Sangue do meu Sangue escrita por Nana


Capítulo 1
One-Shot




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Alguns dias se passaram desde o casamento de Claire e Jamie e ela já estava se acostumando a ser a Sra. Fraser e não mais a Sra. Randall. Olhava para o jovem com ternura, enquanto ele fazia o trabalho no estábulo. Estava de longe, pensando se deveria ou não proceder com a decisão que havia tomado. Chegara até ali, mas por alguma razão parecia deveras difícil dar mais um passo a frente.

Para Claire, os últimos dias tinham sido extremamente confusos. Sentia-se feliz por, finalmente, ter uma desculpa para estar com Jamie e entregar-se aos seus beijos e carícias. A culpa de nutrir sentimentos por ele a corroía por dentro, até que Dougal forçou o casamento, então ela não tinha outra escolha a não ser abrir seu coração. Ao menos era disso que ela se convencia, era a forma que ela encontrava de suprimir o remorso por trair Frank e se tornar uma mulher bígama.

Contudo, tinha tomado sua decisão. Para abrir seu coração deveria fazer isso da forma mais sincera que podia, ou seja, contando tudo a Jamie. Essa não era uma escolha fácil, por onde poderia começar? E se ele não acreditasse e a acusasse de heresia ou qualquer coisa do tipo, enviando-a direto à morte? Ou pior, se ele acreditasse e não a quisesse mais? Sua cabeça estava repleta de todas as dúvidas que poderia ter, mas estava ali, há poucos metros dele e deveria continuar com isso. Nunca foi o tipo de mulher que desistia no último momento ou se assustava com as consequências. Jamie era seu marido e deveria saber a verdade, ainda que isso a custasse tudo, ele merecia sua franqueza e Claire sabia.

Respirou fundo e foi até ele. O escocês estava escovando um dos cavalos, a mulher se aproximou e acariciou o focinho do animal, quando o homem se virou surpreso pela companhia. Seu sorriso iluminou o dia e ela não pôde conter um sorriso de volta, abaixando a cabeça timidamente.

─ O que está fazendo aqui, Claire? ─ ele perguntou com doçura em sua voz, a mesma que mantinha sempre que se dirigia à sua amada, desde a primeira vez que se viram.

─ Eu queria conversar com você, está muito ocupado? ─ a voz estava trêmula, entregando todo seu nervosismo. Claire engoliu seco, tentando disfarçar, mas voltou a olhar pro chão.

Jamie segurou sua mão e a levou para dentro do estábulo, onde pegou uma das mantas que estavam ali no canto, que eram usadas embaixo das celas dos cavalos para não machucar suas costas, abriu-a e estendeu no chão, fazendo um sinal para que a moça se sentasse. Quando ela se sentou, procurou alguma coisa que pudesse acalmar seus nervos e recolheu um punhadinho de feno do chão. Começou a esfarelá-lo e seu marido percebeu que algo não estava certo, então segurou sua mão.

Sassenach, o que foi? ─ ainda que essa fosse uma forma grosseira de chama-la, Claire sabia que ele pronunciava a palavra com carinho, então não se incomodava.

Ela apertou firme as mãos ásperas do marido, calejadas pelo trabalho braçal e finalmente reuniu forças para encará-lo. Seus olhos claros estavam confusos e o cabelo empoeirado cai-lhe sobre a testa, encobrindo a parte superior de seus olhos. Claire estendeu a mão até o rosto dele e passou os dedos em seus cabelos, jogando-os pra trás e revelando seus olhos por completo, os que ela tanto gostava de encarar. Jamie virou o rosto apenas o suficiente para beijar a mão de sua amada, então ela puxou-a de volta graciosamente e voltou a repousá-la nas mãos do marido.

─ Jamie, você se lembra da festa no castelo, quando o músico cantava uma música sobre uma mulher que viajou no tempo e depois conseguiu retornar para casa? ─ talvez essa não fosse a forma ideal de começar, mas ela não podia pensar em algo e agora sua sorte estava lançada.

