Once Upon a Time: We are all mad here escrita por Kremer


Capítulo 6
6




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– Povo de Wonderland – a Rainha branca discursava em cima de um palco de vidro, conjurado por ela mesma. Estava tremendamente radiante: vestia um vestido quase tão branco e luminoso quanto a lua, seu cabelo castanho-dourado fora trançado e enfeitado com pequenas flores silvestres brancas e uma tiara reluzente jazia sobre sua cabeça. Porém, o mais chamativo em toda a sua figura era seu brilhante sorriso, que havia conquistado a todos. – devemos comemorar, com toda certeza, o fim da tirania da Rainha de Copas, que por todo esse tempo andou por aí, cortando cabeças e submetendo todo o reino a seus caprichos. Mas agora...

“Agora nós nos livramos de sua figura horrenda. Nos livramos de dias terríveis e sombrios. Por isso, convido a todos a jogar cricket, e todos são muito bem-vindos ao castelo. Eu, como Rainha, posso garantir a vocês a volta de todo o nosso encanto que está presente até mesmo no nome do nosso reino. Por favor, dirijam-se todos ao campo de cricket, para comemorarmos a chegada de novos tempos!”

Ao terminar seu discurso, a Rainha Branca foi aplaudida por todos os presentes, muito embora soubesse que parte deles era completamente insana. Acho que até os mais insanos concordam que o reino está novamente em boas mãos, pensou.

– Majestade – a Duquesa cumprimentou, com uma breve reverência. Havia abusado de suas joias naquele dia, se enfeitado com vários rubis, com um vestido vermelho-flamejante e tinha até mesmo mudado a cor de seus cabelos, antes negros, para vermelho-cereja. Seu vestido era tão chamativo quanto, e da mesma cor.

– Duquesa – cumprimentou a rainha, tentando parecer cordial.

A verdade é que nunca gostara da Duquesa. Ela sempre foi muito próxima à antiga Rainha de Copas, e agora, com todo aquele visual rubro, parecia ter deixado claro que não aprovara a substituição.

Mesmo assim, Branca manteve-a no reino, por bondade.

– Admirável discurso. Wonderland não poderia ter uma rainha melhor... Com tamanha coragem e força – bajulou Duquesa. Branca sentiu um tom de ironia em sua voz, e seu sorriso irônico denunciava ainda mais suas inteções.

– De fato, não poderia – concordou Branca, com seu sorriso resplandecente. Duquesa parecia prestes a ter um ataque raivoso. – Se me permite, preciso me retirar.

– Não joga cricket? – perguntou, subitamente interessada.

– Eu nunca entendi como funciona esse maldito jogo.

A Rainha, no entanto, se dirigiu a uma velha casa na floreta Tulgey. Lá, um chapeleiro trabalhava, incessantemente. Seu trabalho foi interrompido quando ouviu alguém bater à porta.

– Majestade – balbuciou, fazendo uma reverência atrapalhada. – Minhas sinceras desculpas por não ter ido ao seu discurso. Mas o trabalho nunca para.

– Jefferson, você está livre agora. Não precisa fazer mais esses chapéus.

– Alguém precisa fazer – disse Jefferson, com o olhar perdido – Alguém precisa fazer... Os chapéus. Os chapéus não ficam prontos sozinhos. Não, nunca ficam. – disse, e voltou correndo para sua mesa. Branca o seguiu, e precisou de alguns segundos para digerir o que viu: vários e vários chapéus empilhados, jogados, por todos os cantos. Milhares. Logo, Jefferson seria soterrado.

– Jefferson – Branca foi até ele, pôs as mãos em seu rosto e o fez olhar para ela – você precisa parar.

– Eu não posso! – Ele gritou, de repente. Branca não se assustou. Jefferson pegou a mão da Rainha e levou até seu peito. – Não está lá!

– O que? O que não está lá? – perguntou, confusa.

– Ela tirou tudo de mim. Tirou tudo. Não está lá. – ele parecia cada vez mais alucinado.

– O que ela tirou? – Branca tinha certeza de que ela a quem Jefferson se referia era a Rainha de Copas.

– Ela levou o meu coração. – Jefferson pôs-se a chorar, em desespero.

...

Alice observava a confusão instaurada no campo de cricket, com todas aquelas criaturas tentando acertar ouriços com flamingos. Havia uma época em que aquilo lhe parecera até um pouco normal e irritante. Hoje, a deixava deprimida.

– Vai tudo voltar ao normal – um homem com um lenço cobrindo a boca e o pescoço surgiu ao seu lado. Seus olhos eram felinos, de um azul intenso e suas pupilas eram estreitas. Usava uma cartola preta com uma fita da cor damasco, e encarava o campo.

– Normal é algo que não se encaixa a esse mundo – comentou Alice.

– Nossa realidade é apenas diferente da sua. Se um de nós fosse ao seu mundo, duvido muito que vá achá-lo normal – rebateu.

– Até que você faz sentido de vez em quando.

– Faço? Pois muito bem... – de repente, Alice se encontrava no topo de uma árvore. Ao olhar para baixo, sentiu uma enorme vertigem e pensou que fosse cair quando alguém segurou seu braço.

– Cuidado com o chão.

– Ah, por Deus...

– Eu vou embora.

– Você sempre diz isso.

– É um mantra. Eu preciso ir, para ficar. Não posso ficar em um lugar se tiver que ir. Não posso ir. Não posso ficar... Onde estou? – e de repente, ele desapareceu, para no instante seguinte surgir atrás de Alice. – Aqui.

– Gosto mais quando você faz algum sentido. Seus jogos são frustrantes e desorientadores. Por isso todo mundo aqui é maluco!

Ele a encarou por um momento, o que fez Alice se encolher.

– Eu não posso fazer sentido o tempo todo. Senão, deixo de ser eu.

– E como você sabe que esse é você? Pelo que sei, seu verdadeiro eu poderia ser o seu eu que faz sentido.

– Você não sabe de nada, Alice.

E desapareceu novamente. Alice suspirou. Após uns bons cinco minutos, ela já estava entediada lá em cima.

– Ches, me leve pra baixo.

E foi o que ele fez. A árvore sobre onde ela estava desapareceu, e ela começou a cair, e cair, e gritar... E de repente sentiu o impacto da queda, que havia sido suave, pois Cheshire a havia pego no ar. Seus olhos azuis novamente a fitavam, e Alice ficou furiosa.

– Você gosta de causar isso nas pessoas?

– Isso o que?

– Pânico total, vertigem, tontura...

Ches, de repente, pareceu se entristecer. Colocou-a no chão, devagar, e saiu caminhando.

– Não! Não, eu não quis dizer... Eu... Me referi aos seus truques... Ches! – Alice correu, e quando ia tocar o ombro de Ches, ele sumiu novamente.

– Você sempre cai – disse uma voz atrás de si. Alice se virou, bruscamente. Antes de poder dizer algo, Ches balançou no ar um relógio de bolso. – Parece que alguém perdeu a hora...

– Não! Devolva! Cheshire! – Alice gritou, e Cheshire começou a flutuar e a ficar transparente.

– Alice, Alice. – disse, sua voz ecoando – Você não aprendeu que nesse momento estou mais lá do que aqui?

E assim, Cheshire desapareceu, e Alice se deu conta de que estava novamente no campo de cricket.


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