A Chance escrita por Pauliny Nunes


Capítulo 10
Capítulo 10




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/549373/chapter/10

Flávio conversa com seu cliente o avisando que já está na cidade do Cairo, sendo admirada pelos olhos brilhantes de Beatriz, por trás da janela da Mercedes Benz C 180 que os leva para o hotel. Os modernos e iluminados prédios do Cairo em nada lembram a cidade retratada nos livros de história.

 — Vamos passar pelo Rio Nilo – avisa o motorista em inglês com um forte sotaque árabe  — É o rio mais extenso do mundo, mesmo que digam ao contrário. Os antigos egípcios chamavam-lhe Itéru que significa “grande rio”.

Beatriz olha, maravilhada, a extensão do Rio Nilo que corre tranquilo e majestoso. Imponente, parece ignorar toda a globalização ao seu redor. Tão perfeito, pensa Bia.

  —  Devemos a ele o desenvolvimento de nossa civilização antiga – continua o motorista chamando a atenção de Beatriz  —  O Nilo é atualmente a fonte de energia através da usina hidroelétrica de Assuã.

 —  O artefato que procuro encontra-se em khana El kahlili, sabe me dizer se fica muito longe do hotel, Teremun? – pergunta Flávio desligando o telefone.

 —  Percurso de meia hora, senhor – responde Teremun observando Flávio pelo retrovisor  —  Gostaria de ir agora, senhor?

 —  Não se preocupe, irei amanhã – responde Flávio que cutuca Beatriz e diz em português  —  Vai comigo amanhã, Bee?

 —  Com certeza – diz Beatriz sorrindo para ele  —  Esqueceu que é o meu guia turístico?

 —  Não esqueci – diz ele retribuindo o sorriso.

 — Chegamos – avisa Teremun estacionando.

Beatriz desce do carro encantada com a beleza da fachada envidraçada do Four Seasons Hotel Cairo Nile Plaza, que se localiza a poucas quadras das margens do extenso rio Nilo. A cor de suas águas é refletida na vidraça do hotel, dando assim uma cor peculiar à construção majestosa. Flávio coloca nos ombros dela uma echarpe preta, combinando com o belo vestido longo de mangas transparentes da mesma cor. O clima está ameno, com algumas rajadas de vento, que fazem os cabelos de Bee dançar pelo seu rosto.

 —  Áhlan u sáhlan1! – cumprimenta o conciérge, abrindo a porta com o sorriso mais receptivo que eles já receberam.

Assim que entram no vasto saguão retangular são recebidos por uma gama de cores vivas. O piso traz formas negras que lembram a correnteza calma do Nilo, harmonizando com o amarelo representando a areia que o cerca. As paredes de madeira com detalhes lineares, iluminadas bem como o resto do ambiente por lustres em forma de margaridas desabrochando que liberavam luzes em tons amadeirados.

Ao longo do saguão mesas redondas de tom mogno foram posicionadas em seu centro, em cima das mesmas, belos vasos ovais de intenso verde e preto, eram preenchidos com a flora da região. Ao final um belíssimo balcão de madeira maciça com duas belas jovens de cabelos escuros maquiadas usando um belo uniforme preto com o emblema do uniforme próximo ao peito, de botões vermelhos, saia preta e meia calças da mesma cor. Sorriem assim que visualizam Beatriz e Flávio.

  —  Áhlan u sáhlan! – cumprimenta a recepcionista que está do lado esquerdo. Seus olhos cor de âmbar são realçados por um forte rímel preto. Então diz em inglês sem o sotaque árabe do motorista  —  Em que posso ajudá-los?

 —  Boa noite. Reserva em nome de Flávio Peixoto Wilkinson, por favor – responde Flávio tirando sua identificação da carteira e entregando para a moça.

 —  Reserva para quinze dias na Royal Suíte, confirma senhor? – pergunta a jovem digitando no computador.

 —  Confirmo.

 —  Algo mais, senhor?

