Not Strong Enough escrita por I like Chopin


Capítulo 1
Rain


Notas iniciais do capítulo

Ouçam. http://www.youtube.com/watch?v=e5O90uzvUA4



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Era a quarta vez que chovia naquela semana. O sobrado estava em silêncio total.

Sherlock Holmes estava deitado de costas para o chão, usando apenas uma calça jeans. O olhar perdido, na verdade, fitava com grande interesse um grande livro cuidadosamente guardado na última estante.

‘‘Não’’ – disse a si mesmo – ‘‘Sou forte o bastante. ’’

Foi até a cozinha. Faria pudim de York Shire.

Lá em cima, Joan Watson caminhava de um lado para outro, terminando de arrumar suas malas.

Faltava pouca coisa. O quarto parecia menor, de alguma forma. Sentou-se na poltrona no canto. Estava exausta.

Quantas vezes acordara com Sherlock sentado ali, à sua frente? O que pensaria ele, vendo-a dormir de um lugar tão privilegiado?

Uma pontada de culpa feriu seu coração. Depois daquela noite de chuva, ele não a veria mais ali.

Ela teria paz.

Ou solidão, se a paz não viesse.

Levantou-se, suspirando. Pegou a toalha, o short, a camiseta dos Mets de Nova York e fechou a porta do banheiro.

Ao ouvir seus passos no andar de cima, Sherlock voltou a cabeça para o teto. Ouviu o barulho da água do chuveiro. Fechou os olhos mordeu os lábios, imaginando Watson, nua, sob a água.

Não, não era possível. Nunca seria.

Voltou todas as suas atenções novamente para o pudim. Ele e Mycroft costumavam fazê-lo nos domingos chuvosos, como esse que tinham agora. Quase sempre discutiam, e seu pai tinha que acabar por tirá-lo de cima do irmão, antes que ele cortasse sua garganta com uma faca.

Riu ao lembrar-se dessas briguinhas infantis. Nunca mataria Mycroft. Não conseguia nem ao menos bater nele direito.

O que ele fizera com Watson; levá-la para cama, depois partir e deixar sue coração em pedaços; fora proposital?

Uma maneira de machucá-lo através da dor dela?

Sherlock preferia acreditar que não. Pois, se fosse verdade, encontraria Mycroft e o mataria de verdade.

Ouviu o chuveiro sendo desligado.

Joan parecia realmente ter gostado de seu irmão. Talvez ainda gostasse.

Mycroft não chegava a ser mais irritante que ele próprio.

Ele era uma causa perdida.

Watson percebera isso no primeiro dia de convivência. Será que ainda pensava dessa forma?

Ela o salvara de si mesmo, mas ele se esquecera de ajudá-la. Por que fora tão egoísta?

Sua maneira de ser era esta: Sherlock era frio, não se importava com ninguém.

Como Watson poderia se apaixonar por ele? Como conseguira vê-lo como amigo?

Mas ele a amava. Deveria ter dito isto antes, muito antes.

A brincadeira que fizera com ela era parcialmente verdadeira. ‘‘Você acredita em amor à primeira vista?’’

Watson lembrava-se desse momento como se houvesse acontecido ontem.

O homem semi-nu a sua frente, perguntando se ela acreditava em amor à primeira vista, a deixara tremendamente desconcertada.

Logo ela, que sempre tivera perfeito controle sobre si mesma. Ainda mesmo na presença de homens bonitos e sem camisa.

Mas Sherlock não era como os outros. Ele tinha o poder de tirar sua respiração em segundos, de fazê-la rir com um sorriso e machucá-la com uma única palavra.

Mas fora com uma frase inteira que ele a castigara por sair do sobrado.

‘‘Vou voltar para Londres. ’’

Quatro palavras que roubaram-lhe o sono e os sorrisos. Londres era sempre uma cidade diferente, e a partir de agora, Nova York seria sempre uma cidade vazia.

Mas a escuridão ainda era pior que essa luz cinza.

