Linhas Borradas escrita por Iulia


Capítulo 20
Enevoado


Notas iniciais do capítulo

Eu meio que fiz de novo, né. Eu sei, desculpa. Pelo menos eu voltei, né, e vocês que simplesmente sumiram do nada e deixaram uma história com esse tanto de acompanhamento com só dois comentários? Eu amo vocês e eu amo escrever, mas eu fiquei um pouco chateada porque eu poderia perder a direção da história. Só me falem o que vocês acham, por favor. Boa leitura c:



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Clove

Parece que o fogo está dentro dos meus pulmões. Eu estou engasgando com a fumaça, meu corpo bem treinando tentando a forçar pra fora.

Tenho boas pernas, mas meus olhos já estão ardendo. A névoa parece se estender até mesmo dentro da minha camiseta, por cima do nariz.

Eu nunca morreria no inferno de um incêndio, então continuo correndo. Minha rapidez, meu reflexos, a porra dos meus ouvidos, tudo é desonrosamente testado quando eles começam a jogar bolas de fogo. Eu não sei quando elas vêm, mas eu sei correr. Eu sei desviar.

Eu me saio bem. Eu sou uma fortaleza. Mas respirar passa até a doer. Eu nem vejo isso chegando; a fumaça envenenando minha garganta arranhada, minha mente ainda em alerta, eu grito. O nome certo.

– Me dá sua mochila.

Meu corpo é mais pesado que isso, mais pesado que tudo que há. Eu me recuso a parar. Fogo derramado ao meu redor, acima e dentro de mim, cada espaço do meu corpo envenenado sem dignidade, eu só sei que vencedores são injustos. Eu continuo.

– Você é a porra de uma lutadora, Clove. Continua a correr.

Eu tenho um parceiro bom. Ele grita como Enobaria faz quando meu corpo começa a protestar. Cato berra o tempo todo. Eu corro mais. Eu provo pra ele que eu ainda sei rir expelindo fuligem. Quando isso acaba, meus olhos varrem o ambiente. Quase do outro lado da floresta. Perto de alguma fonte de água, eu sei. Já é outra parte do dia.

– Viva, parceira? – ele me joga uma garrafa de água, sorrindo. Eu sei que ele está exausto, eu sei sobre as cinzas flutuando acima do seu cabelo de garotinho bem cuidado. Eu poderia falar sobre não poder acompanhar suas batidas cardíacas. Eu sorrio de volta.

– Assuma o crédito que você me dá.

Eu não falo sobre isso, mas nós somos a única equipe real aqui. Todos eles ao redor vão ser derrubados logo. Nós nos recompomos rápido e não há orgulho nisso. Era a obrigação deles. O 1, o 4, o que eles estão mandando pra cá? Gente com a porra do fôlego de um velho?

– Então, 12. Vamos continuar a procurar sua amadinha por aqui? – pergunto, lentamente hidratando meu corpo.

Ele demora a responder. Olha ao redor, esperando que alguém fale que não está pronto ainda. O fogo na sua carruagem parecia melhor.

– Qual é, vai me dizer que nunca correu de um incêndio? Não é tudo carvão e mina por lá?

Os outros forçam risadinhas que machucam seus pulmões. Que nem moribundos, eles tossem por tempo demais. Dá peninha.

O Conquistador sorri com toda sua timidez de bom moço.

– Eu trabalho na padaria, na verdade.

– Já chega de papo furado. Levantem suas bundas daí, eu quero achar alguém ainda hoje – Cato se levanta do nada e me devolve minha mochila.

– Olha essas folhas. Vai ter água logo na frente – falo, de pé também.

– Tem certeza?

– Sim, eu tenho. – Eu odeio com o inferno que me façam essa pergunta.

– Alguém precisa de uma bengala? – todo mundo tenta rir de novo, mas não dá certo. Eu prefiro assim. Meu pulmão se acalma, eu não escuto a conversa ridícula do pessoal do 1. Depois de um tempo, eles voltam a falar porque são infernalmente tagarelas, um pouco menos.

Mas eu ainda prefiro o que vejo em seguida.

Ela corre rápido. Foi menos de um minuto. Eu a vi na fonte e agora, a brasinha está trepada na porra de uma árvore muito acima do que eu sou capaz.

