala 15. Sala 7, 9, 11.. mas que coisa, cadê a 15?

Aleluia. Achei a 15.

Dei 4 batidas ritmadas. Uma vez li que batidas ritmadas indicam felicidade. Espero que ela interprete assim.

Quem seria Lucy? Uma velha asquerosa? Uma jovem recém-formada?

– Olá.. Havena, entre.

– Oi

Fechou a porta de uma forma delicada.

Odeio esse tipo de gente que fala como se estivesse cantarolando. Mas que merda, se é para cantar cante, se é para falar fale, não misture as duas coisas. Dá nervoso.

– Como vai? Sente-se aqui, por favor. Aceita uma água?

– Não.. quero dizer, não quero água, mas vou me sentar sim.

– Tudo bem querida. Sinto muito, mas devo anotar que chegou 10 minutos atrasada. Desculpe, mas são ordens do diretor.

– Não, é.. eu não cheguei atrasada, cheguei mais cedo até.. só que .. que eu fui para a sua sala do outro lado da escola e esperei a senhora lá e depois percebi que você não estava, quer dizer a senhora não estava lá e ai resolvi..

Ela me encarava como se eu fosse uma doente mental. Com aquele olhar de pena tipo: “coitadinha, se ela pudesse comer pedra, ela comeria”. Não me olhe com pena, me olhe com desdenho, mas não com pena, isso é extremamente irritante.

– Coloca essa droga logo, nem que eu traga um abaixo assinado, a senhora deixaria de anotar.

A observei disfarçar e anotar na prancheta.

Por mais que eu faça sempre o melhor, ninguém se importa. Ninguém se importa.

– Vamos começar então.

– Ok.

– Você já passou por algum tratamento psicológico antes?

– Nunca.

– Você convive bem com seus pais ou responsáveis?

– Na medida do possível.

– O que seria na medida do possível?

– Tipo assim, não chove e não molha sabe?

Ela rindo era uma mistura de espirro com tosse. Que diabo de risada feia. Por isso não rio, soamos muito dementes.

– Você é engraçada. Se importaria de me explicar o que é “não chove e não molha”?

– Eu não gosto deles e eles não gostam de mim. Eu não vou com a cara, simplesmente.

– Prevejo muitas discussões familiares. Seu lar é conturbado Carry?

– Na verdade não, meu pai fica fora o dia todo, meu irmão é cego, e passa a maior parte do tempo na instituição de ceguetas, fazendo trabalhos sociais.

– E sua mãe?

– Não mora conosco.

– Mas ela é presente? Como é a relação?

– Não. Nem um pouco, digamos que ela nos deixou para ficar com um cara chamado Terry. Ela traia meu pai, e quando ele descobriu, ela não pensou duas vezes e fugiu com ele. Vive em outro estado agora, e quase nunca nos visita ou liga. Mas eu estou pouco me fodendo para ela, se quer saber.

Uau. Isso foi muito, muito errado da minha parte. Mostrei meu lado agressivo. Falei palavra feia e entreguei todos os pontos. Agora ela terá sobre o que falar. Ela estava escrevendo algo na prancheta, devia ser: “Resquícios de agressividade, mau comportamento, uso de palavras depreciativas, mãe ausente e família desestruturada”. Ótimo.

– Chegamos a um ponto delicado. Você odeia sua mãe?

– Não é ódio, simplesmente não gosto dela.

– E seu pai? A relação é boa?

– Sim, apesar de não conversarmos muito, não temos desentendimentos.

– Isso é bom, muito bom. E mais anotações.

Seria extrema falta de educação perguntar as horas. Procurei algum relógio. Avisto um, no canto da parede, porém sua cabeça estava na frente.

Anotação mental: vir com um relógio amanha.

– Creio que devo lhe informar as horas.

– Hã?

– Você está tentando quase que desesperadamente deduzir o horário, disse enquanto apontava para o relógio atrás dela.

– Não, estou não. Eu estava apenas.. é, que horas são?

– São 15:30

– Obrigada.

– Bom, percebo que você é uma boa garota, só é muito fechada. E nas sessões eu vou ter que pergunta-la coisas mais pessoais.

Não gostei disso. Nunca em hipótese alguma diga mais do que o necessário. Essa era uma regra minha, eu nunca me abria com ninguém.

– Por mim tudo bem.

Dei um sorriso forçado. Devo praticar esse sorriso, não convence.

– Você tem amigas ou amigos?

– Hmm.. é, digamos que tenho umas 2. Colegas

– Duas? Na escola, nenhuma?

– Não, sou do tipo que entro muda e saio calada.

– E essas duas, são vizinhas?

– São

– Conversa com elas todos os dias?

– Não.. na verdade a última vez que falei com Susan foi a uns meses atrás, quando seu avô morreu, e Tyna, não temos contato, desde que ela começou a namorar.

Ela me lançou um olhar de melancolia, até pensei que ela iria me abraçar naquele momento. Graças a deus, eu estava errada.

– Isso é mal Have, é assim que te chamam?

– Sim.. meu apelido.

– Adolescentes costumam ter muitos amigos, até os mais problemáticos. Já trabalhei com garotos e garotas que causavam muitos problemas, mas eles sempre tinham um “cumplice” alguém para compartilhar suas travessuras, alguém para confiar.

Abaixei minha cabeça, olhei para o chão. Não sei por que fiz isso. Vergonha por não ter ninguém em que eu confie?

– Não costumo conversar muito. Prefiro ler.

– Gosta de livros?

– Muito.

Ela sorriu. Dessa vez soou verdadeiro. Soou como um alívio.

– Também amo ler.

Retribuí o sorriso. Dessa vez, foi algo involuntário, não precisei forçar.

– Posso indica-la ótimos livros.

– Eu agradeceria. Estou quase sem nenhum para ler.

– Deixe me ver, os que eu tenho aqui.

Levantou-se e foi na direção da estante.

Teria 28 anos ou 37? Ela tinha um rosto incógnito, não demonstrava maturidade de 40, mas não tinha a travessura de 25. Tinha cabelos ruivos, seria natural? Estatura normal, e era magra. Senti-me grata por ela não ser uma velha asquerosa e manipuladora de informações. Ela parecia ser sincera.

– Tenho alguns de romance e suspense.

– Suspense.

– Não gosta de romances? Ela riu.

– Não muito. São as mais mentirosas.

– Tudo bem. Tenho Agatha Christie, é muito bom.

– Conheço, e concordo.

– Leve estes, não precisa ter pressa para lê-los.

– Obrigada.

Sentou-se. Graças a deus, não pegou a prancheta novamente.

Isto seria uma trégua? Diz que sim, diz que sim.

– Já cansei de perguntar. Que tal você me fazer as perguntas agora? Sorriu.

– Ah não..

– Nenhuma pergunta?

– Quantos anos?

Nossa, eu fui muito direta.

– 30

– O seu.. seu cabelo, é natural?

– Sim. Todos me perguntam isso.

– Você deixa todos perguntarem para você?

Porque soei tão possessiva? Até parece que eu me importo com isso. Não me importo se ela deixa ou não, não me importo se isso foi um laço criado entre nós ou não.

– Na verdade não. Só os mais curiosos.

– Não sou curiosa.

– É sim.. os mais quietos são os que tem mais na mente. Palavra de quem entende.

– Por mim pode voltar a perguntar. Não tenho mais nada a falar.

– Gosta de jogos?

– Odeio jogos.

– Posso perguntar por quê?

– Não

– Ok

– Gosta de música?

– Sim

– Que tipo?

– Sou eclética. Não gosto de me prender a só um tipo. Quando nos limitamos perdemos coisas importantes, perdemos conhecimento.

– Uau, bela frase.

– Valeu. Já posso ir embora?

Ela olhou para o relógio, que se aproximava das 16 horas.

– Você poder ir.. mas, quero me traga amanha, um livro e uma música, que você considera muito importante. Não é pedir muito, é?

– Não. Respondi, já levantando do sofá, olhando para o chão a procura da minha mochila. Coloquei os livros nela, e a pus sobre o ombro direito.

– Vou indo.

– Vou contigo até a porta.

– Tanto faz

– Até amanha. Boa tarde.

– Valeu.

Para a droga da minha sorte, o maternal saia exatamente às 16horas. A manada de crianças sairia correndo daquelas portas talvez em alguns segundos. Minha cabeça estava latejando. Muita informação para um dia. Por que essas crianças gritam tanto?

O sinal toca. Me jogo para o lado, e me espremo na parede.

As portas se abrem, o alvoroço está completo. Crianças puxando outras, empurrando, caindo, cuspindo, rindo e gritando. Quase me levam na onda, mas me mantenho firme.


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Notas finais do capítulo

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