A Guerra das Sombras escrita por arthurkiraa


Capítulo 1
Capítulo 1




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Ela lembrava muito bem da noite anterior. O horror esvaía de seus olhos enquanto ela recordava a imagem das famílias, irmãos e amigos, que, engasgados pelo sangue que pulsava violentamente para fora de seus corpos, tentavam se abraçar ao serem massacrados sem piedade, gritando aos céus para que Deus viesse salvá-las daquele tormento. Os cadáveres putrefatos amontoados no chão e o sangue que se misturava às lágrimas de desespero derramadas pelos aldeões ao abraçar seus enteados mortos eram recordações terríveis, uma visão apavorante do próprio inferno.

Ela assistira tudo, mas nada pudera fazer. Lenore chorava silenciosamente, enquanto as gotas frias desciam pelo vidro da janela, não havia sentido em esconder suas lágrimas. Parecia que estava chovendo mais dentro dela do que lá fora. Os gritos desesperados das pessoas por misericórdia formavam um réquiem que fazia tremer sua sanidade mental, oscilando como um insuportável zig-zag em sua cabeça.

Lenore voltou-se para a mesa para tomar outra taça de vinho. Vinho não, pensou. Os papéis e documentos empoeirados encobriam a visão da mesa desarrumada. E novamente, as lembranças lhe afogaram a consciência. Sabia que era culpada pelo acontecido, sabia que era ela a quem eles queriam. Sacrificou aqueles que tão carinhosamente lhe acolheram sem pedir nada em troca, e deixou-os morrer sem agir, sem fazer absolutamente nada.

Os gritos. Ela não conseguia esquecer os gritos.

Seu pai estava certo. Se o tivesse escutado, nada disso teria acontecido, e as vidas dos aldeões teriam sido poupadas do passado obscuro que sempre a acompanhou.

“Eu não quero ser assim!”

“Você não tem escolha. Você é minha filha, é a última da família Caine. Não pode negar sua verdadeira natureza, Lenore!”

“Por que não?! Eu não sou como vocês! Eu não sou uma assassina!”

“Nós não somos assassinos! Você sabe muito bem o que somos e o que fazemos, não há explicação, apenas aceite e tente viver com isso! Eu não posso protegê-la para sempre. Aqueles que estão lá fora, eles sim são assassinos. Eles não terão piedade com você quando a encontrarem, e não demorarão a caçá-la.”

Agora ela entendia. A raiva e o ódio lhe fizeram ver tudo por um lado completamente equivocado. Mas finalmente compreendia a preocupação de seu pai, entendia o que ele tentara lhe dizer a muito tempo. Agora tinha uma visão mais clara das coisas.

As derradeiras memórias de novembro caíam como as gotas de chuva do lado de fora. Cada gota é um oceano. Ela gostava de admirar os corvos, que sempre repousavam nos galhos secos das árvores, e invejava a forma como eles fugiam tão facilmente dali, sem deixar rastro algum, apenas a sombra de suas asas negras que iam embora. “Será que poderiam levar minha solidão?”

Eles não demorarão a caçá-la. Afinal, o que eles querem de mim?, pensou, enquanto sua cabeça caía no mais profundo abismo, amontoando-se cada vez mais em dúvidas. Não sou nada. Não posso ser nada...

Levantou-se, deixando a taça de vinho cair no chão. Jurou a si mesma que, assim como essa última lágrima em seu olho, aquelas seriam as últimas gotas de sangue derramadas por sua causa. Sabia que não podia mais se esconder de seu passado, pois ele sempre voltaria para atormentá-la, aonde ela fosse. Ninguém podia protegê-la. A única saída era se rebelar.

A chuva havia cessado. Ela abriu as cortinas da janela, e a luz do luar entrou com tudo dentro de seu quarto. Era uma verdadeira devota da Lua, que lhe parecia esconder mais segredos do que ela própria. Subiu na janela, e o vento forte tocou seu rosto. Aquela era a sensação de liberdade que ela jamais conhecera. Sabia que um dia deixaria de se esconder das pessoas, e o mundo a receberia de braços abertos.

Sem pensar em mais nada, Lenore Caine abriu os braços e deu um passo à frente. Atirou-se em direção à terra firme, e foi tomada pelo vento, que lhe atingira como uma flecha.


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