Left Lovers escrita por Wonderlust Queen


Capítulo 1
Left Lovers.


Notas iniciais do capítulo

Uma curiosidade sobre essa fanfic: Ela era para ser uma longfic, desisti da ideia, daí eu tentei fazer uma drabble, ficou muito grande e eis que surgiu essa oneshot! :D

Bem, desde "Sometimes Things Get" eu tenho esse headcanon do Sabo como estudante de humanas, militante dos movimentos de esquerda (o título da fic HÃ HÃ? XD) e atuante em protestos, então essa é uma oneshot que dá corpo a essa minha ideia. Eu me baseei na cena introdutória basicamente nos protestos em que eu participei ativamente nos anos de 2012-2013, protestos estes onde eu vi muita coisa, ouvi muita coisa e passei por MUITA coisa. Também conheci muita gente, gente que hoje é melhor amigo, gente que eu encontro ocasionalmente na universidade. Enfim. Repressão policial não é moleza, confronto entre polícia e manifestantes não é moleza... é o mais próximo que eu consegui chegar da impressão de estar numa guerra. E coisas horríveis podem acontecer, inclusive mortes. Mas lá eu aprendi muita coisa, e trouxe um pouquinho disso para a fanfic.

Espero que gostem. Alguns dos "termos" esquerdistas eu vou colocar nota no final do capítulo. Eu achei esse romance bem de leve, mas foi um amor fazer tudo isso. Qualquer erro por favor reportem. 1bj!



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Tiros, gritos, estrondos. O som oco de pedras colidindo ao chão. O barulho abafado de centenas de pés correndo de um lado para o outro. Esse era o cenário em que Sabo estava inserido naquele momento. Vestindo um casaco com capuz negro e uma regata azul-marinho, o jovem encontrou um abrigo momentâneo por detrás de um carro, enquanto preparava o pano embebido em gasolina para lançar aos policiais uma resposta à altura.

Ele não estava assustado. Aquela repressão era familiar e mais do que esperada.

Já não era o seu primeiro rodeio, visto que desde que ingressou na faculdade de Letras Sabo estava acostumado a participar ativamente dos movimentos sociais que aqueciam aquela cidade tão cheia de mazelas. A causa da vez era uma ocupação no porto histórico local, que estava ameaçado de ser derrubado pelo governo para dar lugar a especulação imobiliária. Não foram necessários cinco dias de acampamento estudantil para que o governador enviasse seus porcos fardados para expulsá-los, porém os ocupantes não sairiam sem brigar. Oh não, isso não era do feitio daquele grupo de black blocs. Inevitavelmente, o confronto teve início.

E Sabo, que era conhecido pela facilidade em que preparava e atirava coquetéis molotov, estava prestes a fazer sua típica contribuição.

- ME LARGA! – O loiro congelou em seus atos ao ouvir aquela voz se destacar na multidão. Aguda, feminina. Largou o objeto de vidro para olhar cautelosamente além do para-choque do carro – FASCISTAS! PORCOS!

A poucos metros de onde ele estava, dois policiais agarravam violentamente pelos braços uma figura encapuxada, vestida de vermelho e negro. Se não fosse pela voz, Sabo facilmente a confundiria com um militante do sexo masculino, pois estava totalmente coberta e suas roupas eram folgadas, com poucos ornamentos fora o emblema solar em vermelho feito com estêncil em seu moletom. A jovem murmurava xingamentos aos cães, enquanto eles se esforçavam para arrastá-la à viatura mais próxima. O loiro engoliu em seco. Ele poderia facilmente ser preso caso encontrado com a quantidade de flagrante que possuía.

Mas que tipo de revolucionário seria ele caso não erguesse a mão para uma companheira?

Levantou-se, deixando a mochila e o coquetel para trás enquanto contornava o veículo concentrado em tirar a moça das mãos nojentas daqueles policiais, quando vislumbrou um objeto em sua direção.

Ele sentiu dor.

Os policiais e a moça encapuxada pareciam ter percebido o que havia acontecido, pois esta encontrava-se ao seu lado enquanto ele era tomado por uma estranha dor, como se facas ferventes estivessem perfurando seu rosto e corpo. Sabo grunhiu em uma expressão de confusa agonia, sentindo um líquido quente escorrer por todo o seu rosto até encostar em seus lábios. Sangue. Ele estava sangrando. Mais pessoas se aproximavam e ele conseguia ver vários lábios movimentando-se sem emitir som algum. Ele tentava descobrir o motivo de não conseguir ouvir mas sua mente se encontrava presa ao fato de que estava sentindo muita dor, e tentou ao máximo se manter consciente, mas o ambiente foi se tornando cada vez mais difuso, cada vez mais negro.

Era como se ele estivesse submerso em água de chaleira.

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- SABOOOOOOOO! EU BENZEI QUI BOZÊ BOZE BORRÊÊ!

- Ei Lu, vamos dar ao Sabo algum espaço, ok? Só faz um dia desde que ele acordou. – Ace tentava dizer da forma mais calma possível para evitar maiores escândalos do caçula, que chorava desconsoladamente agarrado às pernas cobertas do irmão.

