Sister escrita por Mrs Neko


Capítulo 1
Parte 1 - Big Bang


Notas iniciais do capítulo

Esta história se passa num futuro hipotético depois do final do mangá - por mais que não pareça, xD.

E neste primeiro capítulo, aparece, de relance, uma "música nova" do Beck. Se você caiu nesta fic tentando matar as saudades do "MCS", ou se chegou aqui sem conhecer o mangá, o anime ou o live-action, aqui vai um trecho pra sentir um gostinho: http://youtu.be/dx2aE0OObbc



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Maho deliciava-se depois de tanto tempo sem ir a um show do Beck. Durante um longo período de sua vida, ela praticamente agira como cinegrafista, documentarista e agente para a banda de seu irmão. Seis anos haviam se passado, enquanto as pessoas que conheceu na adolescência seguiam caminhos diferentes e distantes, e ela ainda mantinha seu sonho de concluir seu curso de Audiovisual e Artes Cênicas com o melhor road movie possível, com a melhor banda possível, assim como seu herói, Jim Walsh, e a banda de seus amigos norte-americanos, o Dying Breed.

Naquele momento de interrupção sutil em seu presente vertiginoso e atarefado, ela só precisava se preocupar em aproveitar suas férias. Claro que para uma jovem tão hiperativa como ela, a palavra férias jamais seria sinônimo de um lugar silencioso e o ranger tranquilo de uma cadeira de balanço ou uma rede na beira da praia. A ágil senhorita Minami apenas precisou de dois minutos de discussão com o irmão Ryuusuke pelo telefone, e pronto, já estava na lista de convidados. Adorava a massa homérica de sons, movimentos e emoções que compunha o ambiente estranho e deliciosamente caótico de um show de rock. E certamente não teria outra oportunidade melhor que esta para matar as saudades e reviver o tempo em que acompanhava todas as apresentações imprevisíveis e saborosas de seus amigos japoneses.

A estudante havia chegado muito cedo para o show, mas não demonstrou a mínima pressa em encontrar o irmão e os outros músicos. Acomodou-se em um dos bancos próximos do bar em estilo antigo da live house. Já fazia algum tempo desde a última vez em que o Mongolian Chop Squad havia se apresentado em um lugar tão relativamente pequeno como os de antes da fama. Tudo porque a enésima das apostas homéricas do fundador da banda, desta vez com o guitarrista Shingo, líder do grupo indie Room 13, fez com que os quase ex-rivais tivessem de trocar de palco por um dia. A fim de se promoverem para o épico Greatful Sound 20, os roqueiros tão acostumados com histórias de terror à sombra de templos e casas de shows pequenas foram parar no Club Cittá, solo sagrado da cena independente japonesa por ter sido o palco de um dos últimos shows do Dying Breed; enquanto os perdedores da aposta estavam ali naquele rock bar que mais parecia um cenário de filmes de motoqueiros dos anos 1950s, onde não cabiam muito mais que 500 pessoas.

Maho gostou de ver que a atmosfera proporcionada pelo neon e a iluminação escassa, o bar pequeno, de madeira, com os bancos altos de ferro e plástico, o palco baixo separado da pista por uma grade de ferro ainda mais baixa, quase inexistente, as paredes de tijolos antigos aparentes, e todo o ar estranho que sugeria que aquele lugar logo cairia aos pedaços, combinava tão bem com o Beck quanto com o Room 13. Na companhia do anonimato sob a penumbra e de um ginger ale, a jovem Minami aproveitava para ouvir a afinação, enquanto os instrumentos eram equalizados, e divertia-se ao ver o irmão perdendo um de seus desafios inconsequentes, ainda mais quando o resultado, ao invés do prelúdio de uma tragédia, se tranformava numa cena digna de um filme musical. Gostou de ver, ouvir e experimentar o avanço incrível das habilidades de Saku com a bateria, e imaginou como ele ficaria tocando com aquela expressão inacreditavelmente exaltada para alguém tão maduro e calmo, e um kit duplo, igual ao de Keith Moon[1]. Maho agradeceu mentalmente por Hiromi não estar junto do noivo, senão já teria sido vista, abraçada e recebida calorosamente e interrogada como uma criança arteira - mesmo que fosse pelo "casal 20", que adoravam agir como os pais da banda, ao invés de seu irmão, algo estranho para alguém que não conhecesse a "disfuncionalidade" que caracterizava a família Minami.

