A Figueira do Jardim do Éden escrita por Lolla Pasion


Capítulo 1
Capítulo Único - O Jardim


Notas iniciais do capítulo

Caso alguém chegue a ler isso, desculpe caso eu decepcione no desenvolver. Escrevi e transcrevi numa única noite, foi um tanto trabalhoso.Era uma sensação de: é agora ou nunca.



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Quando a juventude ainda me era um presente e de toda a inocência ainda usufruía, costumava dizer que meu coração por garota batia. Apesar de não recordar do nome dela, lembro muito bem do sobrenome: Figueiredo.

Apenas o sobrenome porque consumamos nosso romance pueril plantando uma figueira num terreno baldio próximo a escola. Naquele dia, lembro que minha mãe me dera uma dura porque sujei a roupa de ir à missa com barro, mas o êxtase de ter ganho um beijinho dela e termos andado o caminho todo (até chegar na casa dela) de mãos dadas, amenizou a dor da surra.

O amor simples e bucólico fora interrompido no dia em que, com a voz chorosa e olhos tristonhos, ela anunciara que estava se mudando para a cidade grande. Fizera-me prometer que cultivaria aquela árvore com todos os meus amores – pela natureza, por “Papai do Céu”; minha mãe e por ela. O brotinho tinha apenas três meses quando recebi o último abraço e beijinho agridoce que toda despedida parece ter.

Com o passar do tempo, habituei-me a cuidar do Brotinho sempre que saía da escola. Passava horas naquele lugar que não tardou a se tornar meu pequeno santuário: o verde da gramínea harmonizando com as flores tímidas nascidas em lugares randômicos e o meu brotinho que, passado um ano, já não era tão brotinho assim. Conversava com ele, meus amigos diziam que eu era louco, e numa dessas conversas com o Brotinho, ele me confessara se sentir solitário ali – toda vez que eu ia embora, ninguém mais parava para contemplá-lo (porque era pequeno e não era atraente como as flores) e elas, por sua vez, o esnobavam. No outro dia, plantei uma amoreira próxima a ele; tímida. Disse que caso ela também não cooperasse, poderia tentar outras espécies. Esse fora o primeiro e único diálogo que fui capaz de compartilhar com alguém – o rótulo de louco apenas me impregnava cada vez mais.

Já no vigor da adolescência, algo em torno dos quinze anos, minha história com o jardim já era conhecida. Uma das minhas professoras da época, a de história, sentia uma profunda empatia por mim. Louvava aquela iniciativa belíssima de começar um jardim por conta própria (e ainda por cima sozinho) e, em tão pouco tempo, estava conseguindo criar aquela obra prima. Era uma professora jovem, recém formada. O tempo ainda estava a seu favor, e havia algo mais forte naquela simpatia mística.

O Jardim já contava com um considerável pomar. Cerca de treze árvores bem distribuídas e mais alguns outros brotinhos que ainda estavam esperando sua hora de florescerem e mostrarem ao mundo suas cores. Há uns quatro meses que um pequeno grupo de pessoas se voluntaria a me ajudar na manutenção do jardim – dentre eles, a minha professora – e era dividido em turnos. Sempre que podia, ia verificar o trabalho; “supervisionar”. Era engraçada a situação, pois ela eram que era a “autoridade máxima” poucas horas antes e, naquele momento, era eu quem mandava. Era uma das horas mais agradáveis dos meus dias – das quintas especialmente, porque era quando ela ficava mais tempo no Jardim. E foi numa dessas quintas-feiras, alguma aura diferente pairava no ar, e era o aniversário do Brotinho – que já não era mais brotinho há tempos, mas o apelido carinhoso da figueira era arraigado em minha mente –, só que o presente quem ganhou fui eu. Foi sobre aquela gramínea, mais verde do que nunca, tapete daquele cenário esplêndido apesar de incompleto e sob a sombra e proteção da amoreira e do Brotinho que minha professora e eu vivenciamos o ápice que uma simpatia pode chegar, e experimentamos algo que o Éden original abominaria: a junção de dois corpos num ato puramente carnal. Foi a minha primeira vez, mas não queria que aquele sorriso branco se desfizesse antes da hora – em cidades pequenas como a nossa, as coisas costumam ter ouvidos e se espalhavam rápido.

Entretanto ao que parecia, o Jardim guardava segredos. De nada sabia ou ao menos aparentava saber. Minha professora me olhava estranho nos primeiros dias, mas aos poucos se acostumou a ideia. A diferença era de simples sete anos e não havia nada de mais, haveria? De todas as vezes que ocorreu aquilo, as mais divinas sempre eram no Jardim. Uma gíria interna fora criada: aquele era nosso Éden, o jardim celestial, mas corrompido pelo nosso pecado. E por muito mais tempo continuaríamos pecando.

Ela fora uma contribuição valorosa, tanto para a minha vida pessoal quanto para o Jardim, só que ainda sim muitos não entenderam o meu sofrimento descomunal quando soube da morte súbita dela. “Sim, sim, algo lamentável. Mas... Fazer o que? É a vida.” – e, tendo em mente a juventude; o vigor, o brilho e a intrepidez dela, dediquei todo um canteiro de girassóis em memória dela. O que era belo, começava aos poucos se tornar belo e pessoal.

Construí minha vida naquela cidade. Escrevi minha história naquelas plantas bem cuidadas do Éden (agora assim popularmente conhecido). Cursei a faculdade na cidade grande, aquela que tomara meu amor inocente da infância, mas não consegui me afastar de minhas raízes. O Brotinho, entre todas as árvores do Éden, era a mais majestosa e opulenta. Os frutos também diziam ser maravilhosos, só que eu não gosto de figo (ironicamente). Aqui já tenho pelo menos meus vinte e cinco anos, e comparando às memórias bucólicas e verdes que possuía da infância até meados da adolescência; o cinza ia consumindo a característica “interior” da cidade pouco a pouco. Não tardaria até o Éden se tornar, finalmente, na Oficina do Diabo ou então um cemitério – enterrando consigo minha história e todos os segredos que ali guardados.

Numa manhã chuvosa de março, minha esposa me acordara com uma severidade unusual no tom de voz. “Uma ligação. Urgente” – fora só o que disse; perturbada e concisa. Tratava-se de uma empresa de engenharia – queriam o terreno. Vesti-me e cheguei mais depressa do que nunca no pequeno pedaço de paraíso que construí depois de tanto tempo e esforço. A engenheira chefe mostrava traços da impaciência já no tom de voz. “Uma palhaçada ter que esperar da boa vontade de um fulaninho qualquer só porque plantou uns trequinhos aqui” – ela realmente não sabia do que falava.

Formado em engenharia ambiental, tentei, de todas as formas, mostrar como aquilo era desnecessário e que as moradias populares poderiam ser implantadas noutro lugar – com muito mais vantagens sociais e ambientais. Entretanto, a ladainha não levava a lugar nenhum. Ela afirmara que já estava tudo resolvido na justiça e com a papelada, o único porém era que alguém havia resolvido plantar umas flores ali e sequer se dera ao trabalho de comprar o terreno, agora tinha que ficar ali e “negociar”. “As pessoas precisam de casas, não de plantas” disse dando ponto final a todo o diálogo de tentar convencê-la a mudar de ideia. Conhecedor – mas não onisciente, sequer um sábio – do coração feminino, resolvi apelar para o último recurso: a história.

Contei-a toda a história daquele lugar, alguns segredos que ele mantinha secretos, e como tudo começara. “A minha primeira paixão, na infância. Eu não lembro o nome, mas sei que ela aqui não habita mais. Fez-me jurar cuidar do Brotinho, daquela enorme figueira que você vê ali. Esperei pacientemente por anos (e ainda espero) que um dia ela volte. Que veja como cultivei do nosso amor por todo esse tempo e como ele poderia ter se tornado, mas vejo que agora nada significa... São só motivos egoístas e idiotas, não?” – mas a engenheira estava muda ao fim da história. Lábios crispados e olhos levemente marejados.

“Sempre soube que você seria o cara certo,” disse algum tempo depois, quebrando o incômodo silêncio. “Uma pena que o destino não quis que fosse assim. Muito lindo ver como nosso sentimento era bonito no fim das contas”. Então era ela, finalmente.

Foram longas duas décadas. Nenhuma mensagem, nenhuma visita, nenhum nome; nada. E de repente, ela estava ali: formada, bela e determinada – a destruir aquilo que a infância nos presenteara como mais doce e mais puro. Por alguns instantes, cri que ela realmente aceitaria qualquer uma das minhas outras sugestões e deixaria aquele magnífico lugar exalar seu esplendor para as gerações futuras, todavia, sendo surpreendente como sempre foi, abriu o mais largo dos sorrisos e disse: "É uma pena que acabou."

Ainda possuo fotos daquele lugar mágico que um dia foi o Éden, mas tudo que resta agora para contemplar são alguns dos girassóis que permaneceram e a amoreira – solitária. As pessoas que ali vivem, não sabem da história. Não conhecem a promessa infantil, não sabem dos pecados cometidos e a da aproximação celestial que aquilo fora um dia. Não, não; ninguém se importa afinal.

E da destruição do Jardim, consigo dizer uma coisa: aquilo que não pertence a terra, haverá de escapar um dia. Ao passo que Brotinho era colocado abaixo, junto de mais inúmeros companheiros, via os segredos que eles guardavam sendo finalmente anunciados para os quatro cantos do mundo. O vento se encarregaria de espalhar e polinizar. Brotinho chorou ao final e finalmente se deixou levar.

O Éden voltou ao imaginário e as palavras bíblicas – da onde nunca lhe seria permitido escapar (novamente).


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Notas finais do capítulo

Sobre finais assim, são meus clássicos. Sinto que a minha frase terminante deixou a desejar, mas pouco tenho do que reclamar.



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