 —  Sim, Mantenha o serviço de motorista, até o fim da estadia – pede Flávio, entregando o seu cartão American Express Centurion.

 —  Sim, senhor – responde a recepcionista cadastrando o cartão de Flávio  — Muito obrigada pela preferência – então aponta para os luxuosos sofás em dourado à esquerda de Beatriz e Flávio  — Por gentileza, sentem-se enquanto o mordomo particular do senhor e de sua esposa venha recepcioná-los.

Beatriz arregala os olhos surpresa e decide consertar o engano da jovem, mas é repreendida por Flávio que segura seu braço colocando em volta do dele.

 —  Eu e a minha esposa agradecemos – diz Flávio sorrindo. Beatriz tem certeza que ele tirará todo o proveito da situação.

 Beatriz senta no sofá, seguida por Flávio que coloca o braço em seus ombros e com a outra mão segura a dela. Beatriz Gouvêa Peixoto ou Wilkinson? No que eu estou pensando? repreende-se mentalmente. Ela olha para Flávio que a está encarando rindo e pergunta:

 —  Posso te perguntar uma coisa?

 —  Já perguntou – zomba ele  —  Pode sim, esposa.

 —  Como você, sendo um antiquário, tem um American Express Centurion? – pergunta, desconfiada —  Ele é o cartão mais exclusivo do mundo e caro de se manter.

 —  Ahahahahahaha – gargalha Flávio, fazendo com que Beatriz erga as sobrancelhas.

  —  Qual foi à piada? – questiona Beatriz se virando para ele.

 —  De todas as perguntas, essa foi a que eu menos esperava – responde lorde Wilkinson fechando levemente os lábios, enquanto ajeita o terno bege.

 —  Quais seriam as perguntas que eu deveria ter feito?

 —  Bom, “por que a escolha do hotel?” é uma delas. A outra seria “Por que apenas uma suíte?” – Ele sussurra em seu ouvido  —  Porque não te deixei corrigir que não éramos casados.

  —  São ótimas perguntas, sinta-se à vontade para respondê-las. - comenta sussurrando – Por que estamos sussurrando? Estamos conversando em português.

 —  Não é por que ela nos recepcionou em inglês que ela não saiba falar ou entender o português – explica  olhando para recepcionista que os encara, envergonhada.

 —  Olá, meu nome é Ur Atum e estou aqui para servi-los – diz o rapaz usando uma bela túnica vermelha com detalhes em preto e um turbante da mesma cor. É mais baixo que Flávio e franzino, sua pele parda era marcada pela intensa exposição ao sol  —  Acompanhem-me, por favor.

Flávio e Beatriz seguem o mordomo até o elevador em silêncio e ao entrarem no elevador ficam atrás dele. O antiquário coloca sua mão nas costas de Beatriz e calmamente vai descendo até a lombar, fazendo com que ela segure a respiração, ficando vermelha. Ele  ri da expressão de surpresa de Beatriz que finge estar brava com ele.

 —  Você não respondeu a minha pergunta. Aliás, nenhuma delas – recorda Bia quebrando o silêncio.

 —  Respondendo a sua pergunta: estou remodelando a forma como  é vista minha profissão. Sou eu quem vai atrás das peças escolhidas pelos meus clientes que ficam impressionados, me pagando bônus por minha atenção para com eles. Além do fato de meus clientes exigirem certa exclusividade de seus produtos. Com o tempo, conquistei um bom patrimônio para merecer esse cartão – então sorri  —  Com relação ao nosso casamento: Aqui eles são conservadores. Noventa por cento da população é islâmica, por isso solicitam saber nossa religião no passaporte. Não ficaria bem você estar em uma viagem comigo, sendo casada com outro.

 —  E as outras duas? – pergunta Beatriz, curiosa.

 —  Você verá – responde Flávio olhando para frente.

 Quando Beatriz olha para o painel do elevador, percebe que marca “P” de cobertura.

