Miku finalmente havia voltado para casa e, devido a algumas ocorrências na faculdade, Mikuo havia ganhado mais uma semana para permanecer em casa enquanto seus pais ficariam na cidade por mais três dias.

A primeira coisa que a garota fez ao chegar no lar que dividia com Haku foi mandar um email para a mesma, descrevendo o melhor que podia de como foram os dias que passara na praia com sua família, resolvendo contar um pouco dos momentos que passara com um certo loiro e de como, antes de dormir, passava até altas horas da madrugada tentando acrescentar algo na letra da música que estava em processo de criação. Foi com orgulho que terminou dizendo que a letra estava quase pronta e já iria partir para a melodia assim que acabasse e, claro, que esperava que Haku pudesse voltar a tempo de ouvir sua apresentação.

Ao terminar de digitar enviou no mesmo instante, levantando-se da cama e pondo-se a frente de seu armário aberto, procurando um conjunto de roupas simples que pudesse usar enquanto saía.

Seu irmão bateu na porta.

— Miku! Vamos logo, você disse que estaria pronta daqui a quinze minutos e já se passou vinte. — o rapaz avisou em um tom impaciente.

— Já vai! — protestara, tentando se enfiar em um shorts preto e, logo após, vestindo uma camiseta branca pura com detalhes em negro e um laço vermelho enfeitando a região da gola levemente decotada. Do fundo do armário conseguira alcançar um par de sapatilhas escuras de aparência confortável.

Já pronta, saiu apressadamente do quarto, dando de cara com seu irmão mais velho, usando, provavelmente, a roupa mais folgada que encontrara em suas malas.

— Vamos logo, quero tomar sorvete. — reclamou, indo em direção a porta com uma Miku risonha logo atrás de si.

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A caminhada fora tranquila, revezando-se entre o silêncio confortável e alguma conversa aleatória que os dois começavam. Desde criança eles tinham o costume de falar besteiras engraçadas para cortar o silêncio e ambos gostavam muito de tudo isso. Ninguém gostava de um clima tenso e conversas sérias quando o dia estava tão brilhantemente ensolarado quanto aquele.

Um punhado de crianças corria de um lado para o outro quando os irmãos chegaram em um dos parques da cidade para enfim tomarem o sorvete que o mais velho tanto requerera.

Foi quando se encontravam sentados em um dos múltiplos bancos da praça que Mikuo enfim tocou em um assunto que sua irmã tentara evitar ao máximo.

— Então as suas aulas começam amanhã, hm? — disse com um ar risonho. — Parece que foi ontem que eu saí da escola.

— De certa forma não faz muito tempo, Mikuo. — a outra sorriu com a face do maior.

— Só espero que você não faça nada de indecente por lá com o Kagamine. Vou pedir pras suas amigas me informarem de qualquer coisa. — terminou soltando uma gargalhada ao ver o rosto ruborizado da irmã.

— E-eu não faço co-coisas desse tipo! — disse, ainda desequilibrada.

— Eh? Não foi o que pareceu no último dia que a gente passou lá na praia. Ou você acha que eu não vi você nos braços do...

— Mikuo! — falou aumentando o tom de voz e agitando os braços comicamente, mas ele não parou.

— [...] Len. Depois vocês se beijaram e daí....

— Tá bom, tá bom, já chega! — choramingou, arrancando altas risadas do seu irmão e uma boa porção de olhares alheios curiosos que a deixaram mais vermelha do que antes.

— Eu queria saber o que aconteceria se o papai soubesse dessa. — disse com um sorriso sugestivo, quase rindo ao ver a palidez surgindo no rosto da irmã.

— Vo-você n-não se atr-treveria. —gaguejou, apontando o dedo indicador direito para Mikuo.

Este soltou mais uma risada, depositando uma das mãos no topo da cabeça da irmã e lhe despenteando os cabelos, arrancando um olhar de indignação e uma bochecha inflada de irritação.

— Claro que não, tenho quase certeza que, se eu o fizesse, papai iria correr em direção do Len com uma faca apontada pra sua jugular. E eu não quero que meu pai seja preso, acho que a mamãe ficaria triste. — brincou, deixando-se perder na risada da irmã.

— Você é um idiota.

— Cruel maninha. — disse retirando sua mão do topo da cabeça de Miku.

