~~ Adam ~~

Se eu pudesse voltar qualquer tempo no passado, sem sombra de duvida, voltaria a duas semanas atrás, quando Ryan indiretamente me beijou. Quando eu supostamente dei um fora nele – quem havia me explicado o que fiz foi Tom, ex-namorado de Ryan que era da minha sala de História – E refazer aquele dia completamente.

Nós dois nos afastamos. Não porque eu queria, eu até achei que ele queria, mas acabou que aconteceu. Eu e Tom começamos a ficar muito amigos. Tentava sempre estar perto de mim e sempre conversávamos. Tinha acabado de brigar com o namorado, Raphiel, que era muito amigo de Ryan.

Ouvia sempre pelos corredores que os “rejeitados sempre andavam juntos” quando via Raphiel e Ryan andando juntos. Tom sempre falava mal dele, mas dava pra ver que queria voltar com ele. E eu também falava muito de Ryan, mas bem. Talvez mas do que devesse.

Às vezes Tom tentava esquecer Raphiel.

Ele começou a andar muito com Viktor e Yaj, e acabou por me puxar com ele.

Viktor era descendente japonês, tinha os olhos pequenos, verdes e pareciam inchados, cabelo liso e loiro escuro, o nariz redondo e às vezes parecia vermelho por ser tão branco. Já Yaj, era indiano, alto e moreno, tinha o cabelo completamente cacheado e olhos escuros, sem contar o nariz que parecia grande, e também, Tom, que é belgo, tem o cabelo com raiz lisa, porém cacheado escuro, e bem moreno, tinha feições bonitas.

–Se você fica tão ressentido, porque simplesmente não chega ao quarto e agarra-o? – Falou Yaj, enquanto levava um pedaço de sua salada de frutas para boca.

–Yaj! – Viktor falou alto.

–O que? – Yaj falou – Eu faria isso, e acho que Tom vai fazer uma hora ou outra. – Ele deu uma risada, agora cutucando Tom, que estava ouvindo música em seu celular.

–Não acho que daria certo – Desviei o olhar, e vi Ryan bem distante. Estava usando as roupas do time, tinha vários outros garotos a sua volta -incluindo Raphiel - ele sorriu e acenou pra mim, Yaj agora deu uns tapinhas no meu ombro, como se me mandasse sair correndo para abraça-lo.

Desviei o olhar. Depois o olhei, ele fez o mesmo, voltando a conversar com os outros meninos. Suspirei.

–Acho errado – Viktor falou – Claramente da pra ver que vocês se gostam. Claro, fizeram bobagem fingindo que se amavam esses últimos dois meses, mas cara, vai lá. Vai dar certo.

–Viu, até Viktor concorda. Eu estou certo.– Yaj riu, e raspou o fundo da tigela.

–Você acha que daria certo, Adam? – Tom falou, tirando os fones.

Não respondi. Antes mesmo que eu percebesse, um garoto chegou, nunca jamais havia visto ele na minha vida.

–Tom. Raph quer falar contigo.

–Há, que ótimo. Chame o John, e aproveita e manda os dois pro inferno.

–Tom, relaxa cara – Yaj protestou. – Vai lá, se quiser eu vou contigo.

–Eu não vou. – Ele olhou pro garoto – Fala pra ele tomar vergonha na cara, Lucas.

O garoto, o tal Lucas, olhou feio para Tom e saiu de perto cochichando. Aquilo era estúpido, e de certo modo até sentia pena de Raphiel, que tentava de tudo pra voltar com Tom. Mandava meninos entregar flores pra ele, poemas, e Tom fingia ignorar, mas até parecia gostar. Sem querer, levantei.

–Aonde você vai? – Tom rosnou.

–Eu... Uh... – Olhei para os lados – Vou à biblioteca. Tenho que devolver um livro – Peguei minha mochila do chão e sai andando, antes que um deles pudesse se oferecer a ir junto ou qualquer coisa.

Fui atrás daquele garoto, Lucas.

Depois de alguns segundos parei, e ele tinha parado na frente de Ryan, Raphiel e de outros três garoto, e começou a falar que não tinha dado nada certo e que Tom havia sido grosso com ele, tentei passar reto e fingir que não havia o seguido, mas Ryan foi atrás de mim. Ugh.

–Adam – Ele me chamou e segurou meu ombro.

Não respondi e apenas me virei para ele, esperando seja lá o que ele quisesse falar. Eu tinha muitas coisas pra falar pra ele. Poderia pedir desculpas, falar que eu estava enganado, beija-lo. Qualquer coisa. Mas não fiz.

–Olha, eu sei que você não quer se envolver comigo – Ele falou – Bem, não como eu te pedi, claro. – Ah sim, eu queria sim, mas não se fosse pra dar errado – Eu quero que você me ajude. Pelo bem de Raphiel e de Tom.