Eu olho bem pra ela. Sem danos na sua carinha bonitinha. A perna fica num patamar diferente.

Olho para Ludwig. Ele poderia me mandar subir e talvez eu pudesse fazer isso se ele já não estivesse olhando pra mim. Ele diz que vai dar outro jeito.

Eu estou com tanta raiva.

– E aí, como é que vocês estão?

Isso subindo pelo meu corpo, isso é raiva. Eu estou queimando de novo. Eu preciso da cabeça dela. Agora.

– Estamos bem. E você? – Cato responde, seus dentes cerrados. Ela é tão intocável.

– Está um pouco quente pro meu gosto. O ar é bem melhor aqui em cima. Por que vocês não sobem? – ela sorri. Do mesmo jeito que sorria na entrevista, como se nós não fôssemos perigo.

– Acho que eu vou mesmo.

Isso é outra coisa. Cato é só de olhar o mais pesado de todos aqui. Não há nenhuma chance dessa árvore suportar. E ele sabe disso. Mas isso que eu tenho é uma fraqueza e se eu fosse o impedir em voz alta, isso se voltaria pra mim. Eu olho bem pra ele. E vou rezar pra não ficar paraplégico.

– Aqui, Cato. Pega – Glimmer coloca o arco na mão dele. Só que nenhum dos dois sabe usar.

– Não. Vou fazer melhor com a minha espada.

A árvore tremula logo que ele põe os pés. Evergreen volta a subir. Ludwig tem dificuldades.

– Vai, Cato. Quebra logo o pescoço dela – falo, colocando na minha cabeça que seria ridículo tentar começar a empurrar pra cima. Todos os outros começam a gritar. Mas eu estou concentrada em observar ele pôr a mão num galho meio quebrado. – Aí não, porra!

Ele cai antes que eu termine a frase. Cinco metros. Chego perto dele, olhando bem para sua costela. Se ele quebrou, nós estamos fodidos.

– Quebrou alguma coisa?

Ele se levanta logo e só começa a xingar. Então não.

Ninguém se atreve a me mandar ir. Mas quando Cato manda Glimmer tentar, ninguém diz uma palavra. Ela sobe um metro e desiste quando escuta a árvore cedendo. Ela tenta as flechas, mas passa longe. Evergreen a pega, balança para nós.

Eu seria a única. Mas eu não vou ser. Estão mostrando as rachaduras nas minhas paredes agora. Eu preciso matar essa menina antes que elas venham ao chão.

– Deixa ela lá em cima mesmo. De lá ela não sai. Amanhã a gente cuida dela – o Conquistador fala alto, todo cheio de confiança. Atrás dele está Marvel, olhando diretamente pra mim.

Ludwig está prestes a começar a arrancar tufos de cabelo. Eu não poderia falar nada. Preciso honrar o que devo a ele.

– Quaid, vai ajudar a Clove com a fogueira – ele diz, esbarrando no ombro de Marvel. Ele não para de me encarar.

– Vamos, varetinha. Tem lenha lá na frente.

Ele não fala nada. Eu penso que é respeito até ver seu sorriso.

– O que... Cato tem com você?

Levanto e me viro lentamente pra que ele tenha tempo de mudar de ideia. Ele não fala nada, ainda sorri. O encaro.

– Você vai gritar o nome dele, Clove? Quando estiverem te matando, será que você vai pensar nele?

– O que você quer dizer, Marvel? – largo as lenhas e olho bem nos olhos dele.

– Elas sempre gritam – Quaid continua rindo e começa a amontoar mais lenha. – O nome desses caras.

– Que caras, Marvel? – sibilo, querendo que ele me encare.

– Dos caras que elas amam – ele se vira pra mim, sorrindo do jeito que só eu e Ludwig podemos sorrir. Como se me analisasse. Marvel poderia estar me dando uma nota agora. – É. Você vai. Você vai se sacudir, pensar em todas as vezes que ficou com ele. Vai tentar socar seu assassino com os punhos, mas só vai gritar “Cato”.

A voz dele falando o nome do Ludwig. Sua expressão imunda de desprezo. Escárnio.

Corre como fogo até minha cabeça. Só depois vejo o que estou fazendo. Aperto a faca contra seu pescoço até sair o primeiro filete de sangue.

