A Chance escrita por Pauliny Nunes


Capítulo 19
Capítulo 18




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Beatriz chega ao duplex, esgotada. Senta em seu sofá e respira fundo. As últimas horas tinham sido as mais intensas desde que voltou do Cairo, de onde já sente saudades. Não demora muito, surge Leninha, nervosa.

 —  Dona Beatriz! Que bom que senhora chegou, mandaram entregar isso para a senhora – avisa a funcionária entregando um envelope grande branco.

  — Obrigada – agradece Beatriz, confusa, abrindo o envelope.

Dentro, um smartfone e um papel que caem no colo de Beatriz. Ela pega o papel, o desdobra, lendo o que está escrito: “Ligue-me” logo abaixo um número . Ela liga o telefone, disca o número e aperta para chamar. Depois de dois toques uma voz conhecida atende:

 —  Por que não me ligou quando chegou?  – pergunta Flávio, irritado — Estava preocupado. Aconteceu alguma coisa?

 —  Oi, Flávio, me desculpe, mas aconteceu tanta coisa – responde Beatriz tirando os sapatos de salto preto  —  Aí está de madrugada, certo?

 —  Certo. Porém, como eu dormiria sem saber como você está?  – questiona Flávio, preocupado — Diz para mim, o que houve hoje?

 —  Bom, o Hugo está em coma – responde Bia tirando o terninho  —  Descobri que minha mãe e Mari estavam conspirando para que meu divórcio saísse mais rápido. Além de entregarem um documento em meu nome, prejudicando o Hugo e que desencadeou tudo o que aconteceu – finaliza omitindo o problema que teve com a Lúcia.

 —  O que pretende fazer a respeito?  – pergunta Flávio.

 —  Eu despedi a Mari, hoje – responde Beatriz encostando no sofá.

 —  Você sabe que Mariane foi apenas um peão nisso tudo, certo? O que pretende fazer com a sua mãe?

 —  Amanhã farei o que deveria ter feito há muitos anos. Pelas informações que Mari forneceu, já imagino qual é seu próximo passo. Vou me antecipar e tomar uma decisão definitiva.

 —  Tem certeza disso?

 —  Tenho. Fui eu quem deixou minha mãe se tornar o que é hoje. Então sou eu quem tem de fazer com que isso acabe – explica Beatriz fechando os olhos  —  Algum conselho?

 —  Seja forte. Você sabe que é capaz de qualquer coisa. Lute pelo que é certo para você e eu sempre te apoiarei.

 —  Obrigada. Fico feliz em saber.

 —  Bee…

 —  Sim?

 —  Sinto sua falta. Sinto muita falta.

 —  Eu também.

 —  Eu te amo.

 —  Eu sei – responde respirando fundo.

Os dois ficam em silêncio, apenas escutando a respiração um do outro.

 —  Preciso desligarsussurra Flávio.

 —  Tudo bem… Até logo.

 —  Até…

  —  Flávio?

 —  Bee?

 —  Eu gosto de você, tenha uma boa noite.

  —  Eu terei as melhores quando estivermos juntos novamente.

E o telefone fica mudo, deixando a saudade tomar conta de Beatriz que coloca o telefone no colo e fecha os olhos, lembrando as palavras de Flávio: Seja forte. Você sabe que é capaz de qualquer coisa. Lute pelo que é certo para você e eu sempre te apoiarei.

 —  Dona Beatriz?  – chama Leninha, nervosa  —  Posso falar com a senhora?

 —  Pode, Leninha – responde Beatriz respirando fundo. Ela abre os olhos e ao lado de Leninha está Antônio extremamente nervoso. Ela se ajeita no sofá e pergunta  —  O que foi?

 —  É sobre o seu Hugo – responde Leninha mais nervosa, a ponto de chorar.

 —  O que tem ele?  – pergunta Beatriz, curiosa.

 —  A culpa do acidente dele é nossa – confessa Antônio segurando no ombro de Leninha que não parava de chorar.