Enquanto os fãs mais adiantados começavam a chegar, com risos ansiosos e conversas altas, Taira testava seu Musicman Stingray [2]com toda a calma do mundo, como se faltassem meses para a hora da apresentação. Colocava e tirava cordas, afinava subindo ou descendo o tom, até que finalmente se desse por satisfeito com os sons profundos do contrabaixo branco e preto, tocava várias e várias notas, às vezes num ritmo lento, ouvindo atentamente, outras com toda a velocidade elegante de seu estilo slapping que tanto gostava de exibir. A aspirante a cineasta riu com gosto, já que ninguém lhe ouviria em meio ao barulho dos espectadores afobados. Ao mesmo tempo que alguns espectadores estranhavam a ausência da banda nomeada na tabuleta à entrada do Whisky a Go-Go, fangirls maliciosas perguntavam-se quando chegaria o momento em que o baixista loiro, interessado em exibir mais que a sua interessante técnica funky, tiraria a camisa.

O som poderoso e estranhamente tranquilo da Fender Mustang [3]laranja surpreendeu Maho. Ela continuaria a expressão zombeteira, estranhando o motivo de Koyuki não começar uma apresentação com a velha Telecaster [3]amarela que era quase uma extensão do corpo dele, se não estivesse muito distraída pelo aperto dolorido e inesperadamente feliz que surpreendeu seu coração ao vê-lo depois de tanto tempo. Aparentemente, ele era o mesmo rapazinho esguio e gentil que ela conhecera aos 14 anos. Ele tinha até mesmo crescido um pouco, mas ainda parecia tão frágil e magro quanto ela conseguia se lembrar, e ainda tinha a mesma carinha de bebê que quase se desfez no choro feliz das saudades de casa satisfeitas, na manhã longínqua em que ela lhe havia servido arroz e sopa miso. Ao ouvir o som inconfundível que a corda de metal fez ao se partir, a jovem atriz constatou que a fama não havia mudado o jeito simples, tímido e estabanado do vocalista. A expressão de Yukio passou depressa de uma serena adaptação de Tom Morello [4]em estilo mangá, para um pimentão infantil que tentava inutilmente se esconder sob o boné. Maho sorriu com a alma repleta de ternura, e desejou abraçar o tímido garoto que não sabia se procurava um lugar para se esconder ou se terminava de colocar outra corda idêntica às que fizeram tantas feridas em seus dedos.

Em meio ao burburinho de centenas de pessoas bebendo alegremente e falando alto, fez-se distinguir um riso rouco e tão zombeteiro que soava quase sem graça. Maho reconheceu a risada irônica e seca de Ryuusuke, e viu quando ele disse alguma coisa ao pé do ouvido do guitarrista de apoio, segundos antes que o magnífico som de Lucille [5]ecoasse pelo Whisky a go-go.

Ao contrário do que aconteceria nos velhos tempos, o vício de Ryuusuke na técnica não o fez humilhar o amigo, mas desafiá-lo; do mesmo jeito elegante e inconsequente que já lhe havia causado inúmeros perigos ao se envolver em todo tipo de apostas malucas e desafios estranhos. O que era um teste cotidiano e vagaroso se transformou num hiperativo duelo de guitarras. A futura diretora cinematográfica lamentou não ter uma câmera diante daquela cena intensa. O passar do tempo não havia alterado a teimosia solitária de Minami, nem o seu amor obsessivo pela guitarra misteriosa que havia custado várias vidas - quase a dele próprio - , mas a experiência conjunta, a amizade simples e sincera dos companheiros de banda que ele quase fizera a tolice sem tamanho de expulsar, havia chamado o músico de volta à consciência de que havia outras pessoas importantes em sua vida. Seus amigos que, inesperadamente o encontraram, do outro lado do mundo, ao seu lado, encararam o perigo, olharam nos olhos da morte e apostaram a vida na música. Assim como sua irmã cansara de apontar, eles eram sua verdadeira família, e ele os amava, porque eram tão indispensáveis quanto Lucille.

– Ora, o que vocês estão fazendo, seus lerdos??? Chega de brincadeira, vamos começar logo de uma vez!!!!

Maho caiu na gargalhada com os berros do vocalista. Microfones definitivamente não eram indispensáveis para Tsunemi Chiba. Os anos passavam e ele continuava com o mesmo porte de moleque, tão impulsivo e desprovido de bom-senso quanto lhe podia fazer justiça à sua reputação de briguento. Mas ai de quem olhasse apenas para sua aparência e (falta de)postura típicas de um protagonista de mangá shounen. Quase toda sua vida consistiu em lutar, por muito tempo. Pela própria sobrevivência, pela continuidade da banda, para ajudar a mãe e a irmã doente. Ele gostava de viver sem arrependimentos, com toda a velocidade e intensidade possível. Mostrava para todos, gritava para o mundo exatamente o que era. Como um verdadeiro herói, continuava a lutar e defender quem conquistasse a sua lealdade, mas com a música, ao invés dos punhos.

