A Cela escrita por John


Capítulo 18
XIII. O Jardim de Eostre




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Foi dormir cedo em consequência do cansaço adquirido no dia, então por volta das dez horas ele já se preparava para se deitar no sofá de três lugares - não exatamente se preparar levando em conta que ele somente se deitou naquele canto sem lençol e nem travesseiros, usando um dos braços como suporte - e ali pretendia permanecer até os primeiros fios de sol entrarem pela janela.

...Você não deveria dirigir nesse estado, vai acabar atropelando alguém ou batendo esse veículo - dizia uma mulher ao seu lado, muito semelhante a Amelia.
...Eu to bem, to bem... - balbuciava um homem que parecia ser ele, levando a entender que estava fora de si e dirigia sem atenção. Após isso, um clarão.

Eram duas da manhã quando Victor acordou novamente suando e fadigado; novamente teve o pesadelo, mas agora parecia ser mais detalhado. Estranhou haver um lençol cobrindo seu corpo. Ele não sabia, mas logo após ter se deitado no sofá e dormido, Amelia o cobriu com um lençol. Inicialmente havia pensado se não seria melhor tê-lo acordado para dormir no andar de cima, mas viu que não conseguiria acorda-lo, preferindo fazer somente isso.

Após o pesadelo se repetir novamente, Victor passou parte da noite vendo tevê em um volume quase nulo. Quando não se consegue dormir, é comum ficar andando pela casa ou fazer algum tipo de coisa, como um café, mas em vez disso, preferiu andar no jardim - que ainda não tinha visto - ao ficar entediado com os canais da madrugada. Ao abrir a porta, andou pela direita da casa observando a fachada, que ainda tinha alguns ornamentos do ano novo, e achou um estreito corredor entre uma cerca de madeira - que delimitava o perímetro de uma casa para outra, como todas na rua - e a parede da casa, revestida com uma tinta branca. Aquele lado da parede era alto, pois misturava o primeiro andar com o segundo do quarto e do porão, quanto ao caminho, era revestido de grama com uma linha de terra de terra por excesso de passos dados no local. Ao chegar do outro lado, se deparou com jardim.

Sem dúvida aquele era o Éden de uma das pessoas da casa; era um jardim médio, não passava de doze metros quadrados, mas havia uma árvore em um dos extremos, de modo que se Victor seguisse a linha do corredor que andou acabaria em baixo de sua folhagem,que cobria uma considerável parte do quintal. Era um pequeno carvalho que ficava na borda da cerca que delimitava o quadrado de doze metros, ficando no ponto do ângulo de noventa graus que formava. Dando atenção para o carvalho, quase não havia folhas em seus galhos, e mesmo parecendo inverno naquela cidade, o clima permanecia ameno, pelo menos para Victor. Quanto ao jardim, era consumido por diversos tipos de flores em praticamente todos os lados, alguns cobertos por estufas e outros ornamentados com pedrinhas e enfeites em sua base.

A grama daquele local parecia nunca ter sido tocada por pés humanos, a medida que havia um contraste gritante entre o jardim e o pequeno corredor. Vendo isso, Victor nem resolveu pisar no local com medo de que Amelia fosse mata-lo por quebrar qualquer grama que fosse, e voltou novamente pela estradinha dando novamente para a fachada da casa. Eram quatro e meia da manhã do dia cinco de fevereiro quando saiu do local, de modo que o céu ainda estava escuro, mas dava para perceber o tempo cinza, contrastando com o de domingo. Ao entrar na casa, viu que Amelia já estava na cozinha cozinhando algo casa.

–Bom dia - disse ela da cozinha vendo que ele entrava pelo corredor. Pelo odor, era só um café.

– Você acorda cedo demais - respondeu ele se acostumando aos poucos com a presença dela na sua vida, mas ainda assim preferindo manter certa distância.

– Eu gosto de regar o jardim nessa hora do dia antes de ir para o trabalho - respondeu Amelia, que olhava para ele quando entrava pela entrada da cozinha. Amelia trabalhava em uma floricultura do centro da cidade, e como não sabia dirigir e não gostava muito de carros, pegava uma carona com Victor - no caso o antecessor de Victor - para chegar até lá, enquanto ele ia para o trabalho no grande prédio que antes vira.

– Acabei de sair de lá - disse ele com certa cautela pegando uma xícara na mesa - realmente você deve gostar daquele local.

– Essa deve ser a primeira vez que você vai lá - respondeu ela de certa forma feliz que pelo menos ele tenha visto o local - Ainda vai ao trabalho hoje, ou ainda não se sente melhor? - continuou ela com certa expectativa na resposta que ele daria.