─ Lembro-me... ─ sua expressão era incerta, franziu o cenho e ergueu uma sobrancelha. A conversa mal havia começado e ele não gostava do rumo que estava tomando, mas não disse mais nada, dando à morena a chance de continuar.

─ Acho que foi isso que aconteceu comigo. ─ apertou os olhos ao falar, era quase como tirar um emplastro: rápido, mas talvez um pouco doloroso. Analisou a face de Jamie antes de prosseguir, mas ele estava atônito, então decidiu não lhe dar oportunidade de dizer nada e continuou explicando. ─ Eu estava em Inverness, após o fim da Segunda Guerra Mundial, aproveitando uma nova lua de mel com meu marido. Ele estava estudando seus antepassados e eu decidi fazer uma visita às pedras de Craigh Na Dun, mas não sei o que aconteceu, eu toquei em uma das pedras e em seguida estava correndo na floresta, quando pouco depois fui encontrada por vocês.

Jamie estava aturdido. Mal podia crer em tal história, mas havia uma histeria distinta na voz de Claire, que era falha e corrida, sua respiração estava ofegante, como se ela tivesse juntado toda a coragem para confessar todos os seus pecados perante milhares de fiéis. O jovem conseguia sentir a sinceridade vinda da mulher que amava, mesmo sem compreender bem que ela falava, mas como acreditar em algo tão surreal? Apesar de ter ouvido tantas histórias sobre as pedras e coisas místicas que aconteciam lá, em músicas e contos, jamais havia se deparado com algo do tipo. Lágrimas começaram a rolar pelas bochechas rosadas de Claire e o coração de Jamie ficou apertado. Tratou de limpá-las com o polegar e acariciou-a no rosto de forma afetuosa.

Realmente, era muita coisa para absorver, mas surpreendentemente o que mais incomodou Jamie foi ouvir que Claire já era uma mulher casada. Isso perfurava o seu coração de uma forma que ele sequer entendia e por um instante se questionou se a amava tanto a ponto de sofrer dessa maneira. Finalmente reuniu forças para quebrar o silêncio que assombrava o estábulo.

─ Você é uma mulher casada, Claire? ─ Jamie tinha muito a dizer, mas as palavras simplesmente não saíam e apenas essa frase requereu um enorme esforço de sua parte.

Ela agarrou suas mãos com urgência, com medo que ele recuasse ao seu toque, mas ele não o fez, ficou estático em sua posição e não podia-se dizer com certeza se ele estava a encarando ou apenas encarando o vazio.

─ Por favor, tente entender. Eu não deveria estar aqui, minha vida era na Inglaterra, em 1945, eu jamais imaginei que viajaria no tempo... Para o passado... ─ Claire estava confusa, ela não podia explicar algo que tampouco entendia. ─ Quando eu cheguei aqui, você foi o único que me tratou bem, que se mostrou meu amigo e eu me apeguei a você. O tempo foi passando e esse apego cresceu e tornou-se algo diferente. ─ Ela segurou a mão de Jamie e levou até seu peito, pressionando a palma contra o tórax para que ele pudesse sentir seu coração. ─ Você sente, não é? Quando estamos juntos parece certo, real. Você é mais real para mim do que qualquer outra coisa que já vivi, mais do que Frank ou minha vida em 1945, mas eu não podia admitir isso, pois é uma enorme traição e eu não...

Ele a interrompeu, colocando os dedos sobre sua boca macia. Sentiu os olhos marejarem, não sabia dizer o que estava sentindo. Lentamente puxou sua mão que ainda repousava no peito de Claire e se levantou. Pôs-se de costas para ela, mas ouviu que a moça se levantou em seguida. Ergueu uma mão até o rosto e esfregou a barba por fazer, pensativo. Não tinha certeza se queria ouvir mais alguma coisa.