–Tom está bem – Falei.

–Ele pode fingir estar bem, mas Raph não está.

Ficamos em silêncio nos encarando. Os olhos azuis de Ryan me fitavam profundamente, parecia inchados – não tanto quantos os de Viktor – e ele parecia relaxado. Seu cabelo nunca, jamais esteve arrumado, mas agora parecia realmente bagunçado em todos os sentidos possíveis.

–O que você quer que eu faça?

–Me ajude – Ele sorriu – E ajude Raphiel. E Tom. – Ele deu uma grande ênfase no nome de meu novo amigo.

–Como?

Ele olhou para trás, e dava pra ver Lucas e os outros garotos o olhando feio, e Raphiel olhando pro outro lado. Ele suspirou e me puxou pra perto, sussurrando em minha orelha:

–Eu te conto hoje de noite, tá?

Ele saiu de perto e saiu andando, em direção as quadras. Coloquei uma mão em minha orelha, eu provavelmente estava corando. Droga.

~~

Passei o resto do dia ouvindo Viktor e Yaj reclamando com Tom sobre suas atitudes. Fiquei quieto apenas os observando. Depois de um tempo, Viktor e Tom tiveram de ir – Viktor tinha aula de artes, e Tom handebol. Fiquei com Yaj, que assim como eu, evitava fazer atividades físicas ou qualquer outra coisa.

Yaj me falou sobre sua vida, sobre seu namorado – não eram bem namorados, ficavam quando tinham vontade; tinha dias que nem se olhavam, e dias que ignoravam todos a sua volta – ele se chama Aleksey Kozlov, que coincidentemente, estava quase sempre em todas as minhas classes. Mas nunca falei com ele.

Ele também estava andando com Ryan recentemente. E também, estava com ele quando fui encontrei eles junto de Raphiel. Ele fazia basquete com Ryan também, eu o via nos jogos.

Também expliquei mais pra ele sobre Ryan, sobre o quanto gostava dele. E foi relaxante colocar tudo aquilo pra fora. Yaj tinha noção do que estava acontecendo, mas não sabia de todos os detalhes.

–Tom é cabeça dura, e por mais que ele fale que não, ele não vai dar muita atenção pra você e Ryan. E Viktor... Bem, ele tem uma namorada na verdade. Então, deixa que eu te ajudo. Aleksey é do time de basquete, então ele pode nos ajudar com o fato de Ryan ser cabeção que gosta de você – Estávamos na cantina agora, ele queria comprar outra salada de frutas – Mas tenho uma condição.

–Uma condição sendo que foi você que se ofereceu. – Fiz uma pausa – Diga.

–Você não pode reagir de forma negativa. Ryan pode sim estar fingindo que gosta de você só porque quer ter um namorado que não seja ciumento ou algo assim – Ele agradeceu a moça da cantina pela salada de frutas, pegou uma colher e saímos andando – Mas ele também pode estar falando verdade. Uma verdade tão séria quanto a sua.

~~ Ryan ~~

Eu só queria que Adam voltasse a falar comigo direito.

Depois que, nos “separamos”, a meu ponto de vista Tom tomou Adam de mim, e acabei por tentar correr a Raphiel, mas acabei percebendo que tinha me envolvido demais e agora não podia simplesmente deixar Raph sozinho.

Junto de Raphiel, tínhamos outros amigos; Aleksey, Phill, Lucas e Joshua. Todos eles eram caras legais. Apenas Raph e Phill sabiam o que tinha acontecido entre mim e Adam, Aleksey sabia de detalhes, por mais que quase sempre nos falássemos – sempre tinhas outro assunto mais importante.

Sempre que Phill me via sozinho, me chamava pra comer com ele (ele estava 97% do tempo comendo), e quase sempre esbarrava com Aleksey, que também parecia estar tendo problemas com o um dos novos-melhores-amigos de Adam, Yaj. Acabou que eles dois, junto de Raph, Lucas e Joshua, começaram a me levar para todos os cantos juntos com eles.

Joshua e Phill eram os únicos que se diziam héteros, Lucas dizia que não importava – qualquer coisa estava bom, Raphiel só tinha olhos para Tom, sua opção sexual até poderia ser Tom, e Aleksey, tinha casos com Yaj.

Aleksey gostava muito de Yaj, mas achava que ele ficava mais tempo do que precisava com Giulio e Viktor, mas gostava de quando tinham momentos próximos. Ele também me contou o que Yaj queria fazer, me juntar com Adam. Achei algo bom vindo dele, mas pedi pra ele não se envolver.

Eu também não podia me envolver nele e em Yaj – Tinha que cuidar de Raphiel e Tom, e logo depois, em mim e Adam.

