Ele era feliz. Até demais, sabe? Tinha uma vida perfeita, sorridente. Cheia de amigos. Cheia de amor, de carinho. Abraçava os pais, a irmã, a namorada. Ia bem nas provas, e as vezes, eu invejava seu boletim. Nunca o vi chorar, talvez apenas aquele dia em que ralou os joelhos, no jardim de infância. Mas, como eu disse antes, ele era feliz. Verbos no passado estragam tudo, não é?

Foi em fevereiro. Seu cachorro morreu atropelado, ele chorou; Sua irmã fugiu, como um pássaro libertado da gaiola, e chorou ainda mais; O pai decidiu que estava na hora de viver, viver ao seu modo: egoísta. Frio; A namorada o traiu, uma, duas, três vezes. Começou a afundar em seu próprio poço de lágrimas (que eu nunca havia conhecido).

Coitado, se perdeu. Se perdeu tanto que não conseguiu mais encontrar o caminho pra casa. Eu gritei, gritei tanto seu nome. Mas ele não ouviu, não ouvia mais, continuava caminhando por aquela rua escura e gelada, desconhecida. Perguntei ‘para onde está indo?’ e não respondeu. Porque também não sabia.

Se afastou dos amigos, de mim, da vida. As notas caíram, mas não foi por falta de estudo: largou a escola. Eu o seguia, sempre atrás dele, procurando uma solução. Se eu estivesse em seu lugar, teria feito o mesmo, eu sei disso. Mas não foram as drogas, as bebidas, os sonhos, os pensamentos desorganizados, que estragaram tudo. Foram os verbos do passado, que sempre se mantinham como uma lembrança vívida em sua mente sobre sua felicidade. De como as coisas eram.

E era tudo tão normal. Tão feliz.

Ah, amigo. Volta pra casa.