– Não se atreva a dizer isso nunca mais, Quaid. Nem sequer ouse sussurrar essas palavras no inferno, porque eu vou atrás de você. Você me ouviu? – eu sussurro. Mas ele não responde e eu estou com tanta raiva que berro. Meto meu joelho nos seus países baixos. Ele olha pra cima, sorri e morde os lábios como se fosse agradável. Eu queria arrancar esses olhos do inferno dele. – Você me ouviu, porra?! Responde ou eu vou arrancar com as mãos agora essa porra de sorriso!

– Que inferno está acontecendo aqui?

Eu bato sua cabeça na árvore até cansar meus braços. Alguém me puxa pra trás, arranca a faca da minha mão.

– Clove! Clove. Para.

– Me solta – Ludwig não solta meus pulsos. – Eu parei. Me larga.

Cato me larga num canto. Me encosto numa árvore do outro lado. Não vou olhar pras caras de Glimmer e de Marina, ofegando na clareira. Eu já tenho minha respiração pra controlar. Não me viro para o Conquistador porque sei que ia querer arrancar seu pescoço fora se visse sua reação.

– O que é que você fez com ela, seu filho da puta? Hã? O que você fez com ela, Quaid?!

Se eu não o fiz, Cato vai matar Marvel asfixiado em dez segundos. Eu sei na última hora; ele não pode morrer achando que me afeta.

– Nada.

– O quê? Então por é que você estava atacando ele, Clove?

– Porque ele disse uma coisa. Eu não gostei.

Ludwig larga Quaid, o batendo na árvore que já deve ter o molde da sua cabeça e então vem até mim.

– Por que aquele cara está rindo, então, Fuhrman?

– Ele é demente – ele está quase caindo em cima de mim. Quando eu vou sair, ele agarra meu braço até me girar.

– Clove. Se esse cara estiver te ameaçando – ele me puxa mais. – Você vai me dizer agora.

– Ele não está.

– Eu vou matar ele.

– Eu vou fazer esse serviço. E não vai ser agora.

Ele tem esses olhos de gelo. Eles quase poderiam me queimar se olhar demais. Cato tenta por muito tempo, mas eu sou uma rocha de qualidade. Ele mexe a mandíbula e volta. Quando me sento embaixo da brasinha, fixo meus olhos em Marvel. Seu olhar fraqueja. Ele sabe que não tem mais volta.

Eu tento acalmar meus nervos pelo resto do tempo. Só que eu não fui feita pra isso. Eu tenho uma valentinha em cima da minha cabeça, um acovardado do 1 e Ludwig e Glimmer brincando de botar fogo na ponta das armas.

Eu espero.

Encaro o fogo. Jogo facas para o alto. Espero Evergreen desistir.

Um lagarto passa e ele quase chega até ela. Mas ele não vai. Eu perfuro seu corpo com uma primeira faca. Ele é brilhoso, longo, pegajoso. Ele poderia ser o Marvel. A segunda vai antes que eu prepare minhas mãos. Observo seu último suspiro desistir da vida. Ele poderia ser o Marvel.

Comendo, eu espero. Ouço as conversinhas, o olhar vacilante do Quaid, Cato se curvando e levantando pra checar.

É uma longa espera.

Todos já puxaram seus sacos de dormir. Mas não Glimmer, não Ludwig.

– Você pega hoje, loira – eu o ouço dizer, puxando o seu. Ele estica a perna e me dá uma espécie de chute. – Você. Vai dormir. Vou querer você acordada cedo amanhã.

Ele ri, porque sabe que tudo é mentira. Sabe que nem Glimmer poderia acreditar de novo nessa história de que nós dois vamos acordar mais cedo que o resto. Cato é um tirano. E eu tenho tanta sorte de ser da mesma espécie.

Eu poderia assinar uma derrota, mas meu sangue é ruim demais pra isso. Mesmo dormindo, eu estou esperando.


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Notas finais do capítulo

Ah e eu preciso dizer por que eu voltei! Foi porque eu recebi uma outra recomendação e isso foi tão legal que eu senti que devia isso. Muito obrigada de novo Willian, esse capítulo foi dedicado a você, eu adorei cada palavra. E eu também preciso agradecer a um outro amorzinho chamado Bia Gilbert Salvatore, que foi tão doce em comentar no último também.
Ainda espero que vocês voltem e que tenham gostado. Até mais, amorinhos c: