Tudo menos amor escrita por lekitcha


Capítulo 1
Tudo menos amor (capítulo único)




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Tudo menos amor.

Na primavera nos conhecemos. Foi uma bela noite chuvosa, em que eu olhava pela janela e via as gotas d’água como minis diamantes doados pelo céu. Não era criança na época, era só uma jovem sonhadora e positiva. Você bateu à porta da minha casa com força, talvez pela enorme vontade de sair daquela chuva incômoda. Saltitante eu fui até a entrada, obedecendo ao pedido de minha mãe que não podia abri-la. Observei o lado exterior pelo olho de vidro e lá vi você. Sabe quantas vezes eu volto naquele momento? Muitas e inúmeras, todas me deixando infeliz. Queria não ter olhado por aquele olho de vidro, queria não ter me apaixonado, mas agora... Agora não tem mais jeito. Estou aqui apaixonada por um demônio e sei que você é mau e fez coisas más para as pessoas que eu amava, porém esse sentimento doce me faz te perdoar e querer esquecer tudo. Você me deixa insana, e isto não é bom. Você no mínimo me ama? Na verdade não importa, no final não poderemos ficar juntos. Ou estou errada?

Aquela noite eu esperava tudo menos o amor. Na verdade eu esperava que fosse alguém bem chato e sem graça a chegar, que fosse conversar com os meus pais e não precisar da minha presença. Nunca pensei que eu iria querer parar minha leitura para falar contigo. Minto, não falei nada, mas era como se em um olhar tivéssemos uma conversa tão íntima que não precisasse de palavras. E nossas risadas, eram tão belas e sincronizadas. Admira-me muito o fato de meus pais não terem percebido nada, nossos olhares eram tão fortes e demorados que me faziam esquecer que o mundo ainda girava.

Seu nome... Tão comum! Nunca pensaria que um homem chamado August fosse como você é. Talvez fosse óbvio o que estava escondido por trás daquela máscara, quando eu via sua alma algo sempre me incomodou. Pensava que era a presença de mais pessoas no recinto, que a nossa diferença de idade poderia gerar falas e falas, mas agora percebo que nunca confiei em você. Tola, não confiei na minha intuição. Se tivesse não teria perdido tanto tempo contigo, dias de dor e lágrimas, dias sem nada próximo de um doce e lindo amor como eu sonhava.

Sua beleza me distraiu. Não era uma beleza óbvia, era um perfil solitário que deve ter me atraído, pois era o mesmo que o meu. Não tenho muitas amigas, no máximo uma, minha vizinha Marie. E você, mesmo rodeado de mil pessoas ainda parecia se sentir sozinho. Como não me encantar com isto? Tudo isto era dito em seus trajes elegantes e escuros, em seus cabelos lisos e bem cortados, contudo sem emoção. Eles pareciam expirar tristeza, e em um momento eu as inspirei. E o seus olhos, fazendo um belo contraste com seu perfil, eram de um castanho avermelhado forte, aquela mínima cor rubra chamando mais atenção que o resto.

Aquele vermelho não deveria ter me encantado, pelo contrário, era como um símbolo que sinalizava o perigo que se escondia. De novo ignorei os sinais, tantas vezes repeti este erro, agora ao recordar cada momento percebo... Eu escolhi sofrer. Mas deixe-me ficar nos momentos bons por alguns instantes, aproveitá-los mais uma vez.

E a nossa primeira confissão de amor? Lembro-me bem da desculpa que você usou para me permitirem passar alguns dias em sua casa, meus pais confiavam tanto em ti que nem teve que se esforçar muito. Além disso, eles eram dois apaixonados, queriam reviver sua lua de mel e uma filha acompanhando não seria interessante. Muito estranho também eles me permitirem com 13 anos ficar na casa de um amigo solteiro, até hoje não compreendo essa confiança cega deles.

E tímida cheguei a sua casa. Ah... Como consegui não pular de alegria? Estava na casa do homem por quem me apaixonara, uma morada de extremo conforto e elegância que eu desejaria morar ali facilmente. Ela era perfeita: não tão grande para a quantidade de moradores, com um design perfeito ao clima de nossa cidade. Era quente no inverno, fresca no verão, realmente o arquiteto desta casa merece meus eternos parabéns. Claro que não notei isso tudo naquele primeiro momento. Não, não, o que eu vi foi o brilho do sol do entardecer entrando por sua janela e caindo sobre ti, uma cena tão esteticamente maravilhosa que foi a primeira que pintei quando me descobri com tal habilidade, e ainda a refaço.

