Tris
2 anos depois
Pulamos do trem perto do Edifício Hancock ao estilo da Audácia. Muitas coisas mudaram nesses últimos dois anos, mas certas coisas hoje são consideradas patrimônio da cidade. O Hancock, assim como os trilhos do velho trem, foi reformado, para que as pessoas possam morar lá agora. O edifício está limpo e cheio de vida agora, as palavras gráficas nas paredes do prédio são a lembrança perpétua de que este prédio já pertenceu à Audácia.
Christina, Mathew, Zeke e Shauna nos esperam na porta recém-reformada do Hancock.
Decidimos que seria uma boa homenagem ao antigo Dia da Escolha se usássemos a tirolesa mais uma vez. Deu certo trabalho convencer Johanna, nossa nova líder, de liberar a rua para que pudéssemos usar aquele velha tirolesa de novo. Afinal, depois de dois anos, é claro que hoje as pessoas podem usar a rua que descíamos a tirolesa livremente. Aquele não é mais o território exclusivo da Audácia. Foi difícil convencer Tobias a vir junto, mas está na hora de ele enfrentar seus medos.
Dessa forma, a rua foi esvaziada essa tarde e somente essa tarde para nós.
–Está nervoso?-pergunto ao chamar o elevador do prédio. Todos já estavam nos esperando lá em cima.-Posso ficar aqui com você, se achar melhor.
–Não.-respondeu balançando a cabeça, mas sinto-o apertar a minha mão com mais força.
Não insisto, sei que não resultaria em nada. Entro no elevador que acaba de chegar e ele me segue quase tremendo de medo. As portas se fecham e ele se encolhe no canto, fechando os olhos. Claustrofobia. Parece ainda mais forte depois de 2 anos enfrentando-a todos os dias. Me aproximo dele e abraço-o, tentando passar um pouco de conforto para o garoto teimoso que se sente motivado a enfrentar seus medos.
Eu o senti suspirar quando as portas do elevador se abriram, soltando-o em seguida. A escada no 99º andar é pouco estável, fazendo-me escorregar varias vezes quando a subo, mas Tobias segura a escada mantendo-a no lugar e me ajudando a subir. Quando já estou no telhado, ele toma coragem o suficiente para subir também. Lá em cima, todos já nos esperam prontos para descer na tirolesa.
–Muito bem, quem quer ser o primeiro a descer?-diz Zeke firmando o arnês na corda da tirolesa.
–Eu vou.-decide Christina aproximando-se da beira do prédio e batendo com a ponta de seus dedos no seu queixo com uma expressão pensativa.-Como acha que devo descer? De cabeça ou de barriga?
–Sugiro que você vá de cabeça.-responde Mathew.-Porque eu vou descer tentando me manter sentado e não quero que façam o mesmo.
–Está com medo...-diz Christina.
–Quem não estaria?-pondera Matthew.-Estamos no 100º andar do edifício Hancook!
–Só para deixar claro...-começa a dizer Christina enquanto sobe na mureta e prende o arnês à cintura.-Se você for com a barriga para cima, vai ter mais chances de que a sensação seja pior para você.
Reprimo uma risada ao reparar na expressão do Mathew, ao contrario de todos que começam a gargalhar. Christina sorri maliciosamente quando Zeke a prende nos cabos, a soltando em seguida e deixando-a descer e gritar de alegria enquanto voa como um pássaro.
Sorrio com a alegria e espontaneidade que meus amigos tem agora, dois anos depois do fim da guerra. Perdemos pessoas que nunca poderemos esquecer, a dor pelo que perdemos permanecerá, mas aprendemos que podemos ser consertados. Pouco a pouco, meus amigos vão descendo pela tirolesa, com Zeke os ajudando. Logo só falta eu e Tobias lá em cima.
–Ainda há tempo para você desistir, se quiser.-digo percebendo seu nervosismo.
–Não, eu vou descer.-responde quase tremendo.-Mas eu acho que vou por último.
–Tem certeza?-pergunto.-Posso ficar aqui com você.
–Não.-teima.-Sei o quanto você gosta da tirolesa, não quero tirar isso de você. Vá.
–Tudo bem.-digo pondo-me na ponta dos pés e beijando-o na bochecha.-Eu te amo.
–Eu também. Vá.
Zeke sorri quando me aproximo, prendendo o arnês em mim e depois aos cabos.
–De cabeça. Certo?-pergunta.
–Claro.
Logo depois eu já consigo sentir o ventos bater em meus rosto conforme desço de braços abertos, me sentindo livre como só aqui eu posso ser. Rio com a sensação da descida e não demora muito até que eu tenha que puxar o freio dos cabos, soltando o arnês e caindo na rede de braços dos meus amigos, na coletividade típica da Audácia. Depois que estou no chão, Chris aponta em direção ao prédio enorme a nossa frente vendo imediatamente o que ela queria me mostrar. Tobias era um pontinho preto no céu, mas podia se ouvir claramente de onde estava seus gritos de pavor por causa da altura. Quando nos juntamos para formar a rede que Tobias pularia, não conseguia mais segurar o meu sorriso. Ele estava apavorado, é claro, mas ele estava começando a superar seu medo, afinal.
Depois que ele desceu, puxei-o para um lugar um pouco mais afastado de nosso grupo que riam e conversavam juntos.
–Foi muito ruim?-digo quando percebo o quanto ele ainda respira com dificuldade por causa da tirolesa.
–Não, até que não foi tão mal assim.-diz tentando sorrir.-Agora entendo porque você gosta da tirolesa.
–Então, quer ir de novo?
Absolutamente, não.-responde sem hesitar.
–Vocês vem ou não?-pergunta Shauna tentando caminhar com suas novas muletas projetadas especialmente para ela. Era bom vê-la andar depois de tanto tempo.
–Estamos indo.-diz Tobias estendendo-me a mão.-Vamos, nossos amigos estão nos esperando.
Pego sua mão, sorrindo não só por seu gesto, mas por perceber que com certeza sim agora terei uma vida maravilhosa e calma ao lado de Tobias e dos meus amigos. É uma boa vida.