Tentou em vão abrir os olhos, a claridade só piorava sua dor de cabeça. Tentou novamente e em seguida levantou tropeçando nas garrafas jogadas pelo chão da sala.

Dirigiu-selentamente à cozinha, onde encontrou em cima da bancada um comprimido e um copo d'água.

Suspirou, tomou o remédio e pegou o bilhete preso há mais de duas semanas na geladeira.

Pare de agir como uma criança mimada. Não vou voltar hoje, desculpa.

“Criança mimada” riu. Seria sempre assim. Ela acordaria em sua costumeira ressaca, um comprimido esperando para ser tomado, o bilhete que faria com que uma lágrima solitária escorresse pelo seu rosto e um dia mais monótono que outro. A monotonia a enlouquecia.

Iria andarpelo parque principal da cidade, ler um livro já lido diversas vezes, assistir os mesmos estúpidos programas de TV, e então ligaria pra ela, só para ouvir sua voz fria dizendo que estava ocupada. Ou estaria traficando ou trepando com outra. Ela então iria beber e chorar pelo resto da noite.

Elizabeth aparecia uma vez por semana, duas no máximo. E nessas raras visitas Lara estava bêbada demais para que pudesse se lembrar de alguma coisa.

Pegou o papel e o jogou no lixo. Ela sabia exatamente o que iria fazer.

O telefone tocou duas vezes e logo Ellie atendeu.

–É... Isso! - ouviu-se um gemido alto e uma risada – O que foi Lara?

–São onze da manhã.

–Eu sei, e estou... ocupada.

–Eu estou indo embora.

Um silêncio se instalou do outro lado da linha.

–Você não vai pra lugar nenhum. - a garota disse decidida. Ela se importava, do jeito errado.

–Eu não pertenço a você Elizabeth. Obrigada pelo seu tempo, pode terminar a porra da sua transa.

Arrumou sua mala, ficaria na casa de uma amiga por um tempo até ajeitar as coisas. Essa era uma coisa que já deveria ter feito há muito tempo, mas a esperança de que tudo voltaria a ser como antes era maior.

Elas se conheceram no jardim de uma livraria, Lara lia um romance ruim e Ellie perguntou se podia se sentar com ela para ler sobre flora e fumar. Nem meia hora havia se passado e elas já haviam largado os livros e a conversa para poderem se beijar. Meses depois e Ellie já estava morando com a ruiva. Tudo estava em harmônia e o amor que uma nutria pela outra era encantador, até que Elizabeth por impulso começou a traficar, pensando que só assim iria ajudar a namorada, porém isso só fez com que seu vicio aumentasse e que fosse se afastando cada vez mais de Lara. Comprou um apartamento e passou meses sem dar notícias, assim que sentiu falta da garota pediu para ela se mudar, e foi isso que a mesma fez. Agora era provável que o amor que uma sentia pela outra já não era mais tão equilibrado, Ellie começou a sair com outras e quase nunca aparecia, Lara se sentia cada vez mais sozinha e então tudo veio à tona. Ela não queria mais isso, tudo estava destruído.

A porta foi aberta sem a menor delicadeza, o que fez Lara se assustar, mas nada a assustou mais do que ver a garota que amava com uma arma apontada para ela.

–Que merda de brincadeira é essa?

–Não é uma brincadeira.

–Então você vai atirar em mim, é isso? - perguntou sentindo a voz tremer vendo Elizabeth se aproximar

–Você não vai embora, entendeu? Não vai. Você vai ficar comigo.

–Sabe a quanto tempo eu não te vejo? - gritava – Você enlouqueceu. O que porra fizeram com você? Com a garota que eu amava?

–Ela ainda está aqui, você não consegue ver? - disse levando a mão ao peito

–Você está louca Elizabeth, louca. Quanto você cheirou hoje? Consegue ao menos se lembrar de quando esteve sóbria pela última vez?

–Não diga merda Lara, cale sua boca. - andou até a garota – Não consegue passar alguns dias longe de mim e o mundo já está acabando.

–Saia da minha casa, eu não a conheço mais. - a empurrou com o pouco de força que a restava

–Sairei sim, mas não sem antes deixar claro que você é minha, e sempre será. - apontou a arma para garota novamente

Lara fechou os olhos com força. Lembrava dos momentos bons que passaram juntas, do tempo em que tudo ainda seguia bem.

– Eu tenho cabeça pra isso, amor. - acariciou o rosto da outra – Eu vou ganhar dinheiro suficiente pra nos manter por um tempo, e então arranjo algo decente. Não se preocupe.

–Eu te amo, Lara.

O disparo foi a última coisa que ambas ouviram.