 —  O quê? Que absurdo é esse?  – questiona Beatriz, perplexa  —  O Hugo bateu meu carro sozinho.

 —  Ele veio aqui – continua Antônio tentando ficar calmo  —  Ameaçou a Dona Helena, estava louco. Ai eu disse que a senhora viajou com o seu Flávio. Ele pegou o carro e aí aconteceu. Eu juro, Dona Beatriz, que  não ia contar, mas ele sacudiu a Dona Helena várias vezes, fiquei com medo de que a machucasse.

 —  Certo… então foi assim que ele pegou meu carro – conclui Beatriz, pensativa  —  Entendo que tenha contado para proteger a Leninha, Antônio. Porém, nunca mais façam isso. Nunca mais revele qualquer coisa a meu respeito a quem quer que seja, entenderam?

 —  Sim – concordam.

 —  E para evitar que outros episódios, como esse, aconteçam – continua Beatriz procurando algo na bolsa. Depois de alguns segundos, tira um papel e uma caneta —  Vou passar para os dois, os nomes que estão proibidos de entrar aqui em casa, desde agora. Além de não estar autorizada nenhuma informação sobre mim , ou a respeito do Hugo.

Ela escreve os nomes e entrega para Leninha que lê surpresa.

 —  A senhorita Mari e a Dona Miranda estão aqui também. Tem certeza?  – pergunta Leninha, preocupada.

 —  Tenho. As duas estão proibidas de colocar os pés aqui em casa – reforça Beatriz guardando a caneta  —  E também saber qualquer coisa a meu respeito, até segunda ordem. Agora preciso de um banho. Leninha, prepare minha banheira enquanto faço umas ligações, por favor?

 —  Sim, senhora – afirma Leninha se afastando junto com Antônio.

Beatriz se levanta pega seu celular e procura um número específico. Para no nome “Rodrigo Conselho” e aperta para chamar. Depois de alguns toques, a chamada é atendida:

 —  Alô, Rodrigo?  – pergunta Beatriz andando pela sala.

 —  Sim, quem fala?  

 —  Beatriz Gouvêa e precisamos conversar – responde Beatriz, séria.

***

Miranda caminha pelo corredor da empresa, triunfante. Tudo que tinha feito até aquele momento deu certo.  Já sabia que Beatriz a impediria de ficar no hospital e tomaria conta de Hugo, a deixando livre para reunir o Conselho e pedir o afastamento dele. Está tão feliz que até cogita abrir o cargo de Mariane, apesar de seu fracasso anterior. Enquanto caminha, nota que todos a olham, preocupados, uns sussurram, enquanto outros desviam de seu caminho.

 — O que estão olhando? Não deviam estar trabalhando?  – questiona Miranda com desprezo. Ela aponta e ameaça  —  Sejam competentes, ou as cabeças vão rolar.

 Todos, com medo da ameaça, entram em suas salas. Miranda volta a caminhar sorrindo em direção à sala de reunião. Ela abre a porta da sala de reuniões e vê uma cena que a surpreende.

Não tinha ninguém na sala de reuniões, além de Beatriz que está sentada na ponta da mesa com um papel nas mãos. Ela levanta sua cabeça encarando Miranda que está surpresa com sua presença.

 —  Olá, mamãe – cumprimenta Beatriz, tranquila.

Miranda caminha lentamente em direção à filha, tocando em cada uma das cadeiras do lado esquerdo. Ela para uma antes de Beatriz, onde se apóia.

 —  Olá Bibi. Que surpresa vê-la por aqui.Não deveria estar no hospital?  – pergunta Miranda encarando Beatriz. Então sorri  —  Ou veio me dizer que o Hugo morreu?

 —  Ele está bem – responde Beatriz, sorrindo  —  O que a senhora está fazendo aqui?

 —  Eu vim para a reunião do Conselho. O Rodrigo convocou a todos, ou pelo menos era o previsto – responde Miranda, frustrada. Arqueia uma das sobrancelhas e pergunta a Beatriz, curiosa  —  E o que você faz aqui?