Alto e forte, com o exótico cabelo afro, a camiseta com a frase Fuck the System escrita em letras garrafais e aquela risada quase digna de um vilão ecoando nos microfones que nem se deu ao trabalho de testar, Chiba passava uma imagem enérgica, belíssima e carismática que deixaria qualquer astro de cinema roxo de inveja.

– Boa noite!! Nós somos o Beck! Estão surpresos em ver a gente, huh? Bom, o Room 13, que vocês esperavam, não vai aparecer por aqui.

Berros, vaias e assobios soavam entre a platéia pequena que começava a chegar. O rapper apenas subiu na grade e continuou seu discurso:

– Então vamos roubar vocês, os fãs deles, com a nossa música nova! BIG BANG!!

Expressões de surpresa povoavam a pista e, por um instante quase imperceptível, o palco. Maho adivinhou, em meio à multidão que começava a se aproximar da grade e tampava sua visão da banda, a maneira como Ryuusuke jogava toda a cautela possível ao vento e começava a um solo estranhamente quieto, claro fruto de improviso; o sorriso tranquilo de Saku, que fechava ainda mais seus olhos estreitos, enquanto ele achava graça da atitude exibicionista do amigo logo no início de uma performance e simplesmente já começava a tocar; Koyuki engolindo em seco, provavelmente porque aquela música não estivesse totalmente pronta; e o rosto de Taira, inexpressivo como sempre, enquanto ele apenas se deliciava acompanhando o improviso dos amigos.

Não era um conjunto de músicos executando uma performance, era apenas um grupo de amigos brincando e fazendo barulho. Aquele conjunto de sons descoordenados jamais pareceria harmônico. Não passava a impressão que dali sairia alguma música inteligível, tampouco parecia uma base, o acompanhamento natural do rythym and poetry. Mas o MCS não era um banda comum, e diante deles tampouco havia um rapper comum. Era a própria voz quente e poderosa que saía daqueles microfones, o próprio fator humano que ditava o ritmo que invadiu o ambiente; o instrumento emocional que transformou aquela brincadeira de cacofonia num legítimo e delicioso rock'n roll, e uma massa humana apática num coletivo eufórico, espiritualmente ligado pelo poder da música. Uma experiência de força, felicidade, vontade de viver.

Quando Maho deu por si, estava pulando junto com todos os outros espectadores; desejou mais que nunca poder fazer um filme, uma peça de arte, com cenas reais, cenas maravilhosas como aquela que ela vivia, para que o máximo possível de pessoas pudesse sentir o apelo magnético, simples e verdadeiro da música de seus melhores amigos. E se não estivesse sem fôlego, teria suspirado ou soltado um resmungo ao se dar conta que Big Bang chegara ao fim.

– Hahaha, está na cara que vocês gostaram - o vocalista ria, com muito gosto e pouco fôlego, depois dos muitos movimentos de karate que tanto gostava de usar em suas performances. - Bom, agora que vocês já conhecem a minha música...

Maho não soube se ria daquela atitude tão infantil e exibida, ou se ficava orgulhosa com o talento de letrista, que o amigo desenvolvia de forma extraordinária. Mas antes que qualquer dos companheiros de banda pudesse reclamar ou fazer qualquer movimento (praticamente inútil) para bater no hiperativo e corajoso Chiba, ele simplesmente pulou de novo na grade - todos se surpreenderam já que nem o homem, nem o objeto se espatifaram no piso com a ação - e continuou a fazer o que tanto gostava: chamar a atenção das pessoas, não só para o próprio carisma, mas para os parceiros também, à medida que o holofote passeava sobre o palco:

– ...Agora vocês também conhecem o Beck, a melhor banda do mundo, formada, por um belo acaso, pelos meus melhores amigos! Na bateria, Saku!! - o moço tomou o tempo de apenas três batidas rápidas nas caixas e no prato para chamar a atenção para si - , nosso baixista, Taira-kun! - Chiba segurou o colega pelo ombro, enquanto ele acenava para a platéia - o cara da guitarra, Ryuusuke!!! - que apenas levantou Lucille num movimento orgulhoso - e o nosso outro vocalista - o front man acenava ainda mais frenético, com os braços, chamando a atenção para o caçula da banda - escolha logo a próxima música, Koyuki!!!