– ...O que você acha do meu trabalho? - perguntou Victor desviando o olhar e passeando pela cozinha. Parece uma pergunta fora de contexto, mas esse foi o pensamento rápido que ele teve para ter uma noção do que ele iria enfrentar quando fosse trabalhar, afinal, ele não sabia nem mesmo o nome, quanto mais a função.

– Bem...eu diria que...eu diria que é chato todos aqueles papeis e escritórios... - dizia ela com cautela, talvez com medo de magoá-lo, enquanto ia tomando em pequenos goles o café que havia feito.

– Papeis papeis... sim sim claro, papeis, e escritórios certo? - balbuciava ele com um pensamento um pouco longe olhando o salgueiro que ficava além da janela da sala.

– Tem certeza de que esta bem? Você não precisa ir hoje - dizia ela olhando com curiosidade o que ele olhava, chegando ao lado dele e olhando para a mesma direção do salgueiro. Agora ambos estavam olhando aquele lindo salgueiro.

Somente um momento depois que notou a presença dela ao seu lado, e logo respondeu com curiosidade - Afinal, o que você faz de tão interessante que precise da minha presença?

– Nada muito interessante, só queria a sua presença Fran - dizia ela desviando o olhar do salgueiro para o lado e dando um abraço carinhoso em Victor.

– Bem...realmente eu tenho muitas coisas para fazer entende? Não da para ficar perdendo tempo com coisas bobas. Muitos papeis e....muitas coisas em geral, enfim, eu sou uma pessoa ocupada - dizia ele que já tinha se afastado do abraço e ia para outro extremo da cozinha.

– Tudo bem então Sr Não posso tirar um dia de folga com a esposa pois sou muito ocupado - disse ela ironicamente, mas com um certo toque de irritação à Victor, que de certa forma sentiu a ironia e ficou um pouco transtornado, mas nunca admitiria isso - Ainda ta muito cedo para o trabalho - continuou ela - se ainda quiser dormir, não haverá problemas - ao falar isso, se dirigia ao corredor em direção a parte de fora da casa para passar pelo outro corredor em direção ao jardim, regar as plantas.

Victor a seguiu com os olhos pela janela da cozinha, e viu para onde se dirigia, e por um momento, pensou em segui-la, e foi o que fez. Novamente fez o percurso que havia feito e ficou estático no ponto onde terminava a estreita trilha de terra, olhando Amelia, que estava de costas descalça, regar uma das plantas com uma mangueira. Olhando o chão, viu que suas sandálias estavam em um canto onde acabava a trilha, justamente ao seu lado da parede branca, e agora tinha certeza de que se pisasse naquele local calçado, iria levar bronca. Imitando ela, retirou as sandálias, e pisou na grama fria que servia de tapete para todo o local.

– Se eu não botasse essas estufas em algumas flores, morreriam com o frio - disse ela vendo que Victor começava a pisar no local. De fato, deveria ter uma audição muito boa.

– Eu acho que não disse antes, mas realmente é um lindo jardim, você que fez tudo? - perguntou ele puxando assunto para evitar um silêncio mórbido que muitas vezes ocorre em situações que se inicia uma fala e o outro fecha sem continuação.

– Quando compramos a casa aqui era só um quintal lamacento; mamãe disse que nada ia crescer aqui e era melhor fazer uma piscina ou uma churrasqueira, mas eu não gostei dessa ideia, então resolvi fazer daqui o meu jardim - dizia ela passeando pelo jardim enquanto regava as plantas, parecendo Eostre para aqueles que a viam [4]. Usava uma saia púrpura que combinava com algumas tulipas roxas no local e com o jardim em um todo.

Quando Victor percebeu, já eram quase sete da manhã; estava atrasado. Passou o restante daquele tempo desde as quatro e quarenta da manhã conversando com Amelia sobre flores e regando plantas, coisa que ele nunca imaginaria fazer na vida, mas por mais que guardasse isso em si, ele gostou daquele momento. Mas quando viu que o sol já se elevava além do salgueiro e notou que tinha um emprego, se despediu rapidamente e correu para botar um terno e pegar o carro que havia na garagem em direção ao edifício. Algumas coisas - nas pessoas em geral - são feitas de modo que nem mesmo percebam, como se apressar para um emprego de que certa forma nunca teve, ou tentar continuamente pagar por algo que o outro fez somente por bondade, ou o mais obvio, o preconceito em si. De qualquer forma, nosso personagem primário se apressava em trocar de roupa, e tentar aprender na hora como se botava uma gravata.


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Notas finais do capítulo

[4] Eostre, nome que significa "Sol Nascente"; deusa da fertilidade e do renascimento na mitologia anglo-saxã, germânica e nórdica.



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