Essa admiração durou alguns segundos, tenho certeza ter sido menos de um minuto. Logo você me mostrou o caminho para o quarto de hóspedes, segundo andar, a primeira porta à direita. Seu quarto ficava exatamente em frente, o que me fez sorrir boba ao descobrir. Enquanto eu deixava minha única mala na cama e começava a investigar meu temporário lar, você distraia meus pais com seu carisma delicioso e irresistível, quase os fazendo perder o voo.

Ao ouvir o grito de minha mãe eu desci. Eles desejavam se despedir, dizendo aquele clássico discurso de pais: se comporte, ouça August, qualquer coisa ligue, lembre-se que nós te amamos. Queria ter aproveitado melhor esta despedida, não por não poder revê-los depois já que eu na verdade pude, mas só porque meu inocente e feliz eu deu seu último abraço em alguém que realmente me amava naquela tarde.

E ficamos a sós. Já era noite quando eu notei isto, não sei se fiquei muito tempo a encarar a porta por onde adentrei, em frente às escadas por onde antes desci, e você encostado na batente lateral da entrada para a cozinha, a direita da escada, com um sorriso enigmático no rosto. Aquele era mais um sinal, sempre fui inteligente, por que não notei aquele olhar faminto sobre mim, não igual ao meu olhar admirado como era quando eu te olhava? Hormônios, algo a mais no cérebro, Deus, seres estranhos: não me importa mais o motivo, agora é tarde.

Não contive a vermelhidão que apareceu em meu rosto. Não estava acostumada a receber tanta atenção de alguém, fixamente, parecia até que você nem piscava. Meu olhar antes em ti agora olhava o chão, mas logo eu corri para escadas e comecei a subir envergonhada. Comecei, não terminei você me puxou com força e me empurrou para a outra batente da porta que você estava e ali fiquei com as costas encostadas e a face surpresa.

Em câmera lenta sua mão que me puxara se apoiou na parede ao lado de meu rosto, sua boca se contorceu em um sorriso que se tornou mais sedutor que o normal, seus olhos brilharam forte e com esta luz continuou, sua respiração continuava controlada, bem diferente da minha já falhada e a cada centímetro a mais que seu rosto se aproximava do meu o ar se tornava mais irrespirável. Alguns centímetros de distância você parou e me disse: “O que você fez pra me encantar desse jeito, garota?”.

Nada. Era esta a resposta que eu teria dado, mas a dei de maneira distinta, não dizendo nem uma palavra, fazendo nenhum som. Nem tive tempo para pensar em falar, logo jogava os braços em volta de seu pescoço e em um eufórico instante corajoso eu te beijei, ou fiz algo próximo disso. Deve me perdoar se não foi seu melhor beijo, mas compreenda que era a primeira vez que meus lábios encontravam os de alguém, que minha língua se enrolava em outra e que coisas estranhas aconteciam em meu corpo quando eu ficava tão próxima assim de ti.

A noite inteira você me ensinou o amor por beijos. Não lembro nem de termos parado para respirar entre os beijos, eles eram sempre longos e intensos, difícil de pensar em outra coisa na hora, no máximo algumas: de quando suas mãos se acomodaram na base de minhas costas ainda de maneira inocente, de como você me guiou até a poltrona da sala e me fez sentar-se em seu colo, de sua mão saindo das minhas costas e indo para a minha perna, esta despida, pois estava com um vestido rodado um tanto curto já que eu estava crescendo. Aquele foi seu movimento mais ousado da noite, o que achei muito forte de sua parte, eu me lembro de sentir que você desejava mais.

Nem hoje me incomoda você ter 22 anos a mais que eu. Aquele era o menor dos problemas, você sabe. O que os outros falariam sobre isto nunca nos incomodou, só escondíamos nosso romance por causa de meus pais e a grande chance dele nos proibir. Agora penso que foi melhor assim, doeria mais para meus progenitores saber que meus males foram causados por eles, por permitir que nos conhecêssemos, que eu dormisse na casa de uma pessoa tão horrível, fria e...

Voltando aos deliciosos momentos de fim de inocência e começo de adolescência.

Os dias que passei em sua casa foram memoráveis. Cada segundo foi deveras delicioso para a minha pessoa da época, uma menina que achava ter conhecido o homem dos seus sonhos. Você era tão perfeito, até demais para o aceitável ao sentimento platônico. Mais um grito de minha intuição ignorado. Você se vestia bem, era atencioso, tinha um sorriso enganador... Não, encantador. Quase impossível voltar aos tempos de ignorância sem julgar quando os anos de vida e experiência nos deram tanto saberes.