 —  Eu vim avisá-la que a reunião foi cancelada – responde Bia com sorriso amargo no rosto.

 —  Como sabe que a reunião foi cancelada?  – pergunta Miranda secamente.

 —  Porque eu a cancelei – confessa Beatriz fazendo sua mãe arregalar os olhos.

Miranda se aproxima mais de Beatriz e toca em seu ombro fortemente. Não consegue disfarçar sua raiva diante daquela declaração.

 —Como se atreve a se envolver nos assuntos da empresa assim?  – pergunta Miranda, irritada, tocando no queixo de Beatriz  —  Espero que saiba que essa era uma reunião muito importante! O Rodrigo ficará irritado com sua insolência.

 —  Engraçado… Eu falei com ele ontem e não apenas me contou que esta reunião era desnecessária, como aceitou prontamente o meu pedido – revela Beatriz tirando a mão de sua mãe de seu rosto. Ela se levanta e a encara—  Inclusive, me disse que foi ideia sua. Logo, a reunião era importante para você. Diga-me, qual era a pauta desta importante reunião, mamãe?

 —  Coisas que precisam ser mudadas – responde Miranda se afastando. Ela dá um leve sorriso  —  Marcarei novamente, depois.

 —  Qual…era...a…pauta…da…reunião?  – pergunta Beatriz, pausadamente, entre os dentes. Ela se aproxima da mãe novamente  —  Diga-me, mamãe.

 —  Eu já disse que não é nada que precise de sua atenção – responde Miranda, agressiva  —  Por que esse interesse todo? Você nunca se importou com essas coisas , até por que eu estou sempre tratando de nossos interesses – finaliza indo em direção à porta.

 —  Como o afastamento do Hugo se tornou um interesse meu?  – questiona Beatriz fazendo sua mãe se virar. Ela caminha devagar em direção à Miranda  —  Como a criação de um cargo para Mariane se tornou prioridade? O que raios a senhora está fazendo dentro dessa empresa?

 —  Protegendo você! – esbraveja Miranda batendo na mesa —Esse é o momento. Nós precisamos criar um cargo para gestão de crises. Então sim, eu decidi criar um cargo de Diretor de crises, mas não é para Mariane e sim para o grupo. A Mari só ficaria a encarregada durante este momento difícil que estamos passando.

— Assim como ela ficou encarregada de levar meu divórcio adiante, com as suas condições? – questiona Beatriz cruzando os braços.

—  Quem te contou a respeito?

—  Eu sei de tudo, mamãe. Da falsa notícia, dos papéis de divórcio… De tudo! Por que fez essas coisas?  – pergunta Beatriz, transtornada  —A senhora não parou nem quando o Hugo sofreu o acidente. Por que o quer fora da empresa?

— Ele está em coma , não pode fazer nada pela empresa já que é um peso morto! Os médicos nem sabe se ele voltará normal ou se ficará vegetando. O certo seria ele morrer, mas vaso ruim não quebra! – desabafa Miranda, enfurecida. 

—  A senhora escuta as coisas que diz? – sussurra Beatriz, decepcionada  com as palavras da mãe.

 —  Eu faço tudo isso defendendo os nossos interesses!  – responde Miranda, exaltada apontando o dedo para Beatriz.

 —  Seus interesses, mamãe, seus interesses!  – acusa Beatriz, irritada, deixando as lágrimas rolarem pelo seu rosto.

 —  Seu pai sentiria vergonha de você – dispara Miranda, amargurada.

  —  Não, mamãe. Ele sentiria vergonha de você!  – retruca Bee olhando a mãe de baixo para cima, com desprezo  —  E do que se tornou. Onde está aquela mulher que não se importava com dinheiro, posse e status? Que batalhou para chegar aonde chegou sempre humilde? O que aconteceu com ela?