A sua mudança era fruto de seu orgulho, quase totalmente. Mycroft a machucara e agora ela punia Sherlock por isso. Pelo menos, essa era sua desculpa.

Mas Sherlock nunca faria algo assim com ela. Confiava nele, ou pelo menos, queria confiar.

Joan sabia que ele via as mulheres apenas como exercícios para a mente e o corpo. E ela não seria mais um brinquedinho para a diversão dele.

Tinha receio de falar com ele e demonstrar os sentimentos que ela havia escondido tão habilmente.

Puxou com força uma caixa em cima do armário. Gritou quando uma pesada barra de metal caiu sobre seu braço, rasgando sua pele.

Ao ouvir o grito de Watson, Sherlock correu escada acima, gritando-a pelo nome. Não disse nada quando a viu caída no chão, com a mão esquerda pressionando um ferimento no braço direito.

Correu até o banheiro, voltando com gaze, água oxigenada e algodão. Sentou-se no chão ao lado dela, em silêncio.

Delicadamente, limpou o ferimento.

Aproveitou essa proximidade para observar cada detalhe dela. Os cabelos e a pele ainda úmidos do banho; o jeito com que ela mordia o lábio inferior, tentando não demonstrar dor; os olhos castanhos de boneca chinesa.

Joan sabia que algo deveria ser dito naquele momento.

–Você não precisa...

Mas Sherlock apenas balançou a cabeça negativamente.

Ela o observou: o rosto concentrado, o peito nu e tatuado, as mãos fortes e firmes.

Gemeu, de dor, quando ele começou a fazer o curativo.

–Como você se machucou? – perguntou, ainda sem encará-la.

–Uma daquelas barras de ferro com que você treinava luta caiu em cima de mim.

–Está doendo muito? – a voz dele demonstrava verdadeira preocupação.

–Foi só um corte superficial...

–Quer dizer que está doendo.

Ela não respondeu. Estava doendo.

Quando acabou o curativo, Sherlock permaneceu com a mão sobre o braço dela. Desceu-a até a sua mão, que segurou entre as suas por alguns segundos.

Levantou-se de súbito, dirigindo-se novamente para a cozinha. Virou-se novamente para Watson, ao ouvi-la chamar seu nome.

–Não quer me ajudar com as malas? Falta pouca coisa.

Ele não respondeu, apenas pegou uma caixa que estava no chão e começou a separar as roupas dela.

Watson também se pôs de pé, quando um raio iluminou todo o quarto, que contava apenas com a luz de dois abajures. Logo depois, ouviu-se o trovão.

Fechou os olhos com força.

–Você tem medo de raios. – ele não lhe fazia uma pergunta, apenas uma constatação.

–Desde que era uma menininha. – ela sorriu um sorriso forçado. - Idiota, não?

–Não acho que seja idiota. - ele respondeu, sem levantar a cabeça - Só não entendendo porque você teria medo de raios, mas não de criminosos, assassinos e sequestradores em geral.

Ela permaneceu em silêncio por um tempo.

–Minha avó morreu em uma noite de tempestade. Eu tinha seis anos. A partir daquela noite, comecei a pensar que toda vez que houvesse raios e trovões, algo ruim aconteceria. Mas tenho você para me proteger de criminosos.

Sherlock sorriu com o canto dos lábios. Gostara do elogio. Parou o que estava fazendo e sentou-se na poltrona no canto.

Esta seria a última vez em que veria Watson ali.

–O que há de errado? – a voz dela era doce.

Holmes nem percebeu que deixara com que uma lágrima caísse de seus olhos. Limpou-a com as costas da mão. Odiava demonstrar fraqueza na frente de outras pessoas.

Mas Joan não era como os outros.

Ela era uma de suas fraquezas.

–Por que você está partindo?

Porque sou orgulhosa. Porque tenho medo de me apaixonar por você.

–Sherlock...

–Eu sinto muito. – ele caminhou até ela – Eu não queria ser uma causa perdida. E não queria que Mycroft a tivesse machucado.