Às vezes, eu ficava irritado. Via Yaj , Tom e Viktor sempre em cima de Adam. Conversando, fazendo brincadeiras, recebendo ajuda dele ou ajudando ele, e às vezes, até tiravam risadinhas dele. E se um deles quisesse algo com Adam?

Estávamos no refeitório, juntamos duas mesas pra ficar maior. Bem a minha frente, estava à mesa onde aqueles quatro se sentaram. Tom olhou feio pra nossa mesa, mas não tinham outro lugar pra sentar, então se sentou de costas, e Viktor ao seu lado. Yaj sentou com Adam de frente para mim. E percebi – Aleksey estava do meu lado.

Phill estava do meu outro lado, tinha comprado um pacote de biscoitos, e comia enquanto falava com Raphiel, que estava a sua frente, do seu lado Lucas e então Joshua. Ele me cutucou, e apontou com os olhos para Adam, que lia um livro junto de Yaj.

–Alex cara, manda o Yaj se controlar – Phill brincou, jogando um biscoito para Aleksey – Ryan vai acabar voando nele – Riu.

–Mande o Ryan controlar o boca-de-metal. – Alex brincou, mas aquilo não tinha graça.

Muito menos no tom de voz que eles usavam. Quase que berrando.

–Ou vocês podem sair daqui. – Tom falou alto. Lucas parou de falar com Joshua, e os dois olharam para Tom, ainda de costas para eles. Viktor cutucou-o com o cotovelo, como se mandasse-o calar a boca.

–Se está incomodado, sai você. – Joshua rosnou, seu sotaque africano não saia despercebido.

–Acho que quem está incomodado aqui não sou eu – Ele se virou, fitando olhar para mim e soltando uma pequena risada. – É Ryan e Aleksey que não podem se conformar não é?

Eu realmente estava tentando a me levantar e sair, mas percebi o olhar feio de Alex. Os olhos verdes fitavam Tom com uma raiva quase palpável. Phill parou de comer no mesmo momento, com a cara fechada. Mas antes mesmo que qualquer um dos dois, ou Lucas ou Joshua – Conhecidos no time de vôlei como “Muralha” – se levantassem e esmurrassem a cara de Tom, Raphiel se levantou.

–Eu estou incomodado, eu saio – Ele disse, e saiu andando com as mãos no bolso.

Lucas gritou e foi atrás dele, ele sempre tentava ajudar Raphiel, por mais que odiasse Tom. Joshua foi logo depois. E fiquei lá, permaneci olhando para frente, Tom suspirou e voltou a prestar atenção em seja lá o que estivesse fazendo. Viktor começou a dar-lhe um sermão, e Adam, fixou o olhar em mim.

Ele parecia desapontado, os lábios secos e os olhos cansados. Ele sempre chegava ao quarto tarde, parecia querer chegar o mais tarde possível para não me ver acordado. Yaj tentava chama-lo, mas ele permaneceu me olhando, mas acabou fechando o livro e saindo. Yaj e Viktor tentaram gritar por ele, mas ele nem olhou.

Eu queria muito sair correndo atrás dele e beija-lo. Mas sabia que eu não podia. Viktor correu atrás dele dizendo que iria comprar um suco e trazê-lo de volta. Eu tinha que ir atrás de Raphiel também.

Deixar Adam de lado por mais que isso me deixasse triste.

~~

Não achei Raphiel. Yaj foi falar com Alex. Phill saiu pra comprar outro pacote de biscoitos. Sentei-me na parede do bloco que ficava na frente da coordenação, esperando qualquer um deles aparecer e me levar pra qualquer outro canto.

Quando percebi, Adam estava saindo do bloco da coordenação segurando uma pasta, e quando me viu, veio andando meio sem graça na minha direção. Ótimo, ele pediu pra cancelar a viagem comigo.

Não sei como a situação ficou daquele jeito, não queria que acontecesse. Mas aconteceu.

–Ryan – Ele chamou e parou na minha frente, se agachando depois.

–Você cancelou? – Falei, esperando acabar com a conversa logo.

–O que? – Ele franziu as sobrancelhas.

–Cancelou o intercâmbio por estar irritado comigo? – Falei como se soubesse o que estava acontecendo, mas eu não sabia. E agora eu sou um idiota.

–Não – Ele se sentou a minha frente, isso significava que iríamos ter uma conversa mais longa do que eu esperava – E não, não estou irritado com você. O coordenador me chamou mais cedo com uma notícia um tanto desagradável.

–Você não esta irritado comigo? – Repeti.

Não era disso que ele queria falar. Dava pra ver pela expressão fechada que fez. Como se falasse “Pergunte da noticia desagradável”.

–O que ele disse? – Mudei a pergunta.

–Ele disse que tinha que fazer um rodízio de alunos pra lá. Então só vamos ficar seis meses lá.

