Um encontro na chuva escrita por Lu Rosa


Capítulo 2
Dois




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A casa de Ana Lúcia ficava em uma rua arborizada e tranqüila. Do tipo onde senhoras idosas sentavam nas calçadas para relembrar os velhos tempos. Onde meninas brincavam de corda e meninos jogavam bola. Mas àquela hora já estavam todos recolhidos em suas casas. Exceto por um jovem encostado em uma árvore em frente da casa onde o carro de Ana Lúcia parou.

– Ana Lúcia! – ele chamou

Era um rapaz atlético. Do tipo que freqüenta academia quase todo dia. Mas sua expressão tornou-se belicosa ao ver Mohammed descendo do carro também.

Ela se voltou irritada.

– Ah, não. Ricardo, o que você faz parado aí? – ela colocou as mãos na cintura.

– Esperando você. Isso são horas de chegar?

– Quem você pensa que é? Já acabamos nosso namoro há tempos. Você não manda mais em mim. – fez um gesto de desdém com a mão.

Dito isso ela deu-lhe as costas.

Ricardo segurou-lhe o braço.

– Não dê as costas pra mim, Ana Lúcia.

– Largue-me! – ela pediu.

Mohammed colocou a mochila e a pasta no chão e pôs a mão no ombro dele.

– Faça o que ela pediu senhor.

Ricardo voltou-se para ele, soltando o braço da moça.

– Quem é você, cara?

Massageando o braço, Ana Lúcia se pôs ao lado de Mohammed.

– Não, Mohammed. Não vale a pena...

Ele olhou para Ana Lúcia. Ele estava estressado, cansado. Mas não iria permitir nenhum tipo de agressão à moça que o salvara.

– Não posso deixá-lo tratar você assim.

– Não se preocupe. Não seria a primeira vez. O Ricardo é o tipo de homem que gosta de demonstrar sua força. - afirmou de forma enigmática.

Os dois homens se olharam avaliando-se. Ricardo tinha no rosto a arrogância dos valentões. Mohammed estava tenso como as cordas de um violino, Ana Lúcia percebeu. Bastaria uma pequena provocação para que os dois se enfrentassem.

Os pais de Ana Lúcia saíram para ver o que acontecia, pois ouviram o ruído do motor do carro, mas Ana Lúcia não entrava.

– Ricardo, - o pai de Ana Lúcia se aproximou do grupo – você não deveria estar no trabalho, meu rapaz?

O valentão perdeu um pouco da agressividade.

– Era sim, Sr. Marcos.

O pai de Ana Lúcia passou os braços em volta dos ombros do rapaz e o tirou de perto de sua filha.

– Então, por que você não volta pra casa e se prepara para ir trabalhar. Tenho certeza que ainda dá tempo de você ir.

O rapaz se deixou levar, mas não sem dar um último olhar ameaçador á Ana Lúcia.

A mãe dela tomou a jovem pela mão e a levou pra dentro. Mohammed acompanhou-as.

– Aquele rapaz deveria ter vergonha de se aproximar de você, Aninha.

– Eu sei mamãe. Mas eu não sei mais o que fazer. Ele simplesmente não aceita que terminamos.

– Talvez fosse melhor você aceitar aquela bolsa e sair de São Paulo por uns tempos.

– É talvez eu faça isso. – respondeu ela pensativa. Mas logo depois seu olhar se iluminou.

– Mãe, este é Mohammed al Traofout, o estudante de intercambio de quem eu falei.

Marisa Paes olhou para o rapaz à sua frente.

– Olá, Mohammed. Prazer em conhecê-lo. Seja bem vindo ao Brasil.

Ele apertou a mão estendida.

– Obrigado, senhora. É um prazer estar aqui.

– Você me parece um bom rapaz. Um pouco tolo, mas um bom rapaz.

– Mamãe! – repreendeu Ana Lúcia.

– Ora, querida. – respondeu Marisa começando a colocar as xícaras na mesa juntamente com os pratinhos de bolo - Desculpe-me Mohammed. Apesar de nobre, a sua atitude foi insensata. Você iria enfrentar o pior valentão da nossa rua.