***

 —  Royal Suíte, senhores – apresenta Ur-Atum abrindo as portas de madeira, talhadas com gravuras egípcias, da suíte. Ele dá um passo para trás permitindo a passagem de Flávio e Beatriz.

 O interior é claro e arejado, oferecendo, a Beatriz, a sensação de estar em casa. O mobiliário contemporâneo da sala possui acabamentos em madeira natural. Todo o cômodo é decorado com vasos compostos de flores vermelhas e lustres por todas as mesas de canto. As paredes pintadas de tons pastel harmonizam com os detalhes em madeiras do rodapé e bordas. Mas o que chama a atenção de Bia são as enormes janelas que dão a visão panorâmica do Cairo. Ela vai em direção a uma delas e tem uma grata surpresa: Dali consegue ver as imponentes pirâmides, como tela de fundo da belíssima cidade.

 —  A Royal Suíte possui dois terraços privados mobiliados – explica Ur-Atum da porta  —  Sala de jantar com capacidade para dez pessoas com despensa embutida, centro de entretenimento com TV e DVD player para relaxar entre passeios, área de trabalho com computador e fax, bar privativo, quatro dormitórios, sendo duas suítes, quatro banheiros e dois lavabos. Serviço de limpeza duas vezes ao dia. Além dos meus serviços 24 horas e aproveitem a estadia. Precisam de alguma coisa?

 —  Como faço para morar aqui? – pergunta Beatriz, encantada.

 —  Desculpe-me senhora, não consegui entender o que disse – responde o mordomo ao escutar Beatriz falando em português.

 —  Ela agradece por sua contribuição. Isso é tudo, Ur-Atum – responde Flávio no lugar de Beatriz.

 Ele vai para o terraço, onde Beatriz está. O vento forte balança os cabelos dela que está com os braços abertos e os olhos fechados. Ele tem um sorriso despretensioso nos lábios com aquela visão.

 —  A melhor imagem do Cairo – comenta Flávio de forma sedutora.

 —  Sem dúvida – concorda Beatriz abrindo os olhos e fechando os braços, sem perceber que ele tinha falado dela.

 —  Acho que isso responde as duas perguntas que faltavam – conclui apoiando na sacada.

 Ele olha para o Nilo misterioso, seus cabelos loiros balançam no ritmo do vento e sua camisa apertada, define seu peitoral. A melhor imagem do Cairo pensa Beatriz, suspirando.

***

Khana El khalili, uma das áreas comerciais mais antigas do Cairo é um imenso mercado de estreitas ruas com milhares de pequenas tendas onde vendem tapetes, tecidos, cristais, especiarias, joias, artefatos antigos, os vários cheiros de incenso, papiros, entre outras mercadorias. Suas ruas repletas de pessoas com diversas etnias, cafés com suas mesas nas portas fascinam Beatriz que anda atrás de Flávio, seu guia particular.

 Ele procura em meio aquelas várias tendas, a que teria o artefato desejado pelo seu cliente. Veste uma camiseta polo branca, uma bermuda caqui, sapatos mocassins da mesma cor. Para se proteger do sol, usa um óculo estilo aviador preto e boné. Ela escolheu uma camisa larga de manga e uma calça Capri amarela, óculos de sol e rasteirinha. Para enfrentar o calor, trouxe em sua mochila: água, bloqueador solar fator 60 e prendeu o cabelo em coque alto.

O calor não é o maior problema para Beatriz, mas sim a diferença de altitude. Desde que saiu do hotel sentiu um pouco de moleza, mas não quer estragar o dia de Flávio com, o que ela considera ser, uma frescura.

 —  Tem certeza de que sabe para onde está indo? – pergunta Beatriz, se abanando com as mãos.

 —  Sim, eu já estive nesse mercado várias vezes – responde Flávio sem encarar Beatriz.

 —  Mas então por que perguntou ontem ao motorista se ficava longe do hotel? – pergunta Bia se lembrando da noite anterior.

 —  Porque nunca me hospedei naquele hotel. Geralmente fico em outro um pouco mais perto das pirâmides – responde entrando em uma ruela.