 —  Ela morreu!– esbraveja Miranda, vermelha de raiva —  Morreu junto com o marido dela, quando viu que se não tomasse uma posição, voltaria para lama!   Ela criou uma filha que não se importa com nada e que a decepcionou se casando com um aproveitador. Eu tive de tomar conta de tudo, enquanto você brincava de casinha! Eu fiz tudo por você e mantive nosso patrimônio. Para receber o que em troca? Apenas desprezo e ingratidão!

 —  Agora não precisa mais fazer isto – informa Beatriz empurrando o papel em direção a sua mãe  —  Está livre da obrigação de tomar conta dos 45% das ações do grupo que pertencem a mim. Você  é mais minha representante.

 —  Então é assim?  – questiona Miranda, irônica. — Diga-me, quem cuidará das ações da princesa?

 —  Eu mesma. Aliás, não  foi para isso que me obrigou a fazer Administração?– responde Beatriz observando a revolta de sua mãe Ela dá um sorriso entre as lágrimas  —  A senhora deveria ficar feliz, pois finalmente estou tirando o fardo de cuidar das minhas ações. Agora será apenas minha mãe, como deveria ser.

 — Por que está fazendo isso comigo?  – pergunta Miranda se fazendo de vítima sentando em uma das cadeiras  —  Que mal eu te fiz?

 — O mal que você fez, foi culpa minha. Eu criei um monstro e deixei crescer aqui dentro – responde Beatriz olhando para sua mãe  —  Agora estou cuidando dos meus interesses e eles são contrários aos seus. Eu sinto muito ter feito isso com a senhora, mas para o bem de todos, não poderá mais me representar no grupo.

 —  NÃÃÃOOOOO! – urra Miranda chorando ao ver Beatriz sair da sala.

***

Finalmente Beatriz chega ao hall  do hospital, onde assina a lista de visitas para a UTI. Está tão entretida pensando em como sua manhã tinha sido difícil e era apenas o começo de seu dia que não percebe uma mulher tocar em seu ombro.

 —  Bibi? 

 —  Sônia! 

As duas se abraçam, emocionadas, deixando de lado tudo o que havia acontecido elas. Beatriz se afasta do abraço demorado que deu em Sônia, feliz por saber que sua amiga está ali.

 —  Você não estava em lua de mel?  – pergunta Beatriz segurando nas mãos de Sônia.

 —  Sim, mas eu vim assim que soube – responde Sônia, emocionada —  Como eu poderia me divertir sabendo do que tinha acontecido com o Hugo? Eu tinha certeza absoluta que você estaria aqui ao lado dele e que precisaria de apoio. Ou melhor, do meu apoio.

 —  Obrigada, Sô – agradece Bia , olha para o relógio — Ainda tenho uns quarenta minutos até a visita, vamos até a cantina? Tenho muitas coisas para te contar.

 —  Claro – reponde a Sônia arrumando a bolsa.

 —  O Jorge veio com você?  – pergunta Beatriz andando ao lado de Sônia.

 —  Não. Ele disse que gostaria de manter a imagem do Hugo saudável como lembrança. Coisas do Jorge, sabe?

 —  Claro… Vamos que eu estou faminta – diz Beatriz sorrindo para a amiga  —  Tenho muita coisa que você precisa saber .

***

Sônia encara amiga, pensativa, após ouvir tudo o que Beatriz contou. Ela coloca os talheres no prato e solta:

 —  Nossa, aconteceu muita coisa em tão pouco tempo – bebe um gole de suco de laranja e continua  —  A única coisa que não me surpreendeu foi a  Miranda. Sinceramente, já esperava algo assim da sua mãe.

 —  Eu não. Ela não era assim antes… – começa Beatriz, sendo interrompida pela falsa tosse de Sônia  —  O que foi?

 —  Desculpe-me, amiga, mas mãe sempre foi assim, só você quem nunca percebeu – responde Sônia tomando um pouco do suco de laranja  —  Claro que depois da morte do seu pai, ela ficou pior.

 —  Claro que não, Sô – recusa Beatriz,indignada  —  A minha mãe não era assim antes.