– Eu não sabia senhora. Mas um homem não deve tratar uma moça como sua filha daquele jeito. Apesar dos homens do meu país ter perante o mundo ocidental uma imagem negativa em relação às mulheres, nós as respeitamos. Agredir uma mulher, em minha opinião, é um crime. E qualquer homem com o mínimo de decência deve impedir isso. – ele salientou decididamente.

Marisa arqueou as sobrancelhas para o jovem e olhou para sua filha. Inacreditavelmente, Ana Lúcia ouvia as palavras do rapaz, completamente tomada pela emoção. E ela se lembrou das vezes que sua filha aparecia com manchas, marcas de dedos nos braços. E ela desejou fervorosamente que aquele rapaz de sotaque estranho pudesse devolver a paz e o amor à sua filha.

– Pronto. - Marcos Paes entrou na cozinha – Já o coloquei no carro e ele já está indo embora. Não sei por que ainda ele está apaixonado por você, Ana. E eu não sei por que eu ainda permito que ele se aproxime de você. - completou ele com os punhos cerrados.

– Tome querido, - Marisa estendeu uma xícara de chá a Marcos – Se acalme e cuidado com sua pressão. - Ela se aproximou do marido com uma expressão suave - As atitudes dele com Ana Lúcia não eram saudáveis. Não eram de um homem apaixonado por uma mulher. – Marisa colocou mais chá nas xícaras e serviu pedaços generosos de bolo. – Comam crianças. Vocês devem estar com fome.

Mohammed olhou o seu prato apreensivo. Não conhecia as comidas brasileiras. Tinha medo de não aprecia-las.

Ana Lúcia veio em seu socorro.

– Mohammed, é bolo de chocolate. Pode comer tranqüilo.

Ele sorriu e começou a comer o bolo. Há muito tempo não comia bolo. Ele lembrou com saudades dos doces maravilhosos que sua mãe fazia.

– Então, Ana? Não vai me apresentar o seu amigo? - indagou o pai.

– Ah, papai. Este é Mohammed al Traofout. E este é meu pai Sr. Marcos Paes. – Ana Lúcia fez as apresentações.

Os homens apertaram as mãos. Marcos, tal qual Marisa, apreciou o rapaz de expressão tranqüila e franca.

– E o que você veio estudar aqui no Brasil, Mohammed?

– Ele veio estudar as técnicas de produção de energia, papai – Ana Lúcia respondeu por ele. – Mohammed estuda Física em Teerã. Ele está se aperfeiçoando em técnicas de energias renováveis.

– Ah, interessante. Eu gostaria muito de conversar mais com você Mohammed, mas hoje de manhã eu tenho uma apresentação para ensaiar. Você me perdoa, mas eu vou me recolher.

– Ah, querido vou com você. - Marisa se levantou da cadeira – Ana, querida, pode deixar a louça na pia que eu lavo de manhã. O quarto para o Mohammed já esta pronto. Leve-o para o quarto ao lado do seu.

– Mãe, mas é o quarto do Sérgio. O que aconteceu com o quarto de hospedes?

– O seu pai está o usando como estúdio. Você não se lembra?

– Ai, eu me esqueci! Não tem problema. - ele se voltou pra o rapaz – Você vai ficar mais confortável ainda. Vem, - pegou o rapaz pela mão – eu vou te mostrar.

Marisa e Marcos olharam um para o outro de forma apreensiva.

Ana Lúcia abriu o quarto e lhe pareceu ainda sentir o perfume favorito do irmão. Ela e Sérgio eram muito próximos com apenas um ano de diferença entre eles. Sérgio foi a pessoa que mais incentivou Ana Lúcia a ter uma carreira fora da música e Ana Lúcia foi quem mais deu força a Sérgio para ele ir até aos Estados Unidos. Mas a distancia foi muito difícil no começo, mas tanto ela quanto o irmão superaram.

