Rosalie, por Royce King Ii escrita por lolat


Capítulo 1
Rosalie, por Royce King II




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Eu sempre tive tudo, mas isso nunca foi o suficiente.

 

Royce King ganhou uma colossal quantia de dinheiro com a Grande Guerra, o que nos tornou sem dúvida a família mais proeminente de Rochester. Isso abriu caminho para que eu conseguisse conquistar a mulher mais encantadora da cidade, Rosalie Hale.

 

Todos os homens eram loucos por ela, a loura alta, de corpo escultural e olhar inocente, filha de um funcionário de meu pai. Quando eu a vi pela primeira vez, fiquei maravilhado – jamais tinha imaginado uma mulher tão bela, que fizesse meu coração palpitar com tanta violência e meu sangue pulsar daquela forma, em uma explosão de desejo. Rosalie Hale seria minha esposa, pensei.

 

A parte burocrática foi arranjada por meu pai, feliz com minha escolha. Os Hale eram uma família bastante respeitada em Rochester, dizia-se inclusive que começavam a acumular uma pequena fortuna. As diferenças entre ricos e pobres nunca havia sido tão expressivas quanto durante a Grande Depressão, e somente os mais bem-colocados conseguiram manter sua posição. Todos os dias, víamos famílias de classe média que nunca antes haviam sentido o que era passar necessidade despencarem para abaixo da linha da miséria. Dinheiro e uma posição social estável demonstravam toda a força de seu significado, e Daniel Hale estava lisonjeado com meu interesse por sua filha.

 

Apesar de todo o meu prestígio e poder financeiro, além de minha beleza inegável, sei que Rosalie nunca me amou de verdade. Isso foi uma derrota que jamais pude superar. Aos olhos invejosos dos outros, eu a possuía. E nos exibíamos diante da sociedade, numa tentativa vã de alimentar nosso próprio vazio através da ostentação e da luxúria.

 

Seu corpo era de uso livre para meu gozo – quantos não gostariam de estar no meu lugar! -, mas seus olhos eram sempre gelados. Ela tinha tanta estima por mim quanto para com seus vestidos caros ou jóias raras. Eu não passava de um adorno supérfluo na brilhante vida de Rosalie Royce.

Eu tinha necessidade de algo quente, capaz de derreter a crosta de gelo que se formava em torno do meu coração. A cada dia, eu me tornava mais frio e indiferente com todas as pessoas. Por trás de minha máscara de marmóreo desprezo, eu ocultava uma inveja de proporções avassaladoras. Minha vida era vazia, eu não passava de uma personagem escrita para uma peça insuportável, fora da qual eu não possuía existência.

 

Talvez a coisa mais deliciosa na vida humana seja a mentira. O que é o amor, além de uma crença cega que une duas pessoas em torno de algo supostamente sobrenatural? Nenhum de nós dois acreditava, não éramos mais do que dinheiro, carne e sangue quente. Mas o ser humano não sobrevive à verdade por muito tempo sem enlouquecer, e o calor do álcool em minhas veias me livrava do peso da reflexão. Como uma espessa nuvem em meu cérebro, ele escondia de mim a verdade: eu tinha tudo, mas não tinha nada.

 

Em uma dessas noites, em que eu tentava tornar a mim mesmo a existência mais leve, Rosalie surgiu à esquina, maravilhosa em seu vestido de seda carmesim. Ela estava sempre radiante. Bela, fervente, inalcançável. Meu sangue pulsava em um ritmo violento, e era como se meu cérebro estivesse prestes a explodir. Por que você não me amava, Rosalie? Por que?

 

Não sei explicar o que me levou àquele ato deplorável. De repente, suas formas perfeitas se movendo sob o vestido, seus cabelos louros balançando em torno dos ombros, o som de seus sapatos batendo na calçada, de repente tudo isso queimava em meus olhos e soava em meus ouvidos como uma orquestra insuportável. A verdade reluzia, branca, entorpecente – eu era apenas mais um objeto, mais uma peça no jogo absurdo de alguém.

 

Não tive escrúpulos, não me considerava humano naquele momento. Se podiam brincar comigo daquela forma, me fazendo explodir de dor a cada segundo em que me encontrava sozinho e sem a garrafa de uma bebida forte ao alcance da mão, eu podia jogar também. Queria controlar a situação, ao menos por uma noite. Seus gritos, suas lágrimas, sua dor, fizeram pulsar um prazer incomparável em minhas veias. Eu era mais animal do que nunca, e daquela vez, não fingia – Rosalie era minha prostituta, um objeto de gozo que eu comprara com dinheiro e prestígio.

 

Abandonamos seu corpo derrotado e doloroso ali mesmo, e saímos cambaleando, entre risadas vazias que abandonavam gostosamente nossas gargantas bêbadas. Minhas lembranças daquela noite eram confusas, tudo o que eu sabia era que minha esposa havia desaparecido e que um torpor estranho corria por todo o meu corpo – como se, apesar de não ser capaz de recordar muitos detalhes, eu tivesse experimentado uma sensação de liberdade incomparável, e uma parte dela ainda corresse em minhas veias. Ninguém sabia, mas eu era mais livre do que nunca.

 

Então, após muitos anos de desaparecimento, quando minha noite de violência se transformara em apenas mais uma memória de minha mente perturbada, alguma coisa começou a acontecer. Um por um, aqueles que participaram comigo da festa foram mortos. Tentei me esconder, mas sabia que uma hora chegaria a minha vez.

 

Foi inevitável, assustador e profundamente doloroso. Entretanto, embora talvez para ela meus gritos e súplicas tenham bastado, a dor física e psicológica que ela me provocava naquele instante não era capaz de se comparar ao sofrimento de meu coração vazio. Rosalie Hale me libertou, para sempre, de uma estúpida existência em que eu não era mais do que um perecível boneco oco, que nunca soube como era ter alma.

 

 


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