Um momento que volta e meia relembro é o que fizemos piquenique no quintal. Conversarmos sobre tantas coisas, nem lembro mais quais, só sei que foi um dia de risos e sorrisos. Estávamos debaixo de uma árvore e mesmo assim o Sol brilhava diretamente na gente, pelo menos por algum tempo. Foi o que mais me marcou nesse dia, o reflexo do astro maior em seu cabelo como no dia que cheguei à sua casa, me fazia expor os dentes bobamente e acreditar que Deus devia ser igual a você. Inebriada pela beleza da cena, nem pensei o quão estranho seria amar Deus daquela forma, pecaminosa, como alguns diziam.

Outro motivo para eu sempre relembrar essa cena é que ela foi a clímax da minha vida contigo. Foi o último instante perfeito, o último que eu diria exatamente sem pensar: ele me ama e isso é certo como dois e dois são quatro. Engraçado pensar agora que foi mais a frente eu aprendi em física que há como dois mais dois não ser quatro. Na hora que isso me foi comprovado e alguns colegas de turma não concordaram eu na hora defendi: vocês podem confiar, eu aprendi isto dolorosamente e posso atestar que é verdade. E defendendo isto que meus professores desconfiaram de algo e conversaram com meus pais. Algo que contarei melhor mais tarde. Continuemos com o que resulta quatro.

Onde estávamos, querido August? August. Outro dia li sobre o imperador que inspirou seu nome. Ele conseguiu apaziguar dois lados que discutiam em Roma espalhando uma imagem de si que indiretamente dizia mentiras hiperbólicas. Mais um sinal de que você era um perigo! Envergonho-me cada vez mais de pensar em todos os vestígios que a vida me deu. Tantos, tão grandes, tão visíveis, tão alarmantes! E mesmo eu assim eu te acompanhei até o fim, este que já chega.

Qual foi a primeira mostra de sua personalidade dúbia? Nem sei dizer. O que agora recordo é de quando você teve que sair para trabalhar, não o primeiro dia, mas algum seguinte. Algo no seu trabalho o irritou e você não chegou feliz. Já havia acontecido isto antes, só que eu consegui te acalmar com um abraço e alguns beijos acalorados. Por ter dado certo antes eu tentei de novo. Atestei que esta lógica não cabia no caso quando ao tentar me aproximar gentilmente você me puxou com violência. O beijo carinhoso de outro dia virou um faminto e selvagem. Era a primeira vez que eu não quis te ter mais perto, e você percebeu isso, se afastando e pedindo desculpas, estas que logo aceitei.

Demorou mais alguns dias para isto se repetir, porém antes disso eu já te estranhava. Eu podia ter te perdoado, mas seu beijo agressivo acordou minha intuição. O desespero me dominou quando percebi que estava sozinha, que não havia com quem conversar sobre nem para onde fugir, já que meus pais ainda estavam viajando. Aconselhada por mim mesma, decidi relevar, acreditar que aquilo fora um dia atípico. Até que você repetiu e eu não tive força para recusar. Dessa vez você não parou, nem quando entre as paradas de beijo eu chorava e pedia por isso. Nem um pio saía de sua boca, nada mais que alguns gemidos que demonstravam seu prazer pela situação. Eu estava de calça comprida e penso hoje que a sorte do dia foi eu estar com ela, já que isto inibiu que você continuasse com o que queria, parando ao encontrar o obstáculo, não sem antes fazer carícias ousadas na minha virilha, mesmo que sobre o tecido.

Ao parar eu deveria me sentir melhor, pelo menos um pouco mais aliviada, mas suas palavras me assustaram, as únicas daquela noite: nunca se esqueça de que você é minha. Corri para o meu quarto e deitei-me na cama em silêncio. Não chorava, não tremia, meu corpo não reagia, para quem observasse de longe pensaria que eu só dormia. As únicas coisas que denunciaram meu estado eram os olhos arregalados e a minha mente inquieta, ruminando sobre as poucas e certeiras palavras que você havia dito. Como eu podia ser tua?

Eu havia aprendido na escola que na época da escravidão algumas pessoas tinham a propriedade das outras. Discordava com toda alma desta conduta, achando que não havia nada que justificasse isto. Indivíduos que não havia nenhuma relação comigo além daquela que um pedaço de papel dizia podiam me ter? Era impossível que alguém aceitasse isto, só se fossem muito tolos, eu inocentemente pensava. “Ou as pessoas que disseminavam essa ideia eram brilhantemente enganadoras”, penso agora. Quando te ouvir dizer que eu era sua logo eu me pensei como sua escrava, e aquilo me deixou desesperada. Chocada duvidei da viagem de meus pais, e comecei a achar que era realmente sua propriedade.