O quarto era exclusivamente masculino e vendo Mohammed ali parado no meio dele pareceu a Ana Lúcia que ele sempre pertencera àquele lugar.

– Então, gostou?

– É muito bonito, Ana Lúcia. Mas seu irmão não vai se importar?

– Claro que não. Ele vai demorar muito ainda pra voltar dos Estados Unidos.

– Eu só não sei se a minha estadia vai demorar tanto quanto o aperfeiçoamento do seu irmão.

Ela pareceu murchar.

– Você acha que vai ficar tão pouco tempo? - pra disfarçar a tristeza repentina ela começou a guardar as roupas nas gavetas.

Ele caminhou até ela e a segurou pelos ombros fazendo que ela ficasse de frente

– Ana Lúcia, por alguma razão houve um entendimento imediato entre nós esta noite, mas a minha situação é incerta. Como é que eu vou saber se os agentes do governo do meu país não estão lá fora tentando me encontrar? Eu não posso colocar você e a sua família em risco. Qualquer pessoa que me ajudar será considerada uma ameaça ao Irã. E isso eles não perdoam.

– Mas e se você se tornar um cidadão brasileiro? Eles não teriam mais poder sobre você.

Mohammed se sentou na cama levando-a junto.

– Ana Lúcia, isso seria maravilhoso. Mas sabe quanto tempo demora um processo de imigração? Acha que eu já não tentei isso? Na Inglaterra, na França, no México... Eu já tentei em todos esses países. Primeiro, eu sou barrado pela nacionalidade, depois, pela burocracia. E aí eles sempre acabam me encontrando.

– Deve ser muito difícil ficar assim, sempre fugindo...

– É. E eu estou ficando cansado dessa vida... - ele levou as mãos até o rosto. - Você foi a única que me acolheu em casa. Eu agradeço a você por isso.

– Falando em agradecimentos, eu queria te agradecer pela sua atitude em relação ao Ricardo. Nenhum rapaz daqui teria coragem de enfrentá-lo. Ele é muito agressivo.

– Tolice. Eu duvido que qualquer pessoa que a conheça não seria capaz de defendê-la. Ou talvez eu tenha sido tolo como sua mãe disse. – ele retrucou levantando-se da cama.

– Não. Não. Você foi corajoso. - discordou ela, cabisbaixa levantando-se também e andando até ele - Depois do que eu já passei com ele, você não sabe o que isso significa pra mim.

Ela ergueu os olhos para ele e o tempo parou. A atração mútua era quase palpável. Os corpos estavam tão próximos que podiam se tocar; os olhos de um mergulhado nos do outro.

Ana Lúcia foi a primeira a desviar o olhar e ela caminhou até uma porta.

– Aqui é o banheiro. Por você não conhecer a casa, você pode usar o frigobar se sentir sede ou fome. Minha mãe foi bem cuidadosa a respeito do seu conforto. Por favor, fique à vontade. Essa é sua casa agora. Você faz parte da família agora. Por quanto tempo não sei, mas por cada minuto que as circunstâncias permitirem que você fique.

Dito isso, ela saiu rapidamente do quarto.

Ele foi até a porta que se fechara e cerrou os olhos sentindo ainda no ar o perfume daquela jovem que ele conhecia há algumas horas apenas e que, de uma forma inesperada, se apoderara de seu coração.

Em seu quarto, Ana Lúcia tentava acalmar as batidas do seu coração. Ela era uma pessoa objetiva e prática. Não se deixava levar por romantismos. A única vez que fizera isso fora tão machucada que seu coração tornara-se um deserto. Ela não conseguia ver nenhum outro rapaz a não ser com olhos críticos e cínicos. Mas Mohammed a tocara de uma forma inesperada desde a primeira vez que seus olhares se cruzaram. Ela se jogou na cama. A incerteza da situação deixava seus olhos rasos d’água. Ela piscou rapidamente, tentando espantar as lágrimas. Mas esse esforço só fazia com que elas voltassem. Ela desistiu de lutar. Por uma manobra do destino, estava irremediavelmente atraída por Mohammed.


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