Lembranças de inúmeras brigas emergiram, por um segundo quase imperceptível, nas mentes dos dois cantores. Todos que participaram dos bastidores da banda, da procura árdua pelo "lugar ao sol", sabiam que aquele rapaz aparentemente tolo e revoltado sempre tentava se esforçar mais que todos, levado pelo amor cego e incondicional daqueles momentos em que podia extravasar toda sua energia e viver toda a intensidade da música com seus amigos. Às vezes se perdia naquele caminho dolorido, e se sentia abandonado, como se nem todo seu esforço pudesse abrir o caminho do sucesso, e quando parecia finalmente se aproximar do objetivo de distância flutuante, era como se ele fosse um peso morto, uma peça dispensável, cujo desaparecimento teria como consequência imediata o estrelato do Mongolian Chop Squad. Mas Chiba se lembrava com ternura que era justamente aquele garotinho franzino que fora buscá-lo, na amarga vitória do torneio King of Kings, no círculo vicioso daquela necessidade temível e insaciável de reconhecimento. Não precisava ter medo do futuro ou da perda das pessoas mais preciosas em sua vida. Seu pequeno companheiro, que o havia salvado daquele sentimento inútil e cego, sempre sorriria para ele, depois de colocar seus sapatos à porta do camarim e chamá-lo alegremente para a próxima apresentação, com aquela voz infantil que ele conhecia tão bem, "Vamos lá, Chiba-kun".

Com a mesma voz tímida e gentil que ele disse:

– Boa noite... Nossa próxima música se chama Sister.


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Notas finais do capítulo

1. Keith Moon: o primeiro baterista da banda britânica The Who, conhecido por suas maluquices, como atropelar pessoas ao volante de um Rolls-Royce - que ele não sabia dirigir -; passear por um bairro londrino povoado por vários judeus, fantasiado de oficial nazista; destruir a própria casa e jogar os móveis pela janela; beber e drogar-se compulsivamente e tocar um kit de bateria dupla como ninguém. Faleceu em ­­­1978, ironicamente por overdose de remédios que tomava na reabilitação, poucos dias antes do lançamento do álbum "Who Are You?", sucesso entre fãs e críticos, e um marco na carreira do The Who, que havia sido planejado para servir como grande retorno da banda, após uma época no fundo do poço.

2. Musicman Stingray: um modelo de baixo projetado por Leo Fender nos anos 1970s, reconhecível pelo tipo característico de ponte, pelo encordoamento chamado de "3 + 1" e por ser o instrumento de vários músicos famosos, como Flea, dos Red Hot Chilli Peppers - o autor Harold Sakuishi é um grande fã dos RHCP e diz com a boca cheia que baseou o personagem Yoshiyuki Taira em Flea.

3. Fender Telecaster e Mustang: dois modelos famosos das guitarras Fender, usados por guitar heros, Jimi Hendrix por exemplo, e astros épicos do rock, como Kurt Cobain - o personagem Ryuusuke "Ray" Minami toca várias músicas de Hendrix no mangá. A Fender ganhou muito dinheiro no Japão vendendo uma linha personalizada destas guitarras, pois são elas que o protagonista Yukio "Koyuki" Tanaka aparece tocando.

4. Tom Morello: guitarrista das bandas Audioslave e Rage Against the Machine. A própria banda que batiza o mangá foi baseada em muitas características de RATM e RHCP, e embora diga-se no fandom de Beck que Ryuusuke foi baseado neste guitarrista, o fundador do Beck aparece muito mais compondo ou tocando clássicos do blues e do rock, do que usando pedais para fazer distorção de sons, como Tom Morello faz maravilhosamente nas músicas destas bandas. Por outro lado, tanto o autor, quanto os ilustradores que fizeram as capas dos mangás, guias e outros materiais de divulgação, adoram desenhar Koyuki munido de um boné e da sua inseparável Telecaster amarelinha, numa pose idêntica à de Morello. (Sim, ele é um protagonista apelão e aparece em todas as capas dos mangás.)

5. Lucille: no mangá, no anime e no live-action, é uma guitarra Gibson Les Paul que sempre emite um som magnífico, por ter sido customizada com... sete tiros. No entanto, Harold-sensei simplesmente adora colocar easter eggs em suas obras, e Lucille é um deles. Trata-se do nome com que B.B. King, lenda do blues, batizou sua guitarra - outra Gibson Les Paul - depois de salvá-la de um incêndio.



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