 —  Em qual?

 —  Marriott – responde Flávio com um sorriso despretensioso ao ver o olhar de surpresa de Beatriz — Eu gosto de ser tratado como a um rei. - explica. Antes que Beatriz conseguisse formular uma frase, ele aponta —  Viu só, chegamos.

 No fim da ruela, uma loja um pouco maior que as outras e com várias peças expostas em sua fachada. Seu nome está em dourado e escrito em árabe bem como vários dos detalhes da fachada. Ao entrarem mais peças artesanais de ouro, prata, latão e pedrarias. Algumas estátuas e papiros ficam perto da entrada.

 —  Márhaba2— cumprimenta o elegante senhor com turbante na cabeça e túnica azul-claro. Ele se aproxima de Flávio, parece o conhecer a algum tempo, e diz sorrindo — Ezaiák3?

 —  Mabçút, nuch-kor Álla4— responde Flávio sorrindo. Ele olha para Beatriz percebendo que ela não entende absolutamente nada do que eles falaram. Vira então para o jovem novamente e diz em inglês  —  Vamos conversar em inglês para que minha parceira possa entender, está bem?

 —  Tudo bem, Flávio. Fico feliz que tenha casado com uma mulher tão bela – comenta o comerciante em inglês, sorrindo para Beatriz  —  Qual o seu nome?

 —  Meu nome é Beatriz. E o seu? – responde a jovem em inglês, vermelha com o gracejo anterior.

 —  Ramsés. Fique à vontade para olhar a loja enquanto falo com seu marido – pede o comerciante levando Flávio para outra sala sem esperar o agradecimento de Beatriz.

 Ela está admirada pela quantidade de jóias expostas no balcão e nas vitrines. São colares, tiaras, pulseiras, anéis e entre elas, um anel fino dourado e prata com uma enorme pedra, aparentemente preciosa, verde. Algo a atrai para aquele anel.

 —  Jadeíta.

Beatriz se vira surpresa encontrando uma mulher de cabelos lisos loiros naturais cortados um pouco abaixo das orelhas. Usa uma belíssima túnica branca com detalhes de flores na gola até a altura do abdômen e calças da mesma cor. Ela sorri, caminha em direção à vitrine e continua dizendo em português:

 — A pedra do amor – ela abre a vitrine sob olhar curioso de Bia e pega o anel  —  Para um melhor destino no amor. É excelente para abrir os caminhos amorosos e para ajudar a resolver dificuldades nos relacionamentos. Atrai sempre as pessoas boas.

 —  Como fala tão bem o português? – pergunta Beatriz, encantada e ao mesmo tempo, curiosa.

 —  Porque sou brasileira– responde a mulher sorrindo delicadamente — É sempre bom conhecer alguém que fala o nosso idioma natal. Desculpe a minha falta de educação, me chamo Socorro.

 —  Eu me chamo Beatriz – Bia se apresentando sem que a mulher tivesse pedido.

 —  Eu sei. Escutei você conversando com meu marido –a mulher entrega o anel para Beatriz —  Experimente.

 —  Não acho que vá entrar no meu dedo – responde Beatriz se recusando.

 —  Vai servir – afirma Socorro, enigmática, estendendo o anel para Beatriz — Ele te escolheu, te pertence.

 Então Beatriz coloca o anel em seu dedo anelar esquerdo, tocando sua aliança de casamento. Nossa, ainda estou com a minha aliança. Será que é por isso que todos acham que sou casada com Flávio? Pensa Beatriz olhando, demoradamente, para sua aliança.

            —  Foi recente? –  pergunta Socorro despertando Beatriz de seus pensamentos  —  Seu divórcio? Eu sei que não está casada com Flávio, a última vez que ele veio, tem quase dois meses. Dificilmente ele se casaria tão rápido. Se bem que é você, posso estar errada. – finaliza encarando Beatriz de forma misteriosa.