Os irmãos de Sabo, Ace e Luffy, estavam com ele desde o primeiro momento em que ele acordara naquela cama de hospital. Para o loiro os acontecimentos da véspera ainda soavam como um sonho confuso - segundo o Dr. Law, ele havia sido atingido por estilhaços de uma bomba de efeito moral que explodiu a poucos centímetros dele -, mas ele estava feliz de não ter tido grandes sequelas. Apesar da parte esquerda do seu rosto e algumas partes do corpo estarem enfaixadas, ele foi informado naquela manhã de que haveriam cicatrizes, porém ele não havia perdido o olho.

- Está tudo bem Lu. Foi só um susto, eu acho. – Sabo acariciou os cabelos do menor de forma tranquilizadora, esboçando o melhor sorriso que seu rosto enfaixado conseguia oferecer.

- Mas ele não precisaria estar chorando desse jeito se você não continuasse se metendo em situações como essa. Tsc, você só vai descansar quando acabar preso ou morto...

- Não começa, Ace. – O loiro tentava ao máximo cortar o assunto. Mas pela forma em que o outro cruzava os braços, ele sabia que as tentativas dele seriam em vão.

- Não, sério, quantas vezes eu vou ter que ver você se dando mal por causa dessas coisas?! Já te escoltei para fora da cadeia meia dúzia de vezes, e agora isso?! Quer dizer, você poderia ter realmente se—

- Não é como se eu não tivesse salvado essa sua bela bunda gorda várias vezes também, punhos de fogo. – Sabo provocou, a menção do nome de guerra do irmão fazendo com que este recuasse – Ou você não lembra da confusão em que você e sua "família” se metem no submundo da cidade?

- VOCÊ NÃO OUSE FALAR DO VELHO BARBA BRANCA COMO SE ELE FOS—

Toc toc.

- ...Com licença? Aqui é o quarto do Sabo?

Uma figura de cabelos castanhos, olhos azulados e roupas cor-de-rosa pode ser vista na fresta da porta. Os três irmãos a observaram confusos por alguns minutos, até o irmão caçula confirmar e a convidar para entrar, revelando uma jovem com um pote de cup noodles recém aquecido em mãos.

- Olá...hã...quem é você?

- Eu sou aquela que se desvencilhou dos policiais quando viu você sendo atingido e veio te ajudar, lembra?

- ....Você era a moça que estava sendo agredida pelos pepas na praça? – Sabo perguntou, dando uma melhor olhada na jovem. Ela realmente parecia muito mais feminina sem os trajes típicos dos black blocs, com os cabelos curtos e lisos e curvas do corpo bastante graciosas, acentuadas pelos babados da camisa rosada que trajava. O loiro odiava ter tais impressões pelas companheiras de luta, mas não pode evitar sentir o calor subir-lhe ao rosto, quando admitiu que a moça em sua frente era deveras atraente.

A moça acenou com a cabeça levemente, e o jovem estudante de Letras pode observar Ace puxando seu irmão caçula para fora do quarto silenciosamente, dando a Sabo uma piscadela antes de encostar a porta com suavidade. “Aquele filho da...”

- Koala. – Seus pensamentos foram interrompidos quando a jovem estendeu a mão, oferecendo-lhe um sorriso que Sabo nunca antes vira na vida. Era um sorriso sem dentes, extremamente doce, mas havia algo naquele sorriso que ele simplesmente não conseguia explicar. Misterioso. Era a melhor forma de definir.

- Sabo. M-mas eu acho que você já sabe meu nome... – Ele apertou a mão da jovem totalmente sem jeito, coçando a parte de trás da cabeça com a outra mão enquanto sentia o calor subir cada vez mais, irrigando suas bochechas. Haviam milhares de borboletas em seu estômago, e se perguntou se isso era aparente quando ouviu uma risadinha abafada.

- Ah...! Eu trouxe isso para você. – Koala olhou para o objeto que segurava com a outra mão de esguelha, entregando-o logo em seguida – Hack me contou que você gosta bastante de cup noodles, então...é.

Com a menção do nome, Sabo ajeitou-se na cama de hospital. Não era possível que fosse o mesmo Hack, era?

- Você está falando do Hack? O cara do karatê?!

- É! – A ativista novamente riu – Eu o conheço já a algum tempo, pois somos do mesmo dojo. Eu sou professora substituta, na verdade...

- Ohhhh, então você conhece o velho Hack... somos amigos de partido a um bom tempo.

- Eu sei. Eu e ele fazemos parte do mesmo grupo tigerista – Ah, isso explicava o sol vermelho nas costas... – ...Não vai comer?

- Ah! Sim. Antes que esfrie, né? – Sabo sorriu e, se ele fosse mais confiante, poderia jurar ter visto um tom rosado nas bochechas da sua nova conhecida.