— Pelo visto as férias foram boas. — ouviram uma voz feminina soar, fazendo-os dirigirem seus olhares ao mesmo tempo à nova pessoa.

— Luka-san! — Miku chiou surpresa. — O que está fazendo aqui?

— O mesmo que vocês. — riu-se. — Onde vocês encontraram esses sorvetes? —perguntou, unindo suas mãos atrás de si.

— Perto do chafariz, quer que eu te leve lá? — Mikuo perguntou animado. — Eu já acabei o meu e eu realmente amo sorvete, acho que vou aproveitar a deixa pra pegar mais um. Os de Tokyo não são tão bons.

— Se você não se importar. — a rosada sorriu com modéstia.

— Ei maninha, você vem?

Miku olhou de seu irmão para a garota de longas madeixas rosadas, deixando um quase imperceptível sorriso insinuante cruzar seus lábios.

— Não, eu já estou satisfeita, vou esperar vocês aqui. — os outros assentiram em resposta e Mikuo tomou a frente, chamando Luka para segui-lo.

Caminharam lado a lado em ritmo lento, afinal não tinha porque ter pressa. Aos olhos de Luka, Mikuo era uma pessoa animada de mais e, desde que o conhecera, dias atrás na casa de Miku, nunca tinha o visto sem seu costumeiro sorriso. Ela estranhou isso. A irmã mais nova sempre andara com semblante apagado pelo colégio, raras foram as vezes que a viu sorrindo para os outros, enquanto seu irmão era o contrário.

— Nee, Luka, tem alguma coisa na minha cara? — perguntou o possuidor dos cabelos turquesa, desfazendo o sorriso para uma expressão curiosa.

— N-não. — negou, desviando seu olhar para frente. — Só estava pensando nas semelhanças entre você e a sua irmã.

— Eh? Sério? Bom, muitas pessoas dizem que somos realmente muito parecidos, por causa da cor do nosso cabelo e dos nossos olh...

— Não é isso. —ela interrompeu. — Você está sempre sorrindo, enquanto a Miku, bem, eu a vi sorrir muitas poucas vezes desde que a conheci.

Ela observou o maior passando suas mãos através dos incontáveis fios de cabelo esverdeados com certo nervosismo em sua face.

— Bem, quando eu estou com a Miku ela nunca para de sorrir, acho que isso deve ser só na escola. — disse um pouco desconfortável, logo assumindo uma aura um tanto quanto depressiva. — Ela nunca me conta o que acontece lá e eu não gosto de encher o saco dela com essas coisas. Eu me sinto mal, às vezes, porque nunca consigo vir muito pra cá, sempre fico ocupado com os negócios da faculdade. Acho que sou um péssimo irmão mais velho. — riu forçadamente, deixando seu olhar cair para as poucas rachaduras da calçada.

— Eu não acho isso. — a voz de Luka disse quase em um sussurro.

— Perdão?

— Bem, você tenta fazer o seu melhor, não é? Mesmo estando longe dela durante todo esse tempo, quando você a vê tenta fazê-la rir o máximo que conseguir. Pelo menos foi isso que eu vi hoje. — a voz da garota atingiu o rapaz que a fitou ligeiramente surpreso. — Você, na verdade, é um irmão maravilhoso. —sorriu, sem perceber o leve tom de vermelho que surgiu no rosto do maior.

— Fico feliz que a Miku tenha uma amiga como você. Até hoje só a vi com a IA. — disse. — E, cá entre nós, se algo de interessante acontecer entre a Miku e o loirinho, vulgo Len, me conte tudo, okay?

— Um irmão coruja? — Luka perguntou travessa, provocando mais uma risada de Mikuo.

— Nah! Eu só vou poder usar isso a meu favor. Não vou deixa-la em paz, dependendo do que chegar aos meus ouvidos. — ele riu. — Fazer ela ficar envergonhada é uma das coisas que eu faço de melhor.

— De onde eu venho isso se chama chantagem...

— Pense o que quiser. — riu. —Chegamos.

=/=

Miku permanecia sentada naquele banco, observando as crianças passarem correndo em direção ao parquinho mais próximo, enquanto seus pais vinham logo de atrás conversando entre si. Aquela cena era muito adorável de se ver, algum dia a garota se imaginou cuidando de crianças, nunca teve nada contra elas, desde que fossem bem educadas, é claro.