Ela virou as costas para ele. Não agüentaria olhá-lo nos olhos.

–Eu tenho medo, Sherlock. – ela sussurrou.

Ele a virou novamente. Secou suas lágrimas com o polegar; firme, mas delicado.

–Do que você tem medo? – perguntou baixinho, perto de seu ouvido.

Joan estremeceu ao ouvir a voz dele, ao sentir seus corpos tão próximos um do outro.

–Tenho medo de me apaixonar e então me machucar.

Ele abaixou a cabeça:

–Eu sei que Mycroft...

–Não estou falando de Mycroft.

Acrescentou, com um fio de voz, quando viu a expressão confusa de Sherlock.

–Tenho medo de amar você.

Gentilmente, ele subiu seu queixo fino, para que pudesse olhar naqueles olhos de boneca.

–Não tenha. – sussurrou.

Extinguiu o espaço entre os dois, colando seus lábios nos dela.

Watson deixou que ele a segurasse em seus braços, deixou que ele a beijasse.

Não havia nada além do ‘‘aqui e agora’’. Nada além daquele quarto, nada além do barulho da chuva, nada além de Sherlock Holmes.

Novo raio os iluminou. Como se acordasse de um transe, Watson percebeu o antes e o depois. Os motivos que a impediam de amá-lo antes e as conseqüências que esse ato irresponsável traria depois.

Empurrou Sherlock para longe dela.

Ele permaneceu atônito.

–Eu não posso fazer isto.

–Watson...

–Eu conheço você, Sherlock. Durante um ano e meio eu vi você levar mulheres para cama e dispensá-las na manhã seguinte. E eu não vou ser mais um brinquedinho seu.

–Eu nunca faria algo assim com você. – ela o tinha magoado terrivelmente com essas palavras.

–Por que comigo seria diferente?

Ele passou as mãos pelo cabelo, em um nervosismo quase exagerado, para depois responder com a voz alterada:

–Porque eu amo você.

Ela recuou. Nunca esperaria escutar algo assim. Muito menos dele.

Sherlock quase chegava a se gabar da própria frieza.

–Eu amo você, não percebe? Não sou forte o bastante para ficar longe. – ela recuou até a parede, enquanto ele caminhava até ela.

–Como posso acreditar em você?

Sherlock não respondeu. Aproximou o rosto do dela, a respirações juntas, os lábios quase colados.

Ela tinha medo, ele podia sentir. Mas Sherlock também tinha.

Medo de que ela se quebrasse, a qualquer instante. Era como se fosse uma boneca de porcelana, e ele tinha que ter cuidado para não machucá-la com o menor dos toques.

Ele a beijou novamente. Mas dessa vez, algo com mais paixão, com apenas parte do desespero de ter de esperar tanto tempo para ter Joan Watson para si.

Ela deixou que ele a beijasse. Nunca iria impedir tal coisa.

Os lábios entreabertos, as mãos dele que lhe acariciavam os braços e pernas nuas. Ela mantinha as suas na nuca dele, trazendo-o mais para perto, cada vez mais perto.

Ele desceu os lábios para o pescoço dela, enquanto as mãos subiam pelas coxas nuas.

Joan gemeu, de prazer, desta vez.

Sherlock interrompeu os beijos para olhá-la nos olhos. Sorriu.

Ela retribuiu o sorriso.

Beijou-lhe nos lábios docemente, antes de sussurrar:

–Eu amo você. Desde o momento em que você entrou por esta porta. E foi realmente amor à primeira vista.

–Você pode até ser uma causa perdida, mas eu também sou. E acho que é exatamente por isso que preciso de você comigo.

Ele a abraçou, ambos chorando em silêncio.

–O que faremos agora? – ela perguntou, apoiando a cabeça no ombro dele.

–O futuro não importa. Estamos juntos. Agora. E isso é tudo que eu poderia querer.

Joan Watson não se importou com os raios naquela noite. Por ao menos mais uma noite, Sherlock Holmes estava lá para protegê-la.


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