Rick ouviu a conversa quase sem querer. Já faz dois dias desde a última visita dos seus captores e apesar de não levarem ninguém, o medo de que aconteça os levou a sempre deixar alguém de plantão. Hoje é a vez de Daryl. O sulista acostumado ao silêncio senta no escuro sem fazer qualquer barulho, o leve soprar da sua respiração a única indicação de que está realmente ali. Rick se concentra nisso tentando ignorar as memórias dos homens espancando o sulista.

Um barulho suave que ele reconhece como o roçar de roupa contra pele chama sua atenção mas ele não se move. A pessoa se ergue e com passos precisos se senta ao lado do caçador. Daryl se afasta um pouco e os dois ficam silêncio.

“Eu sei quem você è.”

A voz grave e meio rouca tem um sentimento de desgosto escondida. Rick se vira devagar e uma luz passa pelo canto permitindo-o ver Abraham ao lado de Daryl, por um momento seu corpo se tensiona. O caçador está aborrecido, sua cabeça baixa e seu queixo tocando seu joelho.

“E quem eu sou?” Daryl perguntou sarcasticamente.

“Vou ter que soletrar… Major?”

O título militar faz Daryl erguer a cabeça e seus olhos brilharem com determinação. “Eu perdi esse título a muito tempo atrás.”

Rick, surpreso quase pergunta o que aconteceu, mas mesmo que seus olhos demonstrem determinação toda a linguagem corporal de Daryl é de derrota, como se ele já esperasse por algo assim. Seja lá o que aconteceu ele ainda espera por repercussões. Abraham passa a mão por seus cabelos olhando para o alto.

“Mesmo assim Coronel O'Neill fala muito bem de você. Inteligente e leal, foi o que ele disse.” Ele o observou de rabo de olho. “E que se não fosse por seu irmão já seria um General.”

Daryl grunhi com os braços cruzados mas não xinga o homem como faria com qualquer outro. “Você não sabe nada do meu irmão. Volta a dormir.”

Abraham assenti e levanta. “Sabe você poderia estar longe de tudo isso aqui, mas escolheu ficar para proteger seu irmão, mesmo depois de tudo isso mostra caráter.”

Daryl sorri meio torto. “Claro. Se você sabe o que eu fiz sabe que eu não tenho caráter.”

“Eu sei que você fará o que for necessário para sobreviver, porque é isso que você é um sobrevivente. Mas lembre-se que nem toda sua família está morta ainda há vida.”

“Se está falando de Merle pode parar, ele morreu, filho da puta.”

Abraham sorriu. “Eu sei. Não é dele que estou falando.”

Daryl fecha os olhos, levanta as pernas e esconde seu rosto nelas, como se assim estivesse protegido. “Eles estão vivos.”

Não é uma pergunta, mas o tom de sua voz soa com descrença.

Abraham riu baixinho. “Você realmente achou que o apocalipse poderia pará-los.”

Daryl balança a cabeça em negação. “Não isso é impossível. Eu fui pra lá, a montanha estava destruída com corpos por todo lado. Eu a explodi. Ninguém pode tocar mais os segredos naquelas catacumbas.” ele se levantou assim como sua voz. “Eles estão mortos. Eu vi milhares e milhares de pessoas grunhindo pelos corredores, não tem como eles terem sobrevivido.”

O sorriso de Abraham se abriu como o de uma criança travessa que tem todo o poder em suas mãos. “Daedalus.” ele sussurra.

A palavra é como uma agulha que deixa o balão sem ar. Daryl cai no chão com um baque leve e esconde o rosto nas mãos, quando ele ergue seus olhos novamente Rick se assusta ao ver lágrimas. O caçador nunca chorou na presença de outros, para falar a verdade ele nunca o ouviu chorar por nada, nem mesmo quando Merle morreu. A cena é quase extraterrestrial, principalmente quando Abraham toca o pescoço do sulista. Rick já o viu deixar hematomas por menos.

“Eles estão vivos.”

Daryl assenti e Abraham volta para o seu lugar. Rick continua observando-o e vê o homem tombar a cabeça para trás soltando um suspiro trêmulo e sussurrar.

“Eu não estou sozinho.”