–Ah. – Não me parecia coisa ruim, ficar três/quatro anos fora não me parecia a coisa mais tentadora do mundo mesmo.

–“Ah” – Ele repetiu.

–Então você não está irritado comigo? – Voltei ao assunto, agora sorrindo.

Ele de um leve sorriso e desviou o olhar, tirando uma folha da pasta e me pedindo pra assinar com uma caneta que também tirou da pasta.

–Não. Não estou. – Ele falou, enquanto me entregava outro papel com o plano de seis meses fora na Austrália.

–Jura? Então por que estamos tão distantes? – Fingi estar lendo o papel. Era o melhor jeito de conversar com Adam, fingir não estar interessado na conversa e sim nas coisas a nossa volta.

–Juro. – Ele fez uma pausa, e pegou um folheto com o nome da nossa escola lá – Acho que só não consegui me conformar com tudo isso. Então Tom apareceu, e quando vi já estava envolvido em toda a história. De Tom e Raphiel, Yaj e Aleksey, Viktor e a namorada fantasma – Ele parou por um momento, me passando o folheto agora – Só não queria me focar em você e eu.

–E por que não? – Peguei o folheto de sua mão e passei pra ele os outros papeis que estavam comigo – Não consegue se conformar que seu melhor amigo gay gosta de você?

Ele parecia tão distraído e desconcentrado, que até parecia totalmente fixo e por dentro da conversa. Mas eu sabia que ele estava apenas falando, não falando porque queria me contar tudo que se passava naquela cabeça.

–Não. Não consigo me conformar que você gosta de mim como eu gosto. – Ele de uma risadinha, organizando as folhas – Parece até mentira.

–Mas não é.

Ele parou de falar e de ficar interessado, sua expressão ficou mais chateada, ele não tinha nada pra mexer enquanto falava comigo e isso pareceu deixa-lo irritado e sem o que fazer ou falar. Devolvi o panfleto pra ele, mas ele apenas o guardou voltou a me olhar.

–Não sei como acreditar nisso. – Ele murmurou – Parece bom demais pra ser verdade. Tão bom que não quero acreditar que Ryan Hecht-Perrin tem uma queda por mim – Ele sorriu. Sorriu de verdade. Com os dentes protegidos pelo metal do aparelho, ainda tinham alguns meio tortos, mas bem cuidados.

–Você podia acreditar em mim – Já faz muito tempo desde nossa última conversa em que ele me olhasse nos olhos, sem ter nada em mãos ou sem estarmos fazendo algum teste ou estudando – Tenho quase toda certeza que consigo fazer Adam George Natucci acreditar em mim.

George é o sobrenome da mãe dele, mas só usam Natucci em tudo. Então acaba que sou a única pessoa que sabe da existência desse nome.

–Não sei. – Ele tentava desviar o olhar, mas não conseguia.

–Podemos fazer outro acordo.

–Outro acordo – Ele repetiu, um tanto receoso.

–Esse vai dar certo.

Ele não respondeu, apenas arqueou as sobrancelhas e deu uma risadinha abafada.

–Até Aleksey ou Yaj assumirem o maldito relacionamento deles e Tom e Raphiel voltarem, porque eles vão sim voltar, eu posso tentar te fazer acreditar totalmente em meus sentimentos. Se eu consegui ou não, você decide. Até lá estamos “namorando”. Que tal?

–Pode ser. – Ele deu um pequeno sorriso – Isso deve dar... Um mês?

–Posso muito bem te conquistar de novo em um mês – Sorri.

–Ei, Ryaaaaaaan! – Phill gritou – Vem rápido! Raphiel disse que tem uma ideia pro babaca do Tom!

Me levantei e ajudei Adam a se levantar, ele ainda segurava aquela pasta estúpida cheia de coisas da Austrália.

–Ryan. Não desista do Raphiel e do Tom por minha causa. Foque neles. – Ele pediu – No Yaj e no Alesksey também.

–Mas ai eu não vou estar me ajudando. – Protestei.

–Quero que você me prove que é capaz de se focar nos outros enquanto gosta de mim – Ele fez uma pequena pausa – Não quero que você elimine todos os outros a sua volta por minha causa, afinal, agora você tem amigos de novo. E eu também.

Eu iria protestar mais, muito mais. Mas ele sorriu. Como eu amava estar sozinho com Adam quando ele estava de bom humor.

Eu sabia o que ele estava querendo dizer com aquele sorriso. Queria que eu começasse meu próprio plano pra conquistar ele. Inclinei-me e selei nossos lábios. Estávamos brincando de namorados de novo. Mas agora tinha sentimentos mesmo, por mais que não soubéssemos bem se era realmente verdade. Mas eu espero que sim, espero que terminemos juntos. Juntos mesmo.