 —  Por que você nunca pintou o cabelo? Porque sua mãe dizia que seu cabelo era bonito demais e que não precisava ser pintado – relembra Sônia cortando a alface  —  Por que nunca namorou até a faculdade? Porque sua mãe dizia que o cara perfeito estaria na faculdade. Por que não ia às festas? Por que não dormia lá em casa? Por que não podia usar vestidos com um palmo acima do joelho? Por que nunca fez aquele curso de artes? Por que nunca viajou para Paris? Por que ela ficou como sua representante até hoje?

 —  Eu entendi, Sônia. Minha mãe sempre foi controladora e super protetora, mas nunca a ponto de prejudicar alguém – defende Beatriz limpando os lábios com o guardanapo.

 —  Ela sempre prejudicou você. Só que você nunca reparou, ou sempre colocou uma venda nos olhos. O problema foi que com o  poder que deu a ela, suas ações ficaram mais explícitas. Ela nunca cogitou que  seria descoberta, já que tinha todos nas mãos, incluindo você – explica Sônia finalizando o suco  —  Mas a grande questão agora é: Quem vai te representar?

 —  Eu mesma farei isso, por um tempo. Depois eu vou contratar alguém de minha confiança – responde Beatriz.

 —  Estou tão orgulhosa de você! Queria ter essa força que você tem – elogia Sônia, orgulhosa segurando na mão de Beatriz.

 —  Eu tenho de agradecer ao Flávio – comenta  Beatriz com a voz entristecida  —  Se não fosse por ele… Eu não sei o que seria de mim e nem como faria para lidar com tudo isso.

 —  Fico feliz que ele tenha feito tão bem assim a você –comentaSônia sorrindo.

 —  Eu tenho medo de fraquejar, sabe. Acabar meu gás e eu voltar a ser quem era – confessa Beatriz, pensativa, olhando para seu dedo, onde agora só ficou a marca de sua aliança de casamento.

 —  O que tem em mente para fazer daqui para frente?  – pergunta Sônia, curiosa.

 —  Eu pretendo me matricular em um curso de decoração, depois investir em uma empresa nessa área e trabalhar com isso. Pelo menos esse era o plano até isso tudo acontecer – responde Beatriz gesticulando com as mãos.

 —  E agora?  – questiona Sônia, preocupada.

 —  Agora, vou esperar a opinião dos médicos e ver o que faço.

 —  E a outra? – pergunta Sônia se referindo a Lúcia.

 —  A Lúcia ficará com ele nos períodos em que eu não estiver. Fizemos um acordo selado com tapas.

 —  Como assim?  – pergunta Sônia mais curiosa.

 —  Conto no caminho, agora temos de ir – avisa Beatriz olhando para o relógio.

***

Renata espera do lado de fora do quarto, onde está Hugo. Sua expressão não é das melhores, preocupando Beatriz e Sônia que chegam ao local.

 —  Tudo bem Renata?  – pergunta Beatriz, nervosa. Ela aponta para Sônia e apresenta  —  Essa é a minha amiga Sônia Peixoto de Andrade. Sônia essa é a neurocirurgiã, Renata.

 —  Muito prazer.– cumprimenta Renata antes de  olhar em direção ao quarto e depois para Bee  — Beatriz, as notícias não são animadoras.

— O que foi? O que aconteceu? – questiona Beatriz, nervosa.

— As primeiras 24 horas foram estáveis, porém ele não voltou do coma. E não temos como dizer quando ele despertará.

 —  Quer dizer que ele poderá ficar assim por muito tempo?  – pergunta Beatriz segurando no braço de Sônia  —  Por meses?

 —  Até anos, Beatriz. – informa Renata — Por isso, gostaríamos que determinasse um prazo para o desligamento dos aparelhos. Por quanto tempo pretende mantê-lo, caso se confirme o estado dele como irreversível?

 —  Eu não sei… – responde Beatriz, nervosa  —  Eu não tenho esse direito. Na verdade, preciso consultar a noiva dele para ver o que ela acha disso.