Foi então que Miku viu algo que a fez congelar até a alma.

Longos cabelos cinza esbranquiçados, esvoaçando com o vento, ressaltando os olhos de um vermelho sangue assustadoramente foscos.

Sukone Tei estava andando pelo parque, vindo em direção à Miku com passos lentos e leves, com um sorriso estranhamente curvado em seu rosto. Quem visse, pensaria que eram duas amigas que marcaram de se encontrar na última tarde de férias, mas, oh, como estavam errados.

A albina parou diante de Miku, porém sentou-se ao seu lado, dando uma distância de, pelo menos, uma pessoa entre as duas. Sukone apoiou seu cotovelo no braço do banco, apoiando seu queixo com sua mão enquanto seus olhos vagavam pelo local. Miku ainda não havia se movido, permanecera sentada ereta, com as mãos unidas em seu colo. Podia senti-las suando frio.

— Que dia bonito nós temos aqui. — a voz da outra pareceu crepitar em seus ouvidos. — Não é?

A garota de caldas gêmeas engoliu em seco, não sabendo ao certo se deveria respondê-la ou deixar passar em branco. Preferiu a última opção e permaneceu quieta em seu lugar. Pelo menos daquela vez estava em um lugar rodeado de pessoas que poderiam impedir de que Tei tentasse assassiná-la com as mãos nuas.

— Não é bonito deixar uma pessoa falando sozinha, Miku-chan. — disse com um ar manhoso, mas logo retornou a expressão sombria, deixando seus lábios deslizarem em um sorriso misterioso. — Eu vim aqui falar sobre o Len.

Miku se assustou.

— O que você quer falar sobre ele? — sua voz não saíra temerosa, mas sim um pouco impaciente.

— Ah, agora você se animou. — a outra riu, voltando a apoiar seu queixo na mão. — Eu não vou mudar minha petição. Quero que você pare de andar com ele. Você já está indo bem o suficiente em química e as aulas não são mais precisas e, se precisar de alguém que te ajude mesmo assim, consigo outro professor pra você, mas não o Len.

— E porque você acha que eu faria isso?

— Hatsune Miku. Filha legítima de Hatsune Leon e Hatsune Lola, donos de uma importante empresa internacional de transportes. Deixaram sua filha de menor para ser criada com uma assistente social que acabou de sair em viagem de trabalho por alguns meses fora do país, deixando a garota sozinha. Hatsune Miku foi medicada com sérios problemas de depressão por um psicólogo profissional, chegando até a tomar medicamentos fortes para combater a doença. — a esse ponto, Miku já estava com olhos arregalados. — O que você acha que a mídia faria se tivesse uma informação dessas? Acho que eles atacariam seus pais com unhas e dentes, levando a empresa deles a falência. E a assistente social provavelmente seria demitida, porque, bem, é realmente muito antiético para uma pessoa com uma profissão como a dela deixar um menor de idade com problemas psicológicos totalmente sozinha.

Miku sentiu a temperatura esfriar rapidamente, assim como seu coração falhar uma batida enquanto a outra soltava todas aquelas informações de uma vez.

— E-ela não me abandonou. Só vai ficar fora durante algum tempo, mas vai voltar.

— Independente do caso, ainda sim é contra a lei deixar uma pessoa de menor diagnosticada com depressão sozinha.

— E-eu não tenho mais isso.

— Eu vi sua ficha, você deixou de frequentar o psicólogo, portanto seu diagnóstico nunca foi mudado e ainda é considerada uma depressiva. E aqui no Japão é normal que o problema de depressão leve muitos ao caso de suicídio, sendo esse um dos principais problemas que o país enfrenta, por isso que a situação só piora pra você e sua família.

— Co-como você sabe dessas coisas?

— Eu faço meu dever de casa.

Miku começou a tremer.

— O que eu tenho que fazer?

— Você sabe o que. — sorriu. — Eu não quero que você chegue perto do Len, e se ele chegar perto de você, diga que acabou, que não tem mais nada entre vocês e deixe ele livre. Não quero mais você interferindo na vida dele. Fui clara?

A albina olhou dura para Miku, que permanecia tremendo. Tudo o que a menor fez foi assentir com relutância.

— Muito bem. — o rosto de Tei se contraiu em um sorriso doce. — Bom início de aulas, Miku-chan.