—  Como conheceu o Flávio? – pergunta Beatriz encarando a mulher. Como ela sabe quem sou eu?  Pensa, curiosa —  E o que sabe sobre mim?

 —  Primeiro, a minha pergunta – reforça Socorro fechando a vitrine.

 —   Faz um ano que não estamos juntos, mas ainda não finalizamos oficialmente , o que torna isso  apenas um hábito de dez anos – responde Beatriz mexendo na aliança. Ela  então tira o anel de Jadeíta para que possa  tirar sua aliança, sendo impedida pelas mãos manicuradas de Socorro.

 —  Não tire. Ramsés notará e não ficará feliz em saber que vocês o enganaram – alerta Socorro.

 —  Mas eu não o enganei – defende-se Beatriz entregando o anel de Jadeíta.

 —  Você se omitiu, já é o suficiente por aqui. – explica a loira pegando o anel de volta  — Agora  respondendo sua pergunta: Flávio me apresentou ao meu marido. Sou amiga de Flávio há muitos anos e o ajudava a verificar a autenticidade de algumas pedras preciosas que chegavam para ele no antiquário. Certa vez estava visitando o Egito, pesquisando a respeito de pedras preciosas e a misticidade delas, quando acabei encontrando com Flávio nesse mesmo mercado. Ele disse que estava indo ver um amigo que tinha algo valioso e pediu que eu o acompanhasse. Quando chegamos nessa loja vi o meu marido, foi a primeira vez que me senti daquela forma. Porém o que me fez apaixonar por ele foi quando disse “Kunti fin". Sabe o que significa? – pergunta Socorro. Ao receber o aceno negativo de cabeça de Beatriz, ela continua  —  Significa, “Onde você esteve?”. É uma expressão cortês que é o mesmo que dizer onde você esteve por toda a minha vida. Jamais esquecerei algo que será por toda a vida.

Beatriz sorri para mulher, ela já teve aquela sensação de para sempre. Mas o para sempre dela, acabou.

            —  Não me respondeu o que sabe sobre mim – lembra Beatriz.

            —  Os homens estão voltando – avisa Socorro olhando para a porta por onde Flávio e Ramsés passaram anteriormente  —   Depois conversamos melhor.

            Depois, quando? Pensa Beatriz confusa olhando para Flávio que acaba de entrar na sala, um pouco desanimado.

            —  Sinto muito não ser o que procura meu amigo – pede Ramsés para o amigo  —  Prometo falar com Zaid de Al-Muski, e ver se ele tem ou conhece alguém que tenha a estátua. Não volte de mãos abanando Flávio, compre algo para você. Seu antiquário merece belas peças novas.

            —  Não me seduza com suas palavras, meu amigo. Nem tem dois meses que comprei aqui aqueles papiros. Prometo que a próxima viagem eu comprarei muitas coisas. Essa é somente para negócios – responde Flávio tocando no ombro do amigo.

            —  E lua de mel – corrige Ramsés olhando para Beatriz.

            —  Sim, lua de mel também – confirma Flávio, desanimado  —  Foi bom revê-lo, meu amigo.

 —  Habib, Beatriz se interessou muitíssimo por um anel de Jadeíta. Talvez ela queira comprar – informa Socorro olhando para Beatriz, maliciosamente.  

            —   Tem certeza disso, Bee? – pergunta Flávio em português, surpreso.

            —  Bom, é um anel muito bonito, mas não tenho certeza se quero comprá-lo. – responde Beatriz, nervosa.

 —  Ele serviu perfeitamente nela. Foi criado para as mãos dela – incentiva Socorro.

            —  Maktub, ele é seu. Por ser esposa de meu amigo, eu faço um preço camarada. - diz Ramsés sorrindo.

            —  Adêch5? – pergunta Beatriz lembrando uma das expressões que Flávio tinha ensinado no hotel antes de saírem para o mercado.

            —  Com desconto, vinte e oito mil e novecentos e onze rounds – responde Ramsés sorrindo. Seus olhos brilham, intensamente.