 —  Legalmente, você é a esposa, tem o direito de decidir – explica Renata  — Mas não  se preocupe, terá muito tempo para pensar nisso. Só estou lhe dizendo que existe essa possibilidade e que precisa pensar nela.

 —  Tudo bem… – murmura Beatriz.

 —  Pode ver o paciente agora – avisa Renata abrindo a porta do quarto  —  Já estão com as roupas adequadas. Estão com algum objeto não permitido?

— Não – respondem as amigas.

—Ótimo. Boa visita – diz Renata  se despedindo.

As amigas olham em direção ao quarto, sabem que chegou o momento de ver como está de fato o Hugo. Aos poucos caminham em direção a porta, onde Beatriz para em estado de choque:

 — Não – nega Beatriz, nervosa —  Eu não vou entrar.

 — Por que não?  – pergunta Sônia, assustada, com a decisão da amiga.

 —  Porque eu não consigo, não consigo fazer isso – responde Beatriz, nervosa se afastando do quarto.

 —  Beatriz, volte – pede Sônia indo atrás de Beatriz. Segura a amiga pelos ombros—  O que foi?

 —  Não posso, não dá. EU não vou entrar ali – recusa Beatriz, ofegante. Ela encara Sônia, suplicando  —  Eu vou fraquejar, assim que vê-lo. EU não estou pronta para vê-lo. Não me obrigue, por favor, não me obrigue. Por favor, não me obrigue.

 —  Tudo bem, tudo bem. Eu entro – concorda Sônia — Fique aqui que eu já volto.

Sônia vai em direção ao quarto e entra, deixando Beatriz sozinha no corredor. Depois de alguns minutos volta e fala:

 —  Ele parece estar dormindo –olha para Beatriz e continua  —  Uma hora terá de entrar naquele quarto.

 —  Não hoje – retruca Beatriz recuperando o fôlego  —  Hoje, eu não consigo.

— Como quiser, amiga. Só quero que saiba que estarei aqui quando você decidir fazer isso.

— Obrigada Sônia – agradece Beatriz abraçando Sônia.

 — O que fará até ele voltar do coma?  – pergunta Sônia caminhando com Beatriz pelo corredor.

 —  Eu vou seguir minha vida… Não posso esperá-lo – responde Beatriz séria  —  Eu não posso parar por ele.

***

Um mês depois...

O despertador toca insistente, fazendo Beatriz abrir seus olhos. Droga, seis da manhã… Mais cinco minutos, pensa Beatriz cobrindo a cabeça com o edredom. Ela sabe que isso não será possível, pois seus dias são sempre atarefados. Começava com a corrida pela Orla até o deque, visita ao Hugo, ir para o grupo Gouvêa, projetos sociais, curso de decoração. E por último, mas o que ela mais aguardava, conversar com o Flávio pelo Skype12. Porém, nas últimas semanas eles nem conseguiam conversar direito. Depois que Flávio foi para Dubai à diferença de horário foi para sete horas. Se ficasse na cama por cinco minutos, custaria mais um dia sem falar com ele.

Pensando nisso, Beatriz levanta rapidamente e vai para o banheiro. Depois de uma ducha rápida, veste uma camiseta branca, a legging preta, seus tênis de caminhada e prende o cabelo em rabo de cavalo. Anda apressada para a mesa de jantar, onde Leninha já deixou seu café pronto: Sala de Frutas e o shake. Em menos de meia hora ela já está atravessando a avenida de frente a orla. Faz sua rotina de alongamento diante ao céu sem nuvens e o sol que brilha ardentemente sobre a praia da Barra. Ela coloca os fones e o celular preso no braço tocando sua música preferida. Hora de curtir o meu momento, pensa Beatriz sorrindo enquanto admira a vista da praia.