─ Claire... eu me apaixonei por você no momento em que a vi. ─ a voz dele se arrastava. ─ Sinto que o que você diz é verdade e mais ainda, sinto que o que você sente é verdadeiro, sinto quando estamos juntos, quando nossos lábios se encontram, na cama, durante a noite, enquanto nos abraçamos. Mas eu preciso de espaço agora.

Jamie não se virou. Caminhou para fora do estábulo, deixando Claire para trás. Encará-la seria muito doloroso, tinha muito que pensar sobre tudo que ouvira e se acreditava ou não em tudo aquilo. Enquanto isso, a mulher cobriu a boca com as costas da mão e engoliu o choro. Não queria ser vista tão vulnerável daquela forma, muito menos desacompanhada de seu marido. Levantou a barra do vestido e apressou o passo para dentro do castelo.

O dia se arrastou e minutos se tornaram horas, mas Jamie não apareceu. Claire fez o que pôde para se distrair em seus aposentos, estudando plantas e separando-as em pequenos recipientes, tentando criar novos remédios que fossem mais úteis que os que o local já possuía. Vez ou outra olhava através da janela, tentando encontrar o jovem rapaz nos longínquos campos escoceses que se estendiam ao redor do Castelo de Leoch, mas não havia sinal dele.

Por fim a noite caiu e já era hora do jantar. Claire imaginou que Jamie estaria lá, então pediu à Sra. Fitz que lhe ajudasse com um belo vestido. Talvez se estivesse mais atraente e arrumada... No fundo sabia que isso não passava de uma futilidade, mas não custava tentar. O silêncio a estava matando e sentia seus órgãos sempre comprimidos de tanta ansiedade. Quando chegou ao grande salão, ele já estava lá.

Sempre lindo, com uma camisa branca larga de manga longa e um kilt usual. Os cabelos não estavam desgrenhados, como mais cedo, pelo contrário, estavam alinhados e pareciam limpos, podia-se ver que ele tomara banho antes de jantar. Estava sentado à mesa com os outros rapazes que trabalhavam tratando os animais e cuidando das terras.

Claire não se atreveria a sentar lá, então se dirigiu até a mesa das mulheres, onde estavam algumas esposas e damas de companhia. Todas foram receptivas, mas tanto Jamie quanto Claire percebiam os olhares furtivos e pequenos cochichos. Não era comum que um casal recém-casado tivesse suas refeições separadamente, sendo esse sempre um indício de problemas matrimoniais.

─ Problemas no paraíso? ─ Dougal estava ao lado de Jamie e perguntou rispidamente, nada diferente do habitual.

─ Não é isso. ─ Jamie desconversou. ─ Claire apenas não se sente confortável com toda essa ideia de casamento, as coisas aconteceram rápido demais. ─ ele justificou e torceu para que seu tio acreditasse nessa baboseira.

─ Cuidado, Jamie. Claire não é uma lass comum, se você não domá-la em breve, ela nunca será uma boa esposa. ─ o mais velho pegou um pedaço de pão e levou a boca, agindo naturalmente.

─ Ela não é uma égua para ser domada, é minha esposa, Sr. Mackenzie. Espero que se lembre disso da próxima vez que falar sobre ela. ─ Jamie odiava quando falavam de Claire daquela forma e sentia tanta repulsa pelo comentário grosseiro do tio que se levantou e foi em direção aos seus aposentos.

De soslaio, a forasteira percebeu que o marido tinha se retirado e educadamente se desculpou com as mulheres curiosas que a enchiam de perguntas e se retirou do local. Quando chegou ao quarto, colocou o ouvido na porta e captou uma movimentação lá dentro. Jamie já estava lá. Segurou a maçaneta e hesitou se deveria entrar ou procurar um lugar para passar a noite, mas a aflição de não saber o seu futuro poderia mata-la ali mesmo.

Girou a maçaneta e empurrou a porta, que revelou a iluminação da lareira à medida que se abria num rangido aconchegante.

─ Posso entrar? – ela perguntou inocentemente, mas não houve resposta.