—  Mas isso são dez mil reais! – exclama Beatriz com os olhos arregalados.

Beatriz olha para Flávio esperando ele tomar alguma iniciativa. Ele se aproxima dela e sussurra em seu ouvido:

—  Se realmente o quer, terá de lutar por ele. Boa sorte – finaliza se afastando do rosto de Beatriz. Vira para Ramsés e diz  —  Ela quer fazer uma oferta.

***

            Os olhos de Ramsés brilham intensamente, ele está adorando negociar com Beatriz. Aquela negociação lembra muito as partidas de tênis de mesa que ela praticou na escola. Bia já pensa em desistir do anel, pois ele não está reduzindo muito o preço, conforme esperava. Porém, não quer decepcionar Flávio que os assiste ao lado de Socorro com quem tem uma conversa de pé de ouvido, atraindo a atenção de Beatriz que não consegue disfarçar a curiosidade em saber sobre o que tanto falam.

— Qual sua oferta? – pergunta Ramsés atraindo sua atenção.

—  15.000 pounds – oferece Beatriz, confiante — É um excelente preço.

—  Não. Esse valor é muito baixo para a minha peça. Isso você paga nas outras lojas de peças não genuínas – recusa Ramsés contrariado  —  22.000 pounds

—  Nem você, nem eu: 16.500 pounds?

—  Não, Não – Ramsés balança as mãos em negativa  —  Só o anel tem esse valor, feito com 22 quilates de ouro e ouro branco. Somado com a Jadeíta que é uma pedra valiosa… o valor me deixaria no prejuízo. Mas por Flávio ser meu amigo, 20.000 pounds

            —  17.000 pounds.

            —  Você sai ganhando e eu saio ganhando, 19.750 pounds.

            —  17.500 pounds – oferece Beatriz.

            —  19.000 pounds, minha última oferta – declara Ramsés cruzando os braços.

Todos olham para Beatriz esperando uma resposta que não veio de imediato. Ela está nervosa, começa a sentir muito calor e falta de ar. Não consegue se concentrar mais na negociação. Flávio percebe que há algo de errado com Bia, então se aproxima dela e a segura pela cintura:

            —  Você está bem? – pergunta, preocupado.

            —  Sim, estou bem – responde Bia esboçando um fraco sorriso. Vira-se para Ramsés e continua  —  Eu agradeço pelo seu tempo, Ramsés, mas vou recusar a oferta. Prometo que em outra oportunidade o levarei.

            —  Dificilmente ele permanecerá na loja por muito tempo – argumenta Ramsés, em uma última tentativa de fazer Beatriz comprá-lo.

            —  Compreendo, mas não poderei levá-lo a esse preço. Obrigada mesmo assim – responde Bia. Olha para Flávio e pede   —  Podemos voltar ao hotel? Não estou me sentindo bem.

            —  Como quiser – responde Flávio de forma amável apertando um pouco a cintura de Bia.

            —  Prazer em conhecê-los – diz Beatriz sorrindo.

            —  Prazer é todo meu por finalmente conhecer você – retribui Socorro segurando o braço do marido.

            —  A salamo a-leikom6— despede-se Flávio segurando no ombro do amigo.

            —  A leikom es salâm7— responde Ramsés, agradecido   —  Venham jantar com a gente, enquanto estiverem por aqui.

— Sim, prometemos voltar – responde Flávio. Ele segura na mão de Beatriz que se assusta com o toque — Vamos, Ya'Aini8?

            —  Vamos – responde Bia sem entender o que a expressão usada por ele, significa.

***

            —  Achei que tinha gostado do anel – comenta Flávio, já do lado de fora da loja.

            —  E eu gostei. Por que diz isso? – pergunta Beatriz caminhando ao lado de lorde Wilkinson pela ruela.

            —  Simples, você não lutou por ele – responde Flávio dando com os ombros.