Virei-me para o outro lado, já que a posição já me incomodava. Depois voltei a raciocinar. Se caso fosse você meu dono, eu imaginava, logo eu só tinha que queimar o papel que dizia isso, ou falsificar um novo para me libertar. Mil formas de fazer isso vieram a minha mente, todas parecendo possíveis e me dando esperanças, até que um triste epifania me assolou: não havia um papel que dizia que eu era propriedade de você, havia uma sociedade. Notei isto quando lembrei que por mais que meu pai respeitasse minha mãe, ele sempre tinha mais voz e mandava na casa, e às vezes até castigava minha mãe caso ela não o seguisse. Comprovei isso quando lembrei que uma das minhas primas havia se apaixonado por um homem e o escolhido como marido, mas se casou com outro porque a opinião dele tinha preferência. Conclui isto quando lembrei que você era o homem e eu a mulher, ou daqui a pouco seria, já que como representante do sexo feminino eu não podia dizer não.

Enfim chorei tudo o que eu havia guardado por tudo o que eu havia passado. Percebi que mesmo que eu fugisse de você eu teria que passar isto por mais alguém. Como eu queria ter uma amiga neste momento, uma que pudesse me dizer que minha lógica até poderia estar certa, mas ela poderia ser mudada. Que o contrato oral que toda mulher assinava poderia ser desfeito com força e perseverança. Palavras bonitas que disfarçavam a dificuldade por trás de ser uma mulher livre, mas que iriam me animar a tentar ser. De qualquer forma elas não servem mais para aquela menina de 13 anos a chorar na cama, interrompida de seu lamento quando o choro se tornou incômodo a você.

Respeito deve ter sido algo que você nunca aprendeu, só sabia dissimulação. Quando você me silenciou com sua mão na minha boca, inebriando o lugar com seu cheiro de suor, imobilizando meus movimentos com seu corpo sobre o meu e fazendo meu coração ir a mil quando sua outra mão começou a percorrer meu corpo. Antes do piquenique isto era sinal de prazer, agora eu aprendia que a sua mão também me fazia querer morrer. Você percorreu meu corpo como sempre fazia, só que com mais liberdade devido à falta da minha. Aquilo me enojava, desejava loucamente tomar um banho e estar em algum lugar seguro. Sinceramente eu não me lembro do resto, só de alguns elementos: choro, dor, sangue, silêncio.

Fim da inocência. Começo da adolescência, ou como gosto de chamar: dos meus anos infernais. Dizem que naturalmente esta é uma fase complicada, onde os sentimentos são intensos, seja para um lado negativo ou para um lado positivo. Nem sei dizer se a minha seria naturalmente assim, já que os anos que se sucederam não me foram agradáveis e naturais. Quando eu voltei para casa meus pais não perceberam nada. Parecia que mesmo depois de ser inúmeras vezes pelo meu “dono” invadida eu não aparentava mudança. Sempre rio amargamente disso, mesmo que não haja graça.

Nem quando eu me recusava veemente a ficar na sua casa eles perceberam os sinais, o que sempre me fazia pensar que eles tinham algum acordo com você. Nem as mudanças no meu corpo, advindas pelo fim da minha virgindade – para sua sorte eles chamaram de mudanças da adolescência, ou já foi de caso pensado? Mas a lerdeza de meus pais só não me irritava mais porque ela não vencia a minha, já que mesmo depois de tudo que eu sofrera e sofria eu ainda te amava. Culpo o Sol, seu sorriso, suas palavras banhadas pelo néctar dos Deuses e minha burrice. Não sei quem tem mais culpa, só sei que nada me fazia parar de sentir amor. Quer dizer, o que eu achava que era amor, o que agora sei que era falta de amor próprio, adicionado de falta de apoio dos meus pais.

Eu sei o que você está pensando. Por que não contei, não é? Pare de rir, seu idiota. Pare de achar graça nas ameaças que você me fazia: se você contar eu matarei seus pais, se você contar eu faço o mesmo com sua mãe, se você contar eu vou fazer pior em você. Havia mais, sorte que minha mente bloqueou. Esperta como às vezes era eu duvidei, e comecei a contar. Voltei a achar que você era Deus quando na hora apareceu, me impedindo de falar a minha mãe e conseguindo facilmente ficar a sós comigo. Após isto minha mente de novo bloqueia, e depois não duvido mais de ti.