Claire mordeu o lábio inferior, sentindo que seu mutismo a atingia como uma espada. Tentando não emitir sons, ela fechou a porta atrás de si e foi para o canto oposto de onde ele estava no quarto. Começou a desamarrar seu espartilho e já estava se conformando com a ideia de que aquela noite dormiria sem respostas ou qualquer outra coisa.

Observando-a de canto, Jamie não se conteve e foi depressa em sua direção. Pegou-a firme pelos braços e a virou em uma fração de segundos, como se ela fosse apenas uma boneca delicada em suas mãos. Os olhos da sassenach arregalaram com a brusca atitude do homem, mas ela não reagiu. Ele a levou até a cama e fez com que ela sentasse, ajoelhando à sua frente.

─ Claire, você é sangue do meu sangue... ─ ele não conseguia continuar.

─ Carne da minha carne. ─ ela prosseguiu, completando a frase que recitaram juntos durante os votos de casamento. Jamie acariciou a mão dela com o polegar e a trouxe até sua boca, dando-lhe um suave beijo e apoiando a testa por um instante. Claire estendeu a outra mão para tocá-lo, mas, antes que pudesse, ele ergueu a cabeça novamente.

─ Exatamente. E eu quis dizer todas essas palavras. Nunca imaginei que pudesse amar alguém tanto assim, tanto quanto amo você. Eu acredito em você e em tudo que me disse. ─ ele a encarou e viu que seu rosto era de alívio. ─ Mas eu não posso continuar dessa forma. Não contarei seu segredo a ninguém, jamais a deixaria exposta dessa forma, você confiou em mim, assim como eu confio em você.

─ O que... quer dizer? ─ as palavras tropeçaram para fora de sua boca pausadamente. Claire não conseguia entender o que o marido queria dizer com àquilo.

Sassenach, se você quiser voltar para casa, para o seu... marido e sua vida no futuro, os Deuses que me ajudem, mas eu a levo para Craigh Na Dum e te ajudo a voltar para lá. ─ seu rosto estava ficando vermelho, mas ele continha as lágrimas que queriam sair. Um homem daquele não podia se dar ao luxo de chorar ajoelhado aos pés de uma mulher. ─ Mas se você me ama, se eu sou o que você teve de mais real... então fique aqui e deixe tudo para trás.

Por vários instantes Claire não respirou. Sabia que em algum momento teria que tomar essa decisão, mas não imaginava que tudo ocorreria naquele dia. Mal tinha se casado e já conseguira virar seu relacionamento de pernas para o ar e agora deveria tomar a decisão mais importante de sua vida. Frank, aquele que esteve com ela durante anos, que ela ansiou por ver novamente durante toda a Guerra, sua vida, o dia a dia, sua casa. Ou Jamie, aquele por quem tinha se apaixonado perdidamente e estava vivendo algo estranhamente novo, como se suas almas estivessem conectadas por todas as vidas que tiveram.

Depois de um silêncio assolador, que causou a mais intensa agonia e permitia que uma faca cortasse o clima de tensão que se instalou no quarto, a morena finalmente falou.

─ Jamie. ─ sua voz era suave. O coração palpitava e ela tinha medo de falar, mas de alguma forma estava tranquila. Escorregou pela ponta da cama até finalmente sentar-se no chão, ao lado do homem que amava e fitou seus olhos por um longo momento. Inclinou o corpo, aproximando-se dele e deu um suave beijo em seus lábios, que estavam demasiadamente secos. Afastou-se novamente e um sorriso se formou em sua boca. ─ Eu jamais poderia deixá-lo, mas também não poderia ficar, a menos que lhe contasse a verdade e eu o fiz. Você é um presente em minha vida, me fez sentir coisas que jamais senti antes. Fez-me querer ser Claire Fraser a qualquer outra pessoa no mundo.

Nada mais era necessário. Ele a tomou nos braços e ambos se entregaram ao deleite que sabiam se proporcionar. A escolha fora feita, Jamie jamais duvidaria do amor dela depois disso e Claire finalmente poderia colocar sua vida para trás e começar a trilhar seu futuro... no passado.


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