            —  Como é que é? – questiona Beatriz, incrédula, parando no meio da rua  —  Você está brincando comigo? Eu não lutei pelo anel? O preço do anel chegou a 19.000 pounds, consegui reduzir o valor em quase dez mil pounds!

            —  Interessante, mas onde está o anel? – pergunta Flávio fazendo uma cara irônica  —  Ah… É mesmo, ele ficou na loja no mesmo lugar onde estava antes. Se o quisesse de verdade, estaria com ele.

            —  Então acha que eu deveria ter comprado por 19.000 pounds? Ele sairia muito caro, seriam uns seis mil reais por um anel. - defende-se Beatriz caminhando novamente.

            —  Poderia ter dado outra oferta. – sugere  Flávio.

            —  Ele disse que era a oferta final. - rebate Bia parando na frente dele.

            —  E você amarelou – alega  arrumando os cabelos dentro do boné —  Ele falou aquilo para te pressionar a comprar. Mas não se preocupe, haverão outras oportunidades para aprender a lidar com essa situação.

            —  Outras? Como assim, outras oportunidades? – pergunta Beatriz arrumando a mochila.

—  Sabe, os egípcios adoram negociar suas mercadorias. Eu acredito que isso seja uma arte para eles. E o Ramsés é assim, a negociação se tornou uma espécie de tradição na loja dele. Deseja algo, precisa lutar por ele.

—  Uma lição aprendida– comenta Beatriz, conformada —  Negociar sempre.

—  Só essa lição que você aprendeu? – pergunta Flávio erguendo uma de suas sobrancelhas.

—  Tinha mais alguma lição? – responde Bia com uma pergunta.

—  Bom a…– começa Flávio sendo interrompido pelo toque de seu celular. Ele olha o visor e informa — Meu cliente, preciso atender.

            —  Tudo bem. Vou olhar algumas lojas – avisa Beatriz caminhando.

            —  Não se afaste muito ou acabará se perdendo – alerta Flávio enquanto atende seu celular em inglês — Alô?

 Eu não sou tão estúpida assim, pensa Beatriz revirando os olhos ao escutar a advertência de Flávio.

***

 Beatriz admira uma túnica vermelha com detalhes em fios de ouro, quando escuta uma voz entoando uma canção. Ela tenta localizar de onde vem, até perceber que vários homens, mulheres e crianças que estão no mercado, pararam o que estão fazendo. Alguns fecham suas lojas, outros abrem seus tapetes nas calçadas, mas a maioria anda na mesma direção como se fosse coreografado, chamando sua atenção  que passa a andar entre eles.

Depois de algum tempo, encontra muitos ajoelhados com a cabeça encostando ao chão por cima do tapete, fazendo sua prece. Naquele momento, ela esquecera completamente de sua indisposição: aquela é a imagem mais bonita de demonstração de fé que já tinha visto.

O canto arrepia Bia que se controla para não tirar fotos daquele instante. Tinha lido em algum lugar que era falta de respeito e invasão de privacidade, coisas que ela conhece muito bem. Após alguns minutos todos se levantam, seguindo seus caminhos. Beatriz tenta fazer o mesmo, mas não se lembra de onde está e muito menos voltar para onde deixou Flávio, entrando em pânico.

 Começa a caminhar pelas ruelas e tenta perguntar para alguns comerciantes sobre a loja de Ramsés. Todos a perguntam o nome da loja, o qual ela não sabia. O desespero começa a tomar conta de sua mente e seu corpo passa a suar cada vez mais. Tudo ao seu redor passa a rodar mais rápido. As pessoas a olham, confusas, pois ela anda cambaleando e segurando em algumas delas. Beatriz olha para o céu encarando o Sol impiedoso do Cairo, aquela é a última imagem que vê, antes de cair no meio da multidão que a cerca.

 

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

1      Bem-vindos.

2      Oi

3      Como vai?

4      Bem, Graças a Deus.

5      Quanto Custa?

6      A paz esteja com vocês

7      E sobre vocês, a paz.

8      Meus olhos (elogio árabe para mulher).



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A Chance" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.