Como você não usava preservativo, a gravidez era algo possível. E aconteceu, porque o azar era meu fiel companheiro desde aquele dia na minha casa. Descobri no dia do meu aniversário, quando quase vomitei no meu bolo, por sorte me controlando. Conversando com algumas colegas minhas de escola sobre a matéria da escola, percebi que me encaixava perfeitamente na descrição de uma mulher grávida, e desesperada corri para longe da festa, chorando. Meus pais, sabendo da grande amizade que tínhamos, pediram para que você conversasse comigo. Neste ponto o ódio pelos meus progenitores era forte, mas considerando típica rebeldia adolescente.

Você se aproximou docilmente e me abraçou com uma intimidade que me fazia odiar mais ainda aqueles que nos cercavam. Perguntou o que havia comigo e eu respondi duramente, avisando da novidade. Com um autocontrole admirável seu pânico foi imperceptível para olhos sem conhecimento de ti, mas eu não tinha mais esses olhos. Já te conhecia por inteiro, minuciosamente como nem você mesmo deve saber, logo te decifrar era fácil. E me abraçando como que me consolando você sussurrou: “Sorria, finja que está melhor e aproveite a festa. Mais tarde eu passo aqui para terminar com isto”. Meu medo já me fazia suscetível a suas ordens e sem pestanejar segui suas palavras.

Quando a noite ele reapareceu, com a desculpa de queria assegurar meu bem estar, meus pais permitiram que ficássemos a sós. Ele me entregou o remédio para o aborto e logo depois foi embora, não queria levantar suspeitas. Esperei meus pais dormirem para novamente mexer com o remédio, teoricamente para toma-lo, mas outro momento de clareza me veio: era melhor que eu mantivesse a gravidez. Aquele seria um sinal inegável de que eu tinha um problema, de que você não era confiável e eu tinha uma prova na minha barriga. Feliz como nenhuma outra grávida poderia estar, joguei o remédio fora e fui dormir, tranquila como nunca.

Os dias se passaram e minha barriga foi crescendo. Você nem percebeu, tanta certeza tinha que meu medo de ficar mal falada era maior que qualquer outra coisa. Tolo, eu já estava em um grau de consciência que os outros não mais me importavam, eu estava mais preocupada em me satisfazer, e aquela gravidez faria isso: ela seria minha válvula de escape de você. Seria. Até que de novo você se mostrou em conchavo com Deus: eu tive um aborto. Infelizmente enquanto fazia sexo com você, o que me rendeu uma noite imemorável, mais umas que meu cérebro faz questão de me salvar da repetição. Até hoje estou em luto por aquela criança, que nunca soube o sexo ou algo mais, só que eu amaria como ninguém já o fez.

Foi um pouco depois disso que a cena do 2 mais 2 aconteceu. E só quando minha professora de física procurou meus pais para conversar sobre algum possível problema que eu passava que eles começaram a perceber que havia algo em mim. Tenho que repetir isto: quando uma estranha diz a eles que eu tenho problema ambos acreditam, mas quando eu, a menina que eles conheciam desde o nascimento, digo que tenho problema eles ignoram. Tragicômico, mas ainda assim meu começo de liberdade.

Eles começaram a me observar mais, porém esperto como você era logo percebeu que devia tomar mais cuidado, me ameaçando ainda mais. Rio de você também. Achava-se forte e inabalável, inteligente demais para eu conseguir te impedir, mas não se esqueça de que nossos 22 anos de diferença me davam mais força e energia que você. E todas as dores sofridas nesses 2 anos me deram um conhecimento que muita gente bem mais velha que eu não tinha.

Hey, não chore. Eu não vou fazer que nem você, me enfiando em cada buraco seu a meu bel prazer ou me impondo com medo e dor para manter o que temos. Não, as cordas que te amarram podem até te machucar, mas esse é o máximo de dor que vou te causar. Não vou me vingar com tortura, nada disso, vou ser simples e acabar nossa história em conjunto. Lembra-se dessa arma? Meu pai comprou depois que você o aconselhou dizendo que era a melhor proteção contra assaltos. Não sei você, mas nunca gostei dos que lucram com a violência, e você se mostrou assim quando o vendeu.

Não quero que você fique perto dos meus pais. Eu sei que eles sempre foram uns idiotas, e por isso mesmo não conseguem ver o inimigo sozinho, precisando assim da minha ajuda. Eu vou ajuda-los, a minha professora também, e ainda por cima vou reencontrar meu filho ou filha. Iremos cria-lo juntos, só que dessa vez vai seguir minhas regras e não terá mais violência. Não, não gaste suas forças tentando falar sob essa amarra na sua boca, mesmo se estivesse com ela livre eu não iria ser convencida, pois hoje estou imune ao mel de suas palavras, a seu sorriso, a seu mexer de cabelos distraído e até ao seu olhar mais atrativo. Só não estou resistente a uma coisa: a bala que vai atravessar sua cabeça.


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