Começa a correr pensando em como tem sido os seus dias. Primeiro: Grupo Gouvêa. Está indo bem no grupo, mas aquilo não a motivo , ainda precisa arranjar alguém urgente. Sua mãe a evita ao máximo, fazendo Beatriz se sentir muito mal. Porém sabe que tinha feito o melhor possível por todos e que uma hora a mãe entenderia. Segundo, projetos sociais. Ela precisa verificar como estão os projetos que financiava, pois recebeu algumas denúncias de desvio de verba e precisa tomar uma decisão quanto a isso. Terceiro, seu curso de decoração. Nem parecia que tinha um mês que está no curso. Ela sente que é aquilo que deve fazer. Sempre que chega em casa, pratica o que aprende, tanto que seu duplex está mudado e revigorado. Flávio ficará orgulhoso quando ver todas essas mudanças, pensa Beatriz lembrando com saudades de Flávio.

Estão há mais de um mês separados e Beatriz a cada dia se sente mais apaixonada por ele. Não vê a hora do lorde voltar para conversar a respeito da relação. Quem sabe não subimos de nível, hoje? pensa Beatriz sorrindo. Ele traz alegria aos dias dela sempre a encorajando, apoiando e aconselhando. Sente saudade de tocar em seu rosto, dos seus cabelos, de seu toque…

Então em sua mente surge mais um nome: Hugo. Já tinha sido transferido para o apartamento, porém a situação é a mesma.Antes da transferência não entrava no quarto, deixando isso a cargo de Sônia que informava como ele estava. Diferente de Lúcia  que tocava e falava em Hugo contando tudo o que acontecia a sua volta.

—Acho que seria bom você falar com ele. – sugeriu Antonieta após informar que Hugo foi liberado para o quarto —  Existem estudos que indicam o retorno dos pacientes do coma devido a esse tipo de atenção oferecida.

 E mais uma vez, foi ignorada completamente por Beatriz. Bee não consegue fazer nada daquilo. Não ainda. Talvez hoje, pensa observando toda a movimentação da transferência de Hugo.

—Senhora Abraão – chama o enfermeiro chamando atenção de Beatriz que ajeita sua roupa — A senhora já pode entrar.

Ela olha para Sônia que sorri enquanto aperta sua mão, lhe passando toda a confiança de que precisa. Beatriz respira fundo e então caminha em direção ao quarto. Para alguns segundos na porta e então entra.

Se não fossem os tubos, fios e todas aquelas máquinas ao redor de Hugo,sem dúvida estaria apenas dormindo, a ponto de acordar a qualquer momento. Beatriz se aproxima da cama , observando seu marido , o quanto seus cabelos tinham crescido a barba também, fazendo lembrar a época da faculdade. Sua mão vai em direção a dele, por impulso, segurando firme:

— Hugo, olhe para mim. Querido, olhe para mim – sussurra observando o semblante do homem a sua frente. Ela mexe sua mão devagar, na esperança dele acordar. Então decide aproximar seu rosto em direção ao dele, deixando seus lábios próximos ao seu ouvido — Por favor, acorde. Hugo, por tudo o que mais ama, acorde. Você precisa acordar porque está perdendo muita coisa. A sua noiva precisa de você...A empresa precisa de você... E eu... Eu sinto muito pela forma como agi com você, pelas coisas que eu disse. Você é o melhor homem que eu já conheci. – fica em silêncio segurando suas lágrimas. Ela afasta seu rosto e continua segurando em sua mão — Enfim, por favor, volte para nós. Todos nós sentimos sua falta.

Ela se afasta de Hugo lentamente, torcendo para que a idéia de Antonieta seja eficaz. Porém, já se passaram semanas e não surtiu nenhum efeito.

Beatriz chega ao deque, exausta. Olha para cima apreciando o belo dia de sol que está fazendo.  Estala o pescoço para relaxar, agora precisa retornar para visitar o Hugo. Gira o corpo para voltar ao duplex e acaba trombando em alguém.

— Desculpe-me – pede erguendo o rosto para encará-lo.

— Beatriz?

 

 


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Notas finais do capítulo

12    Serviço de videoconferência da Microsoft.



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