Ambos conversaram durante uma hora ou duas. Era incrível para Sabo ver que ele e Koala possuíam personalidades divergentes - ela de fato parecia muito mais responsável e séria – mas ao mesmo tempo possuíam tudo em comum. Suas visões em relação à luta de classes era a mesma. Ambos possuíam as mesmas referências teóricas. Ambos pertenciam ao mesmo setor na universidade. Mas era quando Koala falava sobre Fisher Tiger, o grande abolicionista, que ela esboçava de forma constante aquele sorriso só dela que Sabo havia aprendido rapidamente a amar. A forma como ela demonstrava tamanha força em suas convicções e gestos, a forma como ela simulava golpes de karatê quando falava de suas aulas, a mania estranha de limpeza quando reparou que o loiro havia deixado cair um pouco do cup noodles no chão...o distraído Sabo nunca soube que poderia ser tão observador.

- Eita, olha a hora! – Koala olhou para o relógio de parede, após mais uma longa explicação sobre um golpe de karatê – Eu tenho aula daqui a trinta minutos...

- Ei, tudo bem... foi muita gentileza sua você lembrar do meu nome e vir aqui me visitar depois de tudo o que aconteceu ontem... como ficou o protesto, afinal?

- Fora o seu acidente, sem muitos problemas. A maior parte dos companheiros conseguiu se refugiar em segurança e daqui a dois dias vai ter plenária na praça da concentração. Uns cinco foram detidos mas em poucas horas os pepas tiveram que liberar.

- Poxa, a plenária vai ser no dia que eu vou ser liberado. Eu queria muito ir, mas parece que eu vou ter que ficar preso em casa...

Houve uma pausa momentânea. Então, Koala pôs o indicador direito ao ar, como se quisesse expressar uma ideia.

- ...Ei, se você quiser, eu posso anotar as pautas e informes da plenária e repassar pra você!

- Sério?

- É...hmmm... quando você melhorar sabe... você pode pegar meu número e... a gente pode se encontrar.... sabe... em um parque ou coisa do tipo, a gente lancha junto e eu te repasso os informes e tudo mais... – A militante propôs, logo em seguida colocando o cabelo de forma desajeitada para detrás da orelha. Não, dessa vez ele não estava vendo coisas, havia um vermelho nas bochechas dela.

- Hohoho, isso é um encontro, moça? – Era melhor usar um tom de brincadeira para esconder um fundo de verdade na questão, não é?

- Você quer que seja um encontro, cara do molotov? – Ela riu, entrando na brincadeira. “Ohh isso é bom, ela pode estar usando a mesma tática que eu. Esperta.”. Quando Sabo viu do canto da porta uma mão com o polegar para cima, ele só conseguiu revirar os olhos. “ Porra Ace...”

A pergunta ficou no ar enquanto Koala pegava o celular do loiro e colocava nele seu número de celular. Ao ouvir o desejo de melhoras e as despedidas os outros dois irmãos entraram sem a menor discrição no quarto, pedindo a jovem que ela os visitasse outras vezes antes de Sabo sair do hospital. Ela não fez promessas.

- Vê se entra de novo para a luta, ein cara? – Ela sorriu, bagunçando os cabelos do loiro. – Bem, vou indo.

- Valeu mesmo pela visita, Koala! Muito prazer em te conhecer. – Eles trocaram beijos na bochecha de despedida. Mais borboletas em seu estômago.

- Me liga! – Ela se despediu com um aceno, fechando a porta por trás dela.

Sabo nem reparou no sorriso maroto de Ace e na forma que este mantinha os polegares para cima, olhava de forma carinhosa para a porta, o calor em seu rosto e o sorriso suave formando-se sem que ele percebesse

“Então é um encontro, huh?”

Ele nunca havia se sentido tão feliz com uma repressão policial.


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Notas finais do capítulo

Black Bloc: Confundido por muito como um grupo organizado, na verdade o termo "Black Bloc" trata-se de uma tática criada na Alemanha nos anos 80 onde os militantes usam da defesa, do confronto e porteriormente da ação direta (vulgo "vandalismo") em manifestações. Estes geralmente usam o rosto encapuxado e os trajes negros, por isso o nome, já que na formação eles ficam acumulados na linha de frente a título de defesa dos demais militantes, formando um "bloco negro"

"Pepas", "Porcos Fardados", "Cães", etc: Nomes que militantes geralmente dão aos policiais. Não é necessário dizer que são pejorativos. :v

Coquetéis Molotov: Arma incendiária caseira composta de óleo de carro, gasolina, pano e garrafa de vidro. Muito comum em protestos urbanos. Proibida no Brasil.

Encapuxado(a): Alguém que cobre o rosto com alguma espécie de pano ao estilo "ninja". Geralmente uma camiseta.

Fisher Tiger e os Tigeristas: Invenção minha para o AU. Nesse universo, Fisher Tiger é um abolicionista revolucionário famoso, então obviamente ele tem seguidores dentre os movimentos de esquerda e dá nome a sua própria vertente. Tem como símbolo o sol dos Piratas do Sol na série original.

Plenária: Reuniões que podem ocorrer tanto antes quanto depois de protestos ou atos. Servem para dar informes, formar táticas e estratégias, definir locais de encontro, debater e etc